Posted by : Thiago V. M. Guimarães sábado, 5 de outubro de 2013

Ontem um moderador da minha página veio falar que ele teve uma discussão sobre “dilatação da massa”, e alguns curtidores disseram que isso não existia. Como no nosso grupo (Clube da Física) já tivemos vários problemas com essa discussão sobre se a massa varia ou não, resolvi escrever esse texto.

Massa é por si só um conceito bem confuso do ponto de vista da física clássica. Apesar do uso cotidiano desse termo, ele se confunde facilmente, massa é a medida de inércia de um corpo? É a quantidade de átomos que o compõe? É a resistência a uma aceleração? O que é massa?

Com a relatividade especial, a confusão com o termo massa só piorou, pois surgiram dois novos; “Massa de Repouso” e “Massa Relativística”. Nesse texto me focarei na diferença entre massa de repouso e massa relativística, para tanto veja esse texto que aborda o assunto de forma mais “clássica”: Mass and Weight

Com certeza você já deve ter lido ou visto em algum documentário que a medida que a velocidade de um corpo aumenta sua massa também aumenta, esse efeito é chamado de dilatação da massa e notado mais facilmente apenas para velocidades próximas a da luz. E aí, a massa aumenta ou não? Por que existem pessoas que afirmam que a massa aumenta e outros que dizem que não? Quem está certo?

Apesar de parecer, não existe confusão para nós físicos sobre o que é massa. Nós sabemos bem o que é. O problema fundamental surge quando tentamos passar isso para leigos, e interpretações diferentes acabam sendo chamadas apenas de “massa”. Então a resposta a essa questão é simples; a massa não varia, e qualquer físico de partículas e campos vai responder a mesma coisa. Porém é fácil encontrar em livros como do próprio Landau e Feynman afirmações claras e categóricas de que a massa varia. Alguém está errado nessa história? A resposta é “não” e “sim”, e é isso que espero que você compreenda ao longo desse texto.

O problema, como já citado, é nada mais do que um impasse de terminologias, usamos a mesma palavra para duas coisas que não são bem iguais. Podemos começar com duas interpretações modernas sobre massa:


Interpretação 1.

Eu já dei uma pequena introdução (subliminar) sobre essa interpretação no texto sobre Matéria e Energia, mas agora vou trabalhá-lo um pouco melhor. Como eu falei no texto citado, E = mc ² é verdadeira apenas para um objeto que está parado. Para um objeto que está se movendo, E²=m²c⁴+p²c², ou seja E é maior do que mc ².

Erroneamente tendemos a achar que energia e massa são a mesma coisa, ou que massa é energia condensada, mas isso não é de todo verdade, pois – por essa interpretação – a massa de um objeto em movimento nunca muda, já a energia irá mudar. Esta massa que nunca muda é chamada de "massa de repouso", já que está relacionada com a energia “armazenada” no objeto quando ele está "em repouso", alguns também a chamam de massa invariante, por motivos óbvios.

Interpretação 2.

Considere que E = mc ² é sempre verdadeiro, tantos para corpos parados quanto em movimento. Basicamente isto mostra que a energia e massa são essencialmente a mesma coisa. Uma vez que a energia de um objeto em movimento é maior do que quando está parado, então que a sua massa também será maior quando ele se move do que quando está parado. Essa interpretação da massa recebe o nome de “Massa Relativística”. Ou seja, nesse caso existe dilatação da massa.

Ambas definições estão corretas, porém há mais vantagens em uma do que em outra. Vou tentar explicar agora as diferenças fundamentais entre elas e o porquê de usarmos sempre a primeira definição.

Apesar de muito se falar, a relatividade não nos mostrou que tudo é relativo, mas sim uma grande parte das propriedades das partículas, como velocidade, tempo, espaço, energia. Então dois observadores diferentes podem obter medidas diferentes dessas propriedades, fazendo com que eles não concordem sobre seus valores. Considerando nossa primeira interpretação da massa, passamos a ter um valor igual para qualquer observador, diferentemente se usamos a segunda interpretação os observadores já não mais concordarão sobre os valores medidos. O primeiro ponto é esse, se temos tão poucas propriedades invariantes, porque não tornar a massa mais uma delas, facilitando nossa vida. Então se você definir a massa relativística como sua definição de massa, dois observadores podem não concordar em sua medida, se você define massa de repouso como sendo massa, dois observadores quaisquer vão sempre concordar com o valor de massa medido.

No gráfico você pode ver a diferença entre massa de repouso e massa relativística. Plotei o gráfico no wolfram-alpha utilizando uma função de comportamento semelhante ao da contração de Lorentz para grandes velocidades. 

O Problema da Massa do Fóton e do Elétron:

Eu abordei esse assunto também no terceiro texto sobre Matéria e Energia, e lá eu afirmei que a E=mc² não poderia ser usado para a massa do fóton e mostrei superficialmente que o fóton poderia ter energia sem ter massa. Com isso eu imediatamente adotei a primeira interpretação. Porém se eu adoto a segunda interpretação, a minha medida de energia se confunde grosseiramente com a medida de massa e eu passo a medir massa e energia como exatamente a mesma coisa, dessa forma o fóton parecerá massivo.

Utilizando ainda a segunda definição, se um elétron e um fóton tiverem a mesma energia eles terão a mesma massa. Isso soa bem estranho, não acha?

Comparando elétrons com fótons temos partículas bem diferentes, o primeiro é um férmion (partícula de matéria) e o segundo é um bóson (partícula mediadora do campo). O fóton não tem massa de repouso e tem spin inteiro, o elétron tem massa e spin semi inteiro, apesar dessas diferenças gritantes (ao menos para nós físicos), ambos podem possuir massa relativística quando consideramos a segunda interpretação. Se continuamos a usar essa interpretação podemos causar a maior bagunça quando tentamos medir a “massa” de elétrons e fótons em referenciais diferentes, um observador pode encontrar uma massa para o elétron menor que a massa do fóton, enquanto um outro observador pode encontrar uma massa para o mesmo fóton menor do que a massa para o mesmo elétron.

Para piorar o uso da segunda definição, se considerar elétrons que se movem muito rapidamente na eletrosfera de um átomo, sua massa pode ser maior que a massa do núcleo, isso complica um pouco nossa vida, pois então dois observadores só irão concordar com a medida da massa do núcleo e do elétron se eles estiverem parados. Se usarmos a primeira definição, dois observadores vão sempre concordar que a medida da massa dos elétrons é muito menor que a massa do núcleo.

Um outro problema que a segunda definição de massa causa, é na hora de organizarmos nossas partículas, pois dessa forma, algumas poucas propriedades se tornam invariantes, como spin. Então, por exemplo, dois elétrons não teriam a mesma massa, nem mesma energia, nem mesmo momento caso estivessem em velocidades diferentes. Quando consideramos a primeira definição, cada tipo de partícula tem sua massa definida e podemos classificá-las, sem medo de errar, a partir de sua massa e spin.

Uma pseudo desvantagem do uso da primeira interpretação está na utilização da segunda lei de Newton. Pois com a massa invariante, as correções relativísticas devem ser feitas diretamente na força, assim a fórmula F=m.a não é mais válida, enquanto para a segunda definição aplicamos as correções diretamente na massa, com isso a segunda lei de Newton permanece válida para muitos casos, mas ainda sim existem exceções.

Resumindo – Existem muitas vantagens e menos confusão em se considerar a primeira definição de massa, a massa de repouso, pois ela é a mesma para qualquer observador. Se você considera massa como sendo a massa relativística, assim você tem massas variando e pode ser que ninguém concorde na medida da massa de uma mesma partícula, além de aparecerem fótons massivos e elétrons com mais massa que núcleos atômicos, aí nossas análises precisam quase sempre ser reduzidas para casos estáticos para que possamos concordar em medidas de massa. O que eu estou dizendo basicamente é que na segunda definição estamos medindo energia travestida de massa, enquanto na primeira definição é apenas a massa que está sendo medida.

A massa de repouso não varia, já a massa relativística varia. Dessa forma, quando você estiver lendo um texto ou assistindo um documentário e falarem sobre massa variando, lembre-se que estão usando a segunda definição, se eles falam de massa que não varia, é porque estão usando a primeira definição. Assim, respondendo a pergunta inicial: Afinal, a massa varia ou não? A resposta é: depende de qual interpretação você está usando.

É isso, espero que tenha deixado o assunto mais claro, qualquer dúvida é só postar nos comentários e deem uma olhada nas fontes que usei para escrever esse texto, logo abaixo.

Bibliografia:
Mass-ive Source of Confusion
What is relativistic mass?
The Two Definitions of “Mass”, And Why I Use Only One

Observações:
1 - A relatividade é necessariamente clássica, mas ela muitas vezes é tida como moderna pelo fato de ser recente.
2 - Quando eu digo "observador" no texto, estou me referindo a cientistas medindo as partículas de partículas com uso de aparelhos, não tem relação direta com o observador afetar o comportamento da partícula, para tanto confira esse outro texto.

{ 25 comentários ... Abandone toda a esperança aquele que aqui entrar }

  1. Respostas
    1. A massa relativistica Também possui influência na curvatura do espaço-tempo? Digo, considerando como valor de curvatura o valor do campo gravitacional de um corpo, se esse corpo for acelerado a velocidades próximas a da luz ele causará uma curvatura maior ?

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    2. André, o que distorce o espaço-tempo é densidade de energia.

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  2. Na verdade interpretações de certas grandezas como massa, é relativo, pois está no ponto de vista, pelo ângulo no qual você aborda a grandeza! Vovô criou a Lei da relatividade e esta, depende sempre de como o observador aborda o que esta analisando e assim o fato de massa relativista aumentar é apenas um mero ponto de vista e consideração se E=m.c2 M=e/c2, onde massa e energia são diretamente proporcionais, obviamente em um acréscimo de energia haverá um aumento de massa visto que pela fórmula massa é energia condensada! Na prática se conseguíssemos impulsionar um tijolo à velocidade da luz não o faríamos com um objeto massivo e sim com um feixe de energia que do contrário o objeto massivo também precisaria ser impulsionado à velocidade da luz e não seria viável pois seriam dois problemas, em vez de um! Assim à medida que injetássemos energia para aumento de velocidade este tijolo a medida que se aproximasse da velocidade da luz absorveria energia advinda do próprio feixe de energia aumentando a energia no tijolo que por sua vez se E=m.c2, logicamente com aumento de energia na massa condensada a massa por sua vez aumentaria! Havendo uma transmutação de energia se tornado uma unidade apenas! Alguém tem uma fórmulazinha para explicar e provar matematicamente?

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    1. Marcos Oliveira, estou um pouco sem tempo para responder agora. Mas por favor, dê uma lida nesse texto aqui http://www.itep.ru/theor/persons/lab180/okun/em_3.pdf

      Acredito que ele vai sanar suas dúvidas e colocar alguns contra-pontos no que você afirmou.

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    2. Desconsiderando os campos de interação que você precisa pra acelerar uma "partícula", o que varia com sua velocidade são seu momento e energia (ou só energia-momento, se você quiser ser estritamente correto). A massa da partícula é definida em referenciais co-móveis a ela e somente lá. Obviamente, você pode usar a cinemática relativística pra descobrir a massa de uma partícula que se move em relação a você. E=mc^2 que você cita, é a constatação de que, mesmo em repouso, as partículas tem uma certa quantidade de energia associada a elas, e não, somente a energia cinética associada ao seu movimento, como era verdade em cinemática clássica. É daí que surge a noção de energia de repouso/massa. Massa se define pela primeira vez na construção da lagrangeana de partículas livres e esta deve ser invariante de Lorentz por definição. A energia que varia com a velocidade é a cinética, ou, todo o resto que não seja a energia de repouso/massa. Isso, como eu disse, desconsiderando-se os campos de interação, já que a massa da partícula depende da escala de energia, mas isso é outra história.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Wanderson, por favor repost seu comentário, deu problema aqui...

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  4. Olá Thiago. Muito obrigado pelo texto. Havia comentado anteriormente sobre um recorte do texto em pdf que deixou em resposta ao usuário Marco Oliveira. Nesse trecho estão as escrituras de Einstein traduzidas para o inglês que diziam de outras considerações para a massa relativística M, que eram o em cálculos de momento. Mas o que achei relevante em comentar é a respeito das considerações de Marco Oliveira que se baseou em E = mc^2. Se considerarmos essa fórmula como uma equação matemática basta isolar uma variável e ver em que unidade que dá e dizer que funciona. Isso seria matemática e não física. Considerei que para um modelo a matemática é uma ferramenta e não o descreve no todo pelo menos boa parte de modelos apresentados para a natureza. É necessário se tomar cuidado com as restrições pois podem falsear afirmações. Era isso. Espero que tenha sido útil. Excelente trabalho com o blog, grato!

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  5. Desculpe se estou falando alguma besteira mas me parece um pouco estranho simplesmente adotar alguma coisa simplesmente de acordo com o que convém. A física é uma ciência exata e soa meio estranho ter duas definições de massa e quando aparecerem questões adotamos a definição que melhor convém. Duas definições para a mesma coisa e em alguns casos uma das duas causa confusão não é um problema sério? Seria esse em caso análogo ao da dualidade onda-partícula?

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    1. Não, o caso não tem análogo algum ao da onda-partícula, esse que tratei acima é um problema de terminologia, enquanto o caso onda-partícula é um fenômeno do comportamento das partículas. E não há nada de mais também na definição, na física todo mundo se entende e sabe muito bem o que está sendo medido, o problema mesmo é passar isso para os leigos, é aí que o pessoal mete os pés pelas mãos.

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  6. Pergunta: se a massa relativística aumenta, imagino que consequentemente a densidade do corpo também deve aumentar; ou não ocorre invariância nas dimensões desse corpo e ele também se extende?
    Ismar Curi

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    1. Ismar, se você definir a densidade em termos de massa/volume ela não irá variar, pois a massa de repouso não varia. Se você estiver falando sobre densidade de energia aí a coisa muda um pouco.

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  7. Legal seu texto. "Massa relativística" é um conceito desnecessário. O bom mesmo é esquecer que algum dia já foi cunhado. Acho que nenhum livro atual (das últimas 2 ou 3 décadas) usa o conceito pra algo além de dizer que é desnecessário (old fashion). Bem como o infame "ict" pra brincar de métrica pseudo-euclidiana. Qualquer bom físico, independente do campo de pesquisa, deve saber disso.

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    1. Concordo Gustavo. Eu sinceramente não sei porque isso acabou sendo difundido até mesmo por Feynman e Landau, como falei no texto. Em relação ao ict realmente é infame, mas é muito comum de se encontrar, principalmente em livros mais antigos (aqueles com notações horríveis). Em relação ao assunto, acredito que qualquer pessoa que se interesse verdadeiramente por ciência deveria saber a diferença entre massa de repouso e massa relativística, porém é bem difícil achar claramente em livros e textos, por isso resolvi escrever sobre esse assunto. O problema é que ainda vem gente nos comentários (não aqui, mas nas páginas que divulguei) dizer: "tá errado, a massa varia sim".

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    2. Eu entendo. Tem coisas que realmente levaram um certo tempo até as pessoas chegarem a um acordo com relação a qual deveria ser a contrapartida relativística de um certo conceito clássico (no sentido de que é não-relativístico). Por exemplo a temperatura. Não é trivial de se concluir que ela deva ser definida em referenciais comóveis (e tem gente que ainda não engoliu essa). A pessoa rapidinho vai perguntar: mas ela não é a energia cinética média das partículas e, portanto, deve variar com a velocidade relativa entre o sistema e o observador? Como diria o Sílvio Salinas: "absolutamente não-trivial". hahaha. Quanto à massa, acho que tem que vir aí uma geração de livros novos que nem sequer mencionem o conceito, nem como curiosidade. Quem quiser se aprofundar no assunto, aí sim vai ver que antes tinha essa noção de massa relativística e tal. Infelizmente é difícil um cara num blog convencer alguém de que está errado algo que a pessoa leu num livro. Livro tem esse peso, né!? Mesmo que você esteja certo e o livro errado (ou, pelo menos, desatualizado). Mas em resumo, achei muito legal esse seu blog. Estava pensando em começar um também, mas antes vou defender essa tese duma vez :p

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    3. Concordo com você, a massa relativística tem que entrar para a história da ciência já. Sobre fazer um blog, faça isso! Estamos precisando muito de blogs feitos por por estudantes e pesquisadores, então por favor não perca essa vontade.

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  8. Excelente texto, como sempre.
    Você disse que se adotarmos o primeiro conceito de massa não se pode usar F=m.a . Não entendi muito bem o pq de não adota-la, poderia explicar melhor?
    Ayrison Trevisan

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  9. Em sistemas onde a massa do objeto varia com o tempo, como deve ser expressa formalmente a segunda Lei de Newton para estes sistemas ?

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    1. Olá Karoline. A segunda lei de Newton não muda, o que você precisa é apenas fazer uma integral da massa. Se eu não me engano qualquer livro de física 1 tem exemplos utilizando foguetes que vão perdendo sua massa.

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    2. Thiago, obrigada pela informação.
      Gostaria de conhecer algum exemplo prático existente na natureza onde os corpos possuem massa que variam no tempo

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    3. nesse sentido, para o corpo ganhar massa ela precisa se acrescentada, como bolas neve rolando na neve por exemplo, ou em algo que posso grudar nesse corpo. Já para perder massa o corpo precisaria se desfazer, como quando um grande pedaço de terra rola encosta abaixo e vai se desmanchando...

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