Archive for outubro 2013

Bóson de Higgs - Hangout e Medições

Eu tinha prometido a vocês que nesse final de semana eu postaria a segunda parte do meu texto sobre o bóson de Higgs, porém eu participei de um hangout com vários colegas e abordamos alguns assuntos pertinentes sobre o Higgs, então o post de hoje será o vídeo e comentários pessoais sobre o assunto, mas fique atento que tem um "extra" sobre medições e precisões.


Então vamos lá:

00:00 -- 00:02

Um monte de gente que não sabe nem onde achar o link do próprio Hangout, ok, a lagrangiana do modelo padrão é mais simples de mexer.

00:02 -- 00:08

Introdução, apresentação e o Daniel fez o favor de esquecer que eu também trabalho com o Higgs e fui reduzido a ajudante (rs).

00:09 -- 00:12

O comentário da Flávia foi excelente e carregado de informações. Mas vamos comentar com um pouco mais de calma para quem não entendeu. CERN é a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear. Assim como qualquer grande organização ela possui diversas linhas de pesquisas em diversos campos da física de partículas, um deles é a medicina nuclear por exemplo, então o CERN não é um lugar restrito a procurar o bóson de Higgs. LHC - Larger Hadron Collider (Grande Colisor de Hadrons) - é o famoso acelerador/colisor de partículas que está localizado no CERN. Nesse colisor existem diversas experiências sendo feitas, como o estudo de plasma de quark e glúons, que estuda um tipo de matéria que muito provavelmente se assemelha ao nosso universo nos seus instantes iniciais, essa pesquisa não está diretamente relacionada ao Higgs, mas foi ela quem deu origem as analogias de que o LHC iria "recriar" o universo. As demais pesquisas a Flavia deixou bem claro no comentário, mas acho um ponto interessante é que não foram feitas apenas experiências com colisões de prótons, mas também com íons pesados, como o de chumbo.

Por sua vez o LHC tem 6 divisões e cada divisão estuda coisas determinadas. Por exemplo;

ALICE - Estuda as colisões de íons pesados, como é o caso dos íons de chumbo. É aqui que o plasma de quarks e glúons é estudado.

ATLAS - Estuda várias coisas, dentre elas o Higgs, supersimetria, matéria escura e etc.

CMS
- O propósito é parecido com o do ATLAS. O foco da pesquisa é no Higgs, física além do modelo padrão e alguns aspectos da colisão de íons pesados.

LHCb - Nesse experimento é onde acontece o estudo da física de "b's" que a Flávia cita. O foco aqui é o estudo de partículas conhecidas como B-mésons, que decaem em quarks e antiquarks beauty.

LHCf - Estuda aspectos semelhantes a raios cósmicos encontrados nos LHC que poderiam ajudar os físicos a calibrar sensores de experiências gigantescas relacionados a raios cósmicos e interpretar seus resultados.

TOTEM - Essa pesquisa visa estudar aspectos como o tamanho de um próton e algumas propriedades do próprio acelerador.

Quem trabalha nessas pesquisas não são pesquisadores solitários, mas sim grandes grupos que geram uma quantidade enorme de publicações anualmente, assim as publicações (descobertas), levam o nome do grupo todo.

00:13 -- 00:024 

Fermilab, ao qual o Rafael se refere e trabalha, é um instituto de pesquisa dos EUA, onde várias pesquisas relacionadas a física de partículas são feitas. Até pouco tempo atrás ele possuía seu próprio acelerador, Tevatron, que foi desligado. Porém ainda sim o Fermilab trabalha em colaborações no Cern, como Rafael mesmo falou. Acho que não preciso falar nada sobre o que eles disseram sobre as associações e sobre as cagadas que o Brasil está fazendo em relação a sua parceria com CERN, caso vocês queiram saber mais sobre isso, uma rápida pesquisa no Google e vocês já acham bastante notícias.

00:26 -- 00:31

Essa parte da introdução a teoria de Higgs eu descrevi bastante nesse post: Bóson de Higgs - Como, onde e porque surgiu. Então não vou falar novamente.

Um ponto que eu acho que vale a pena falar um pouco é sobre o que a Ana Carolina diz que o Higgs encontrado pode não ser o previsto pelo Modelo Padrão. Essa parte é meio confusa, pois se a gente previu algo lá, como é possível não ser exatamente o que a esperávamos? Acontece que nem sempre é possível prever todos os comportamentos de algo apenas teoricamente, muitas vezes nossas teorias não são completas, ou nós cometemos erros, então observar algo onde deveria estar o bóson de Higgs já significa que uma parcela da nossa teoria está correta, encontrar todas as propriedades prevista significa que até aquele ponto nosso poder de predição foi de 100%. Se encontramos mais propriedades, então significa que não estamos considerando alguma coisa significativa, ou nossa teoria é limitada ou então nós estamos errando em algum ponto importante. Com isso é possível que saibamos onde algo está, embora não acertemos na predição de todas a suas propriedades, o que por si só já escancara a necessidade do estudo experimental do assunto.

00:31 -- 00:38

A explicação da Ana aqui foi muito boa, mas como deu uma discussão no final pode ter complicado um pouco o entendimento. Como a própria Ana diz, bosons fazem interações entre partículas, enquanto essas partículas são os férmions. Mas para não ficar abstrato tentarei ser mais direto e não muito técnico. Bósons não são matéria propriamente dita, possuem spin inteiro e obedecem a estatística de Bose-Einstein. Já os férmions são partículas de matéria propriamente dita, possuem spin semi-inteiro e obedecem a estatística de Fermi-Dirac. Para maiores explicações sobre isso veja essa série de textos:Matéria e Energia - Diferenças que você precisa saber!

Se você veio aqui para entender sobre o que o Daniel disse sobre vácuo e Higgs, veja o texto sobre o bóson de Higgs que linkei no tópico acima.

00:38 -- 00:41

O que é spin, esse ponto é terrível, por isso eu passei a bola no Hangout, mas vamos tentar por aqui. O exemplo da Ana é muito bom para a situação, porém é importante que você lembre que partículas são pontuais, elas não são corpos extensos para terem rotações. Então o que estamos falando aqui é sobre algo sem dimensão que gira, então na realidade não temos um corpo girando, mas sim um objeto (uma partícula) que possui propriedades de um corpo que está girando. Isso é muito abstrato, pois o que eu estou dizendo é que um corpo tem propriedades de giro, mas não podemos dizer que ele está girando, pois ele nem sequer possui dimensões. Então entenda o spin como sendo um número que pode ser inteiro 0,1,2,3... ou semi-inteiro 1/2,/3/2... que está associado intrinsecamente a cada tipo de partícula, e esse número confere à essas partículas propriedades físicas distintas.

00:41 -- 00:48

Essa parte sobre o Higgs ser ou não o do modelo padrão, acho que ficou bem claro, a Ana, o Daniel e a Flávia explicaram muito bem.

00:49 -- 00:52

MeV e GeV que a Ana fala são medidas de energia/massa e significam Mega elétron Volt e Giga elétron Volt, respectivamente.

00:53 -- 00:59

A única coisa que tenho a dizer desse ponto é sobre o que a Flávia não definiu; energia hadrônica é a soma da energia de todos os hádrons produzidos numa colisão. 

A única coisa que não foi discutido nesse hangout e que eu gostaria de falar é sobre a precisão das medidas realizadas e como elas funcionam. Você deve ter ouvido falar há algum tempo atrás que conseguiram 5 sigmas na descoberta do Higgs e depois esse valor subiu para 5,7 sigmas, mas o que é isso e como isso é calculado?

Como ficou bem claro para você (assim espero), nós não vemos na tela do computador uma partícula, como Higgs, bonitinha lá parada, nem nada próximo disso. Nossa detecção é sempre de efeitos secundários, como o decaimento do Higgs em dois fótons ou em outras partículas. Mas a coisa ainda é mais complicada que isso, pois não colidimos um par de prótons e aparece um Higgs, o que temos é a colisão de feixes compostos por uma quantidade absurda de prótons e que fornecem uma quantidade ainda mais absurda de dados, e deveria existir uma grande quantidade de bósons de Higgs aparecendo no meio desses dados. Então o que temos para analisar são muitos, mas MUITOS dados armazenados, é nessa análise que procuramos por dados que correspondem ao bóson de Higgs. Nosso foco aqui será entender como essa análise é feita.

(oh meu Deus, um físico teórico vai falar sobre física experimental – desculpe, mas é o que tem para hoje).

Quando se realiza experimentos do tipo do Higgs, o mais comum é utilizar uma ferramenta estatística chamada de valor-p (p-value), que é basicamente a probabilidade estatística de encontrarmos dados extremos mesmo que não exista nada de importante acontecendo. Tentando ser mais claro, a lógica geral é algo assim:

1 – Considera-se que o Higgs e partículas tipo-Higgs não existam. (Isso mesmo, considere que não exista o Higgs)

2 – Calcula-se a probabilidade de se observar resultados semelhante a um sistema em que o Higgs não exita, esse é o valor-p. Dê uma olhada nesse gráfico abaixo;


Nele você pode ver dados preliminares obtidos pelo experimento ATLAS. No eixo horizontal temos a energia que foi utilizada nesse experimento e o eixo vertical é a medida de um número de detecções de uma certa configuração de partículas. O valor-p, no gráfico, é a linha pontilhada, por sua vez a linha contínua com pontinhos pretos são os valores experimentais obtidos. A faixa verde corresponde a um desvio padrão de medida para mais ou menos 1 sigma, e a faixa amarela para mais ou menos 2 sigmas. Sendo assim, quanto menor o valor de sigma, mais próximo do valor-p estão os dados colhidos e com isso menor a confiança em saber se aquilo é de fato uma partícula nova ou não. Na imagem, circulado em vermelho estão os resultados com 2,7 sigmas, ou seja 2,7 acima do valor-p e com isso podemos começar a afirmar que os dados esperados se o Higgs não existisse não batem com os dados obtidos no LHC.

Aqui gostaria de colocar um enorme asterisco: O valor-p NÃO é um falso-positivo, mas sim à probabilidade de obter um determinado resultado sem haver algo de especial acontecendo.

Como os cientistas são exigentes, eles só aceitam que uma partícula é de fato encontrada para valores acima de 5-sigmas. Esse valor, diferente do que muitos blogs e sites de notícias por aí afirmam, não significa que a probabilidade de não ser o Higgs é de 1 em 3.500.000. Mas sim que a probabilidade de obter um valor que não esteja relacionado ao Higgs é de 1 em 3.500.000.

3 – Se os dados obtidos são extremamente improváveis considerando que uma partícula do tipo-Higgs não exista, então podemos dizer que o pressuposto de não existência dessa partícula é falso. Com isso passamos a ter uma base experimental para apostar na existência de partículas desse tipo.

Mas agora como sabemos que ali está uma partícula tipo-Higgs e não uma outra? Quanto o valor obtido experimentalmente tem que divergir do valor?

Essa pergunta é difícil e complicada de responder, mas nesse caso tudo começa pela massa. A massa esperada para o Higgs está por volta de 120 - 150 GeV, então se obtivermos um excesso confiável em 125 GeV por exemplo, podemos dizer que encontramos alguma partícula com massa na faixa da partícula de Higgs, porém é preciso determinar outras coisas, como o spin por exemplo, que para o caso de Higgs deve ser 0 (um bóson escalar), existem alguns métodos interessantes sobre como fazer isso, mas isso é um assunto bem mais complicado e você pode ver mais sobre ele aqui.

No dia 04 de Julho de 2012, a página do CMS publicou uma nota sobre excessos exatamente em 125 Gev:

CMS observes an excess of events at a mass of approximately 125 GeV with a statistical significance of five standard deviations (5 sigma) above background expectations. The probability of the background alone fluctuating up by this amount or more is about one in three million. The evidence is strongest in the two final states with the best mass resolution: first the two-photon final state and second the final state with two pairs of charged leptons (electrons or muons). 

E então fica mais claro o que estamos falando, em uma tradução literal, temos:

CMS observa um excesso de eventos em uma massa de aproximadamente 125 GeV[1] com uma significância estatística de cinco desvios-padrão (5 sigma)[2] acima das expectativas de fundo. A probabilidade de o fundo sozinho atinja este valor ou mais é de uma em três milhões. A evidência é mais forte nos dois estados finais com a melhor resolução em massa: primeiro o estado final de dois fótons e segundo o estado final com dois pares de léptons carregados (elétrons e múons).

Isso significa que os dados colhidos no CMS deram uma grande quantidade de eventos na faixa de energia de 125 GeV, que está na faixa da massa do Higgs. A significância estatística de 5 sigma significa que a chance dos ruídos de fundo sozinhos produzam o resultado observado (se o Higgs não existisse) é de uma em mais de 3 milhões. Note que não estão falando de a chance de o Higgs existir, mas sim de nós conseguirmos obter esses dados sem que o Higgs exista. Muito provavelmente, aqui você já conseguiu notar que o que é feito é um cálculo da probabilidade dos dados obtidos serem de origem não especial, ou seja de não ser o Higgs nem nada inesperado. Aí comparamos a relevância dessa probabilidade que chamamos de valor-p com os dados obtidos, se a probabilidade do valor-p bate com os excessos observados então não podemos afirmar nada, se o valor-p é muito(!) pequeno comparado aos dados obtidos então podemos dizer que o valor-p não explica esses dados, assim deve haver uma causa especial para aqueles excessos, no caso o Higgs. Se você entendeu isso, we're done here!

Mas beleza, qual a relação disso com a probabilidade de se obter o Higgs de verdade?

Para entendermos isso, temos primeiro que entender o que é o sigma, ou o “desvio padrão”, que tanto falamos.


Eu roubei esse gráfico acima de um site que tem uma explicação muito boa, veja aqui. Nele nós vemos uma coisa muito famosa para qualquer pessoa que em algum momento da vida já teve que estudar estatística, a curva Gaussiana! A parte mais protuberante do gráfico é o que chamamos de media, e o valor de sigma é quanto nossa medida desvia dessa média. A probabilidade de se obter um valor próximo a média (nesse caso é o nosso valor-p) é de 68%, isso equivale a 1 sigma. Ou seja, 32 a cada 100 dados registrado é em decorrência de nada importante . Para 2 sigmas apenas 5% dos dados podem ter origem em nada espacial, ou seja, pode ter origem nos ruídos de fundo das colisões. Para 5 sigmas, a chance de os dados serem de proveniência de nada em especial (nenhum evento do tipo Higgs) é de 0,00006%, sendo assim é quase impossível que não seja uma partícula nova. Para o bóson de Higgs conseguiu-se 5,9 sigmas, o que equivale a cerca de 0,000001% de chance de os dados não terem origem devido ao Higgs. Com isso podemos afirmar com muito boa precisão que encontramos de fato uma partícula tipo-Higgs lá, o que vem se confirmando (como dito no hangout) ser o bóson de Higgs esperado pelo modelo padrão.

01:10 -- 01:11

A Ana deu uma resposta muito boa para simetria, de forma correta e simples, caso você queria ver uma explicação mais técnica sobre isso, mas ainda sim sem matemática, veja o texto "Bóson de Higgs - Como, onde e porque surgiu."

01:12 -- 01:14

A Teoria Quântica de Campos nos fez ver um universo todo permeado por campos que dão origem às partículas que formam tudo a nossa volta. Por exemplo, em todo o universo, há um campo chamado de “campo de elétrons”, que é um campo fermiônico que citei no texto sobre Matéria e Energia. Um elétron propriamente dito não é um campo, mas sim uma vibração localizada em um campo. Sendo assim, cada elétron que existe é uma vibração localizada em um único campo.

Os elétrons não são as únicas partículas que consistem em vibrações localizadas de um campo, na verdade todas as partículas são. Por exemplo, há um campo de fótons, um campo de quark up, um campo de glúons, um campo de múon, ou seja, há um campo para cada partícula conhecida. E, para todos eles, uma partícula é apenas uma vibração localizada do campo. Caso você queira saber um pouco mais sobre esse assunto, veja esse texto:Campos e Partículas - A Nossa Visão Moderna do Universo.

01:14 -- 01:24 

note que aqui o Daniel deixa claro, logo de início, que é tudo especulação, ou seja, não possuímos dados ou evidências sólidas daquilo que está sendo discutido. E também ressalto, até o presente momento não há relação alguma entre o bóson de Higgs e o Big Bang.

01:24 -- 01:54 

Não vou comentar os pontos finais porque eu pretendo escrever unicamente sobre eles, já que acho muito interessante tratar com cuidado sobre a importância da busca do conhecimento em ciência de base e como isso se relaciona com aplicação em tecnologia.

Então caso sobre alguma dúvida mande para nós. É isso gente, espero que todos tenham gostado e até a próxima.

Entrevista sobre o Bóson de Higgs - ou um duelo entre jornalismo e informação?

Olá pessoal, não ia escrever um texto antes de sexta, mas quero falar acerca da entrevista que o Rogério Rosenfeld, do IFT, deu à emissora Bandeirantes no domingo. Os vídeos estão logo abaixo (linkei só a parte 1 de 4) e também indico que primeiro vocês leiam esse texto do Daniel, que foi o "muso" inspirador desse texto (kkkkkk).


Assisti a entrevista ontem, pelo canal do youtube do qual linkei o vídeo acima. Como eu estava de mal comigo mesmo e queria me autoflagelar, resolvi ler os comentários. Então o contexto total me deu vontade de escrever um texto abordando a postura do Rosenfeld, dos jornalistas e do pessoal que estava assistindo e criticando.

A entrevista já começa com um vídeo legalzinho, mas cheio de imprecisões. Obviamente a emissora não iria querer gastar mais dinheiro pagando alguém que entendesse do assunto para dar consultoria no vídeo, já que qualquer estagiário de jornalismo pode ler meia dúzia de textos e entender tudo do assunto. Afinal, o Higgs é totalmente trivial, uma partícula gorda que gruda em todas as outras partículas e dá massa para elas, cria o universo, passa café e faz bolo de chocolate.

Tirando o bonito e desastroso início, começa a entrevista. Parecia que eu estava assistindo um duelo de repentistas; os jornalistas perguntavam algo e esperavam respostas imediatas, “sim”, “não”, “o bóson de Higgs é isso”, o “bóson de Higgs é aquilo”... Porém, como o Daniel deixou bem claro no texto dele, na Ciência as coisas não são bem assim, principalmente se tratando de um assunto tão recente e complexo. Como vocês devem ter notado no meu texto anterior, o bóson de Higgs não é trivial, não se formula uma resposta exata “o bóson de Higgs é isso” e todo mundo compreende sem problema algum. Infelizmente na “física de ponta” muitas coisas que parecem triviais já deixarem de ser simples há muito tempo, como o caso da massa, que eu também escrevi a respeito. 

Outro exemplo é a própria definição do que é matéria ou o que é uma partícula. Se um físico me perguntasse agora o que é uma partícula, eu conseguiria dar uma resposta concisa: responderia “na lata” que é uma representação irredutível do grupo de Poincaré. Um físico compreenderia sem problema algum, mas e para você que sentido isso faria? Muito provavelmente não faria nenhum sentido, afinal o que é uma representação irredutível, o que é um grupo de Poincaré? Quem ou o que diabos é Poincaré? Obviamente, para explicar a um “não especialista”, eu precisaria pensar em uma forma mais didática de abordar o assunto e, ainda sim, sem muita imprecisão. 

Isso, por si só, já é uma tarefa muito difícil se tratando de assuntos consolidados, que todo mundo conhece dentro da física. Imagine agora responder perguntas referentes a algo que acabou de ser sistematizado, que pode ter relação com mais coisas do que sabemos, que pode ter propriedades levemente diferentes do esperado. Uma resposta concisa seria um erro tremendo.

Outro problema contundente eram as perguntas que vinham de jornalistas leigos. Via-se que o pobre Rosenfeld tinha que entender a pergunta e tentar consertar ela para que, aí sim, pudesse formular uma resposta simples e didática de algo complexo que está na fronteira do conhecimento humano. 

Nesse meio tempo entre a compreensão, correção e resposta à pergunta, os jornalistas já estavam interrompendo o entrevistado com novas perguntas e indagações que algumas vezes sequer havia relação com a pergunta que ele estava tentando responder.

Aí vem aquela máxima: “Ah Thiago, você está sendo injusto, os jornalistas são pressionados para escrever, por quantidade de conteúdo em um tempo apertado, mimimi...”. Sim eu sei disso, e gostaria agradecer a essas empresas de jornalismo que estão preocupadas unicamente com lucro e não com qualidade de informação passada, pelo desserviço muitas vezes prestado à divulgação científica. Embora eu ache que a atitude da Bandeirantes, em abordar o tema, tenha sido algo muito legal, notava-se que a emissora não tinha nem ao menos UM repórter capacitado para tal entrevista, o que jogava toda a responsabilidade nas costas do Rosenfeld.

Uma coisa que eu gostei muito foi o desanimo dos entrevistadores logo no começo quando receberam a resposta de que o Higgs não tinha aplicação prática no momento. Esse ponto é algo muito delicado, pois nossa atual sociedade sente uma enorme dificuldade em achar utilidade para o conhecimento que não desenvolva imediatamente tecnologia. O aperfeiçoamento da nossa forma de ver e compreender o universo, a evolução da nossa compreensão de mundo são totalmente inúteis se não der para fazer um Iphone com bateria que dure mais tempo. 

Mas enfim, esse é o mundo que vivemos e muitas vezes temos que tentar “vender nosso peixe” e forçar a existência de supostas tecnologias que podemos construir com o Higgs.

Agora vamos ao nono ciclo do inferno... digo, ao comentários:


Tanto no facebook quanto no youtube as opiniões foram deprimentes, basicamente me deparei com a justiça do inferno:

1 – A Malícia

Comentários puramente maldosos, com única intenção de atacar o entrevistado que não correspondeu ao esperado; “de que adianta ter 50 diplomas e ser um mané que não sabe explicar nada” e coisas do tipo.

O Rogério soube sim explicar muito bem algumas coisas, o problema foi que ele nem ao menos teve tempo para pensar em respostas melhores e mais amplas, pois era sempre atropelado por um jornalista com uma pergunta quase sempre sem muito sentido.

2 – A incontinência

“O Gleiser é melhor, deveriam ter chamado ele”, “Ele é bom, mas preferia o Gleiser”.

Tá, aí é uma questão de opinião. Mas é justamente esse ponto que difere Rosenfeld de Marcelo Gleiser. Rosenfeld se enrolou um pouco, gaguejou, demorou a responder, mas percebi que ele fez isso diversas vezes na tentativa de dar a melhor resposta possível para a pergunta, muitas vezes sem sucesso, devido a falta de rivotril nos jornalistas. 

O Marcelo Gleiser por sua vez, não é tão cuidadoso com as suas palavras, aí o pessoal gosta mais, pois você não precisa pensar muito para entender uma resposta dele. Mas isso é um problema, muitas vezes o Gleiser é impreciso a ponto de estar errado, mesmo a explicação dele sendo didática e legal. Então preste atenção, a resposta que você quer muitas vezes pode estar errada, principalmente se tratando de Ciência.

3 – A Bestialidade

Sem dúvida o maior reflexo dos comentário na internet, ninguém nunca conseguirá escapar deles. Mas como sempre, nesse caso só podemos sentir pena dessas pessoas que precisam se comportar como animais, ou como “vermes de comentário”.

Para fechar vou resumir exatamente o que eu achei de tudo isso: gostei bastante da entrevista, acredito que foi bastante válido a emissora ter aberto espaço para um assunto importante para a Ciência, e adoraria que as demais emissoras fizessem o mesmo. A postura dos jornalistas foi algo muito prejudicial para o desempenho do entrevistado, que não pode se expressar corretamente, ou a altura da capacidade que possui. As emissoras deveriam se preocupar mais com isso. Apesar dos pesares, as respostas do Rogério foram muito boas, algumas vezes não muito didáticas, mas ao menos ele não foi impreciso em alguns pontos que outros divulgadores como Gleiser e Kaku nem se importariam.

Bóson de Higgs - Como, onde e porque surgiu.

Mudança total de planos. Essa semana Peter Higgs ganhou o prêmio por causa do bóson de Higgs e a mídia fez uma cagada monstruosa ao tentar noticiar o assunto. A coisa foi tão feia que o bóson de Higgs acabou sendo até o responsável pela vida na Terra. Obviamente que eu estava doido para escrever um texto metendo o pau nos jornalistas, mas vou fazer melhor, vou dissecar o assunto ao máximo para os leigos. Farei isso em alguns posts, basicamente já tenho tudo escrito só vou postando aos poucos para não ficar gigante. 

Para não comprometer o entendimento de todos, esse texto será divido em 3 partes; 
1 – Introdução, 
2 – O Higgs para leigos, 
3 – O Higgs para não tão leigos.

0 – O porquê:

Esse texto possui uma motivação extra. Vocês que acompanham o blog sabem que eu trabalho com Teoria Quântica de Campos, mas nunca falei exatamente em quê. Minha pesquisa é em uma área relacionada ao Higgs, trabalho com vórtices semilocais no modelo de Higgs não-abeliano, não se preocupe se você não entendeu nada, acho que nem eu entendo direito. Essa área trabalha diretamente com o campo de Higgs, embora eu não pesquise diretamente a fenomenologia da partícula em si. Como vários pesquisadores da área de partículas e campos que trabalham diretamente com modelos de Higgs não se manifestaram sobre o assunto, me senti na obrigação de escrever esse texto. Então lá vamos nós:

1 – Introdução:

Nós sabemos que a matéria é formada por átomos e há não muito tempo se descobriu que os átomos são compostos de outras partículas menores, como os elétrons, prótons e nêutrons. Mais recentemente ainda, se descobriu que o próton e o nêutron poderiam ser divididos em partículas ainda menores, chamadas de quarks. No decorrer do século passado foi descoberto um grande número de partículas novas que possuíam propriedades características diferentes entre si. Os físicos viram então a necessidade de organizar seu grande armário de partículas elementares para a coisa não ficar bagunçada.

As partículas fundamentais foram dividas em dois grandes grupos chamados de Férmion e Bóson. Esses dois grupos são fundamentalmente diferentes. O primeiro é composto por partículas de matéria propriamente ditas (SIC) e possui spin semi-inteiro, 1/2, 3/2, 5/2, por exemplo. Dentro desse mesmo grupo as partículas são divididas em 12 subclasses chamadas de sabores. Entre essas partículas estão os elétrons, vários sabores de quarks e de neutrinos. Quando juntamos esses quarks eles formam partículas maiores chamadas de hadrons – que é exatamente o que significa aquele H do LHC – que compreendem os prótons, nêutrons e píons, basicamente.

Imagem com Bosons Hadrons e Fermions.

Por sua vez o grupo dos bósons é composto de partículas que, de forma geral, são mediadoras de campos e possuem spin inteiro, 0,1,2. Os bósons com spin 1 são chamados de bósons vetoriais, pois são provenientes de campos vetoriais. Os bósons de spin 2 são tensoriais (provenientes de campos tensoriais) e os bósons de spin 0 são chamados escalares (provenientes de campos escalares). Dentro desse grupo temos o fóton, que é o mediador de interações eletromagnéticas, o glúon, os bósons Z e W que são responsáveis pela mediação da força nuclear fraca e bóson de Higgs, que por sua vez é mediador de uma interação de massa.

Modelo padrão.
Quando juntamos todas essas partículas fundamentais e as interações que elas representam, temos um zoológico de partículas e interações chamado de “Modelo Padrão”. Esse modelo é muito bonito e funciona muito bem, é quase como uma tabela periódica dos físicos de partículas. Mas existe um “porém” nessa beleza toda, falta uma partícula para fechar esse modelo, o maldito bóson de Higgs. Tão maldito que o físico norte americano Lederman escreveu na década de 90 um livro chamado The Goddamn Particle, "A partícula maldita" em uma tradução literal, mas os editores acharam mais legal trocar o nome para The God Particle, A Partícula Deus. Como era de se esperar foi uma cagada homérica que só deu dor de cabeça para os físicos.




2 – Higgs Para Leigos (e para jornalistas)

Mas enfim, que diabos é essa partícula exatamente? Obviamente a resposta correta e formal para essa pergunta exigiria uma boa quantidade de matemática, então isso fica para a seção 3. Aqui irei me ater a uma explicação superficial, mas ainda sim dentro da margem do que se considera correto.

Nossa charmosa teoria que descreve as interações entre as partículas e forças funciona muito bem, mas existe um problema que tira o sono de muitos cientistas. A teoria diz que as partículas não deveriam ter massa e, portanto viajar a velocidade da luz, como acontece com o fóton. Entretanto, as partículas que conhecemos têm massa, então alguma coisa deve estar errada ou não estar sendo considerada nesse modelo. Para sanar o problema algumas propostas surgiram, entre elas uma bem elegante dizia que existia um campo responsável por frear essas partículas e esse freamento poderia ser entendido como a “massa” dela. E se produzíssemos uma perturbação nesse campo iríamos gerar ondulações que na teoria quântica de campos são vistas como partículas. Então, chama-se as oscilações no campo de Higgs de bóson de Higgs e é exatamente isso que o LHC tenta fazer, criar essas perturbações no campo.

Assim, a grosso modo, o bóson de Higgs é responsável pela massa das partículas, mas existe um pequeno misconception passado por muitas pessoas nesse ponto e que pode surpreender você. A existência do bóson de Higgs nos mostraria a origem direta da massa de apenas uma pequena parte das partículas que conhecemos, como o elétron, e não de TODA a matéria do universo. Porém, mesmo que a massa de outras partículas, como o próton, tenha origem em grande parte na força nuclear forte elas são afetadas diretamente pelo campo de Higgs (note que falei campo e não bóson), assim podemos considerar que estudos sobre o campo e o bóson de Higgs têm efeitos praticamente sobre toda a matéria ordinária que conhecemos. Caso você queira uma segunda explicação bem didática veja esse texto: Dossiê Higgs

A busca pela partícula maldita começou antes do LHC, no acelerador Tevatron que funcionou até 2011 no Fermilab, EUA (eu particularmente tinha uma questão de feeling com esse). No final da década de 90 e começo de 2001 esse acelerador passou por algumas modificações para realizar o seu Run II que durou até encerrar suas atividades em 2011. Um de seus programas era estudar o quark Bottom, porém houve a possibilidade de se estudar o bóson de Higgs associado aos bósons W e Z, uma vez que o Higgs decaía em quarks bottom. No geral o estudo foi um grande sucesso tanto para os quarks bottom quanto para o bóson de Higgs. Na física de partícula a confiança estatística de que a partícula exista é dada em sigmas, quanto maior o sigma melhor, mas a partir de 5σ já é possível anunciar a descoberta de uma nova partícula, por sua vez o Tevatron conseguiu 3σ para o bóson de Higgs.

Nesse tempo de árduo trabalho do Tevatron, o LHC ficou pronto e como trabalha com energia, intensidade mais altas e com detectores melhores, a chance de se obter uma medida mais precisa que 3σ era bem maior. E foi exatamente isso que aconteceu, no dia 4 de julho os cientistas anunciaram a significância combinada de 5σ e dias depois subiram para 5.9σ. Ou seja, encontraram algo bem na faixa de energia onde o safado do bóson de Higgs deveria estar. Além dessa ótima notícia teve também a enxurrada de cagadas jornalísticas que despertaram a fúria de alguns cientistas, até a emissora de TV Al Jazira falou enfaticamente sobre o assunto e muitos sites intitularam seus artigos de “Encontraram a partícula de Deus”.

3 – Higgs para Não Tão Leigos.

Após essa introdução vamos nos aprofundar um pouco mais no assunto. Aqui nós seremos levados a caminhos sombrios e muito bonitos da área de partículas e campos. Minha intenção é expor com maior número de detalhes possível o porque, onde e como surgiu o bóson de higgs. Indico as (muitas) linhas abaixo apenas a quem está disposto a entender o assunto de verdade, vai depender de seu esforço de absorver o que escreverei, pois não é nada trivial, embora seja deverás interessante. Não deixe de ler todos os textos linkados e também as referências.

3.1 – Quebra de Simetria Eletrofraca.

Antes de começarmos, dê uma lida nesse texto aqui: Campos e Partículas. Eu vou partir desse princípio. 

O primeiro ponto a ser tratado é o que é a teoria eletrofraca e o que é uma quebra de simetria eletrofraca. Partiremos desse ponto pelo fato de o mecânismo de Higgs, que é o mecânismo com que algumas partículas ganham massa, ser uma quebra de simetria eletrofraca no modelo padrão.

Então, cabe a nós agora entendermos como funciona a quebra de simetria eletrofraca no modelo padrão.

Anteriormente abordei no texto sobre matéria e energia, que o que consideramos matéria propriamente dita são os férmions, que como você sabe temos como exemplo os quarks e elétrons, entre várias outras partículas. Os quarks interagem fracamente, fortemente e eletromagnéticamente, enquanto os léptons, como o elétrons, não interagem pela força forte. Em todo o caso, as interações fracas e eletromagnéticas de ambos os quarks e léptons são descritos de forma (parcialmente) unificada pela teoria eletrofraca. Resumindo, a teoria eletrofraca é basicamente a unificação da força nuclear fraca com a força eletromagnética.

Ok, onde entra a simetria nisso?

Podemos dizer que o universo ama simetrias, e a grande matemática Noether conseguiu mostrar que simetrias estão matematicamente relacionadas à conservações de propriedades como a carga elétrica, por exemplo. Mas que tipo de simetria são essas? Podemos dividir as simetrias nas leis da física em duas, as Globais e as Locais. Simetrias Globais são aquelas aplicadas uniformemente sobre todos os pontos do espaço. Se pegarmos um balão e marcarmos seus meridianos e paralelos (como na imagem a baixo), ao girarmos esse balão no seu eixo, por exemplo, veremos que a nova posição do balão é idêntica a primeira, isso porque todos os seus pontos foram girados de forma igual, sendo assim todos os pontos sobre o balão sofrem o mesmo deslocamento angular, essas simetrias são as que levam à conservação de cargas. As simetrias locais (também conhecidas como Simetria de Gauge¹) são aquelas aplicadas a cada ponto do espaço, tomando a mesma linha do exemplo anterior, é como se a simetria de local fizesse o balão manter a mesma forma, porém dessa vez cada ponto irá se mover independentemente, com isso surgirão forças aplicadas nos diversos pontos do balão, causando uma deformação dos meridianos e dos paralelos.

Apenas linhas paralelas
apenas os meridianos.
sobreposição dos meridianos e paralelos
Em 1954, a dupla de físicos Yang e Mills, demonstrou que se uma interação física tem simetria global e exigirmos que ela também seja invariante por simetria local, teremos então que colocar novos campos na interação desejada, isso porque precisamos dar origens àquelas forças “ponto-a-ponto” que surgem da simetria local. Esses novos campos são chamados de campos de gauge, que serão muito importantes para esse texto, uma vez que estão associados a bósons sem massa (como o caso do fóton).

A interação fraca é descrita por um campo de gauge, assim ela possui simetria local, um tipo específico que chamamos de SU(2), mas essa nomenclatura não importa muito para esse texto. Como sabemos, campos estão associados à partículas e as partículas associadas a campos de gauge são bósons vetoriais massivos. Pô, mas eu acabei de dizer acima que Yang-Mills previa bósons vetoriais não massivos, mas agora a interação fraca requer bósons massivos?! Tem um problema aí?!

Sim, a teoria feita por Yang e Mills tinha um problema, quando ela tentava descrever bósons massivos surgiam valores infinitos nas equações, e isso significa que alguma coisa deu merda. Quando surgem infinitos em uma teoria dizemos que ela não é uma teoria renormalizável para aquela situação, assim ela não funciona direito. Afim de descrever a forma com que os bósons na teoria de Yang-Mills ganham massa, algumas idéias foram propostas, e a principal delas pode ser vista nessa imagem abaixo:




Esses papers, acima mostraram que os bósons vetoriais da Teoria de Yang-Mills poderiam ganhar massa a partir de uma mecanismo que quebra esponataneamente a simetria de gauge. Esse mecanismo é chamado de “mecanismo de higgs” e ele quebra a simetria que impedia os bóson vetoriais ganharem massa. Podemos chamar esse evento de quebra de simetria eletrofraca, pois está associado a essa interação. A essa quebra de simetria eletrofraca existe um bóson associado, o bóson de Englert-Brout-Higgs-Guralnik-Hagen-Kibble, injustamente conhecido apenas como bóson de Higgs.


3.2 – Mecanismo de Higgs, e a coisa fica mais complicada.

Aqui vamos precisar de um pouco de matemática, mas não se assuste, muito provavelmente você não irá entender algumas coisas, mas meu foco é que você entenda ao menos o que cada termo das equações abaixo significa.

A pergunta inicial aqui é “como descrevemos um campo matematicamente ?”. Para fazer isso nós usamos a energia do campo, subtraímos a energia potencial da energia cinética do mesmo, da seguinte forma:

$L=K-V$

$K$ é o termo cinético e $V$ é o termo potencial, a essa subtração damos o nome de Lagrangiana. São essas lagrangianas que descrevem o comportamento do campo. Se considerarmos um campo escalar massivo da seguinte forma:


Esse campo é chamado de dubleto, pois possui dois termos e o que nos interessa é o de baixo, $\phi^{0}$. $\phi^{+}$ está associado a um campo não físico e $\phi^{0}$ está associado ao famoso campo de Higgs, dado por:


$H$ é um campo real escalar associado ao bóson de Higgs e $v$ é a relação $\mu/\sqrt{\lambda}$. A Lagrangiana² que descreve o campo é a seguinte:



$D_{\mu}$ é uma derivada covariante em quatro dimensões de $\Phi$, "Dagger" ($\dagger$) indica que é um conjugado hermitiano da derivada de $\Phi$ e de $\Phi$. 

Tá, mas e agora? o que fazemos com isso?

O primeiro passo que devemos dar é esquecer o termo cinético e encontrar o termo de potencial mínimo. Potencial mínimo pode ser entendido classicamente de forma simples. Imagine uma montanha russa, na parte mais alta dela a energia potencial é máxima, na parte mais baixa a energia potencial é mínima, se o campo fosse uma montanha russa nós estaríamos tentando encontrar a parte mais baixa dele. O potencial mínimo é chamado de vácuo, e assim como a montanha russa, podemos ter vários pontos de mínimo, ou seja, de vácuos. Quando formos tentar encontrar o mínimo do potencial na lagrangiana do campo, nós encontraremos apenas um vácuo de todos os possíveis. Nesse contexto a quebra espontânea de simetria “escolhe” um vácuo possível do sistema. Ou seja, escolhe um mínimo do potencial.
Ok, eu sei, ficou confuso então tentarei dar um exemplo mais simples. Imagine que você está em uma mesa de jantar redonda repleta de pessoas, e existem copos à direita e a esquerda de cada pessoa, como na imagem a baixo.


como você pode ver, o copo a esquerda de um será sempre o copo a direita do outro
a pessoa número 1 acabou fazer a escolha do copo a sua esquerda,
isso irá forçar a pessoa número 2 a escolher também o copo da esquerda,
assim sucessivamente.
Antes de você escolher seu copo, todos têm a chance de escolher o copo da direita ou da esquerda, porém se você resolver beber no copo da esquerda irá forçar as outras pessoas a escolherem o copo da esquerda também. Isso é a quebra espontânea de simetria. As pessoas representam o campo e o copo representa o mínimo de potencial (vácuo).

minimo de potencial no campo de Higgs

Tomando o mínimo do potencial (derivando o potencial), como eu tinha dito, obtemos:

Agora basta fazer uma substituição direta de $\Phi^{2}$ no potencial $V$ e obtemos:


$H$ é nosso Bóson de Higgs com massa de $2\lambda v^{2}$, o $H^{3}$ e $H^{4}$ são termos que chamamos de auto-interação. Nós acabamos de fazer um monte de conta, mas o que elas significam é algo ainda mais bonito. Traduzindo em palavras, o que temos é um bóson vetorial que não possuía massa, mas após uma quebra espontânea de simetria local ele ganha massa. Esse mecanismo de uma partícula sem massa ganhar massa na quebra de simetria é chamado de mecanismo de Higgs e pode ser resumido assim:

4 campos escalares + 4 bósons não massivos ---> 1 campo escalar + 3 bósons massivos + 1 não massivo

Note que nesse resumo, 3 campos escalares massivos desaparecem, isso acontece porque os bósons sem massa “engolem” esses campos e adquire massa. Da mesma forma que fizemos para um bóson, podemos fazer para férmions, como é o caso do elétron, mas aí é muito mais complicado e não cabe nesse texto.

Acima demonstrei e falei muitas coisas extremamente complicadas que só começam a ser vistas pelos físicos no mestrado e doutorado, logo abaixo voltarei a tratar em termos leigos alguns aspectos que considero importante sobre a existência do campo de Higgs.

3.3 – Higgs existe? Ele está ligado ou desligado?

O Higgs está envolvido de formas diferentes à massa de determinadas partículas. Por exemplo, o Higgs dá massa diretamente às partículas elementares conhecidas, férmions e bóson, como elétrons, quarks, bóson Z e W, etc. Embora os prótons sejam formados por 3 quarks, grande parte de sua massa vêm da interação forte. Mas meu foco aqui será: o campo de Higgs existe? Se existe ele está “ligado” ou “desligado”?

Começaremos com uma ilustração clássica e simples que é correlata – O campo elétrico é bem diferente do campo de higgs em muitos aspectos, mas para esse exemplo ele funciona bem. Vocês se lembram daquelas TV's de tubo de antigamente? Então quando a ligávamos e passávamos perto da tela, sentíamos os pelos do nosso braço se arrepiarem, nesse caso o campo elétrico estaria ligado. Um campo elétrico desligado seria uma região neutra, como a que você está agora provavelmente. Sendo assim, o campo elétrico existe e pode ser medido, mas ele pode estar “ligado” ou “desligado”.

Com o Higgs acontece algo semelhante, se ele existir de fato no nosso universo, ele pode estar “ligado” ou “desligado”. Detectar um bóson de Higgs confirma a existência do campo de Higgs e mostra que ele está ligado. Usando o elétron como exemplo, se o campo de Higgs não existisse, ele não teria massa. Se o campo de Higgs existisse, mas não estivesse ligado, então sua massa seria menor do que a observada, pois teria origem na força nuclear forte e em pequenas interações entre os elétrons e o campo de Higgs desligado. 

Agora que sabemos onde, como e porquê o bóson de Higgs surge, vamos nos focar em aspectos experimentais e propriedades específicas, mas esse texto já tem informações demais, então darei uma semana para você tentar digerir isso tudo até a postagem do próximo texto. Minha intenção na sequência é continuar fazendo um misto de assuntos mais técnicos e com mais leigos, vamos analisar dados, falar de acoplamento e outros termos técnicos e legais. Espero que tenham gostado.

Bibliografia:

- The Higgs Hunter's Guide - Dawson etall- 1990
- P.W. Higgs, Phys. Lett. 12 (1964) 132, Phys. Rev. Lett, 13 (1964) 508,
Phys. Rev. 145 (1966) 1156; F, Englert and E. Brout, Phys. Rev. Lett
13 (1964) 321; G-S. Guramik, C.R. Hagen and T.W.B. Kibble,
Phys. Rev. Lett. 13 (1964) 585; T.W.B. Kibble, Phys. Rev. 155 (1967)
1554.
- S. Weinberg, Phys. Rev. Lett. W (196?) 1264; A. Salam, Proceedings of
the 8th NoM Symposium (Stockholm), edited by N. Svartholm (Almqvist
and Wiksell, Stockholm, 1968) p. 367.
- S. Glashow, Nvcl. Phys. 22 (1961) 579.
- M. Veltman, Acta Phys. Pol. B8 (1977) 475.
- B.W. Lee, C, Quigg and G.B. Thacker, Phys. Rev. Lett. 38 (1977) 883;
Phys. Rev. D16 (1977) 1519.
- L. Susskind, Phys. Rev. D20 (1979) 2619; S. Weinberg, Phys. Rev. D19
(1979) 1277.
- I.J.R. Aitchison and A.J.G. Hey, Gauge Theories in Particle Physics
(Adam Hilger, Bristol, 1982).
- T.-P. Cheng and L.-F. Li, Gange Theory of Elementary Particle Physics
(Oxford University Press, Oxford, 1984).
- H.E. Haber and G.L. Kane, Phys. Rep. 117C (1985) 75.
- Theory of Higgs Bosons: The Standard Model and Beyond.
- Introduction to the Physics of Higgs Bosons.


1 - Gauge pode também ser traduzido como "calibre". Viu que legal agora você já sabe o que o nome desse blog significa.
2 - Eu escrevi na verdade uma densidade lagrangia e não uma lagrangiana em si, embora todos tenham mania de chamar tudo de lagrangiana.
3 - Não repare nas imagens dos copos, fiz às pressas no Photoshop.

gostaria de agradecer a Rúbia Guimarães e Rebeca Nogueira pela bondade em corrigir o português deplorável com o qual esse texto foi escrito. 

Afinal, a massa varia ou não?

Ontem um moderador da minha página veio falar que ele teve uma discussão sobre “dilatação da massa”, e alguns curtidores disseram que isso não existia. Como no nosso grupo (Clube da Física) já tivemos vários problemas com essa discussão sobre se a massa varia ou não, resolvi escrever esse texto.

Massa é por si só um conceito bem confuso do ponto de vista da física clássica. Apesar do uso cotidiano desse termo, ele se confunde facilmente, massa é a medida de inércia de um corpo? É a quantidade de átomos que o compõe? É a resistência a uma aceleração? O que é massa?

Com a relatividade especial, a confusão com o termo massa só piorou, pois surgiram dois novos; “Massa de Repouso” e “Massa Relativística”. Nesse texto me focarei na diferença entre massa de repouso e massa relativística, para tanto veja esse texto que aborda o assunto de forma mais “clássica”: Mass and Weight

Com certeza você já deve ter lido ou visto em algum documentário que a medida que a velocidade de um corpo aumenta sua massa também aumenta, esse efeito é chamado de dilatação da massa e notado mais facilmente apenas para velocidades próximas a da luz. E aí, a massa aumenta ou não? Por que existem pessoas que afirmam que a massa aumenta e outros que dizem que não? Quem está certo?

Apesar de parecer, não existe confusão para nós físicos sobre o que é massa. Nós sabemos bem o que é. O problema fundamental surge quando tentamos passar isso para leigos, e interpretações diferentes acabam sendo chamadas apenas de “massa”. Então a resposta a essa questão é simples; a massa não varia, e qualquer físico de partículas e campos vai responder a mesma coisa. Porém é fácil encontrar em livros como do próprio Landau e Feynman afirmações claras e categóricas de que a massa varia. Alguém está errado nessa história? A resposta é “não” e “sim”, e é isso que espero que você compreenda ao longo desse texto.

O problema, como já citado, é nada mais do que um impasse de terminologias, usamos a mesma palavra para duas coisas que não são bem iguais. Podemos começar com duas interpretações modernas sobre massa:


Interpretação 1.

Eu já dei uma pequena introdução (subliminar) sobre essa interpretação no texto sobre Matéria e Energia, mas agora vou trabalhá-lo um pouco melhor. Como eu falei no texto citado, E = mc ² é verdadeira apenas para um objeto que está parado. Para um objeto que está se movendo, E²=m²c⁴+p²c², ou seja E é maior do que mc ².

Erroneamente tendemos a achar que energia e massa são a mesma coisa, ou que massa é energia condensada, mas isso não é de todo verdade, pois – por essa interpretação – a massa de um objeto em movimento nunca muda, já a energia irá mudar. Esta massa que nunca muda é chamada de "massa de repouso", já que está relacionada com a energia “armazenada” no objeto quando ele está "em repouso", alguns também a chamam de massa invariante, por motivos óbvios.

Interpretação 2.

Considere que E = mc ² é sempre verdadeiro, tantos para corpos parados quanto em movimento. Basicamente isto mostra que a energia e massa são essencialmente a mesma coisa. Uma vez que a energia de um objeto em movimento é maior do que quando está parado, então que a sua massa também será maior quando ele se move do que quando está parado. Essa interpretação da massa recebe o nome de “Massa Relativística”. Ou seja, nesse caso existe dilatação da massa.

Ambas definições estão corretas, porém há mais vantagens em uma do que em outra. Vou tentar explicar agora as diferenças fundamentais entre elas e o porquê de usarmos sempre a primeira definição.

Apesar de muito se falar, a relatividade não nos mostrou que tudo é relativo, mas sim uma grande parte das propriedades das partículas, como velocidade, tempo, espaço, energia. Então dois observadores diferentes podem obter medidas diferentes dessas propriedades, fazendo com que eles não concordem sobre seus valores. Considerando nossa primeira interpretação da massa, passamos a ter um valor igual para qualquer observador, diferentemente se usamos a segunda interpretação os observadores já não mais concordarão sobre os valores medidos. O primeiro ponto é esse, se temos tão poucas propriedades invariantes, porque não tornar a massa mais uma delas, facilitando nossa vida. Então se você definir a massa relativística como sua definição de massa, dois observadores podem não concordar em sua medida, se você define massa de repouso como sendo massa, dois observadores quaisquer vão sempre concordar com o valor de massa medido.

No gráfico você pode ver a diferença entre massa de repouso e massa relativística. Plotei o gráfico no wolfram-alpha utilizando uma função de comportamento semelhante ao da contração de Lorentz para grandes velocidades. 

O Problema da Massa do Fóton e do Elétron:

Eu abordei esse assunto também no terceiro texto sobre Matéria e Energia, e lá eu afirmei que a E=mc² não poderia ser usado para a massa do fóton e mostrei superficialmente que o fóton poderia ter energia sem ter massa. Com isso eu imediatamente adotei a primeira interpretação. Porém se eu adoto a segunda interpretação, a minha medida de energia se confunde grosseiramente com a medida de massa e eu passo a medir massa e energia como exatamente a mesma coisa, dessa forma o fóton parecerá massivo.

Utilizando ainda a segunda definição, se um elétron e um fóton tiverem a mesma energia eles terão a mesma massa. Isso soa bem estranho, não acha?

Comparando elétrons com fótons temos partículas bem diferentes, o primeiro é um férmion (partícula de matéria) e o segundo é um bóson (partícula mediadora do campo). O fóton não tem massa de repouso e tem spin inteiro, o elétron tem massa e spin semi inteiro, apesar dessas diferenças gritantes (ao menos para nós físicos), ambos podem possuir massa relativística quando consideramos a segunda interpretação. Se continuamos a usar essa interpretação podemos causar a maior bagunça quando tentamos medir a “massa” de elétrons e fótons em referenciais diferentes, um observador pode encontrar uma massa para o elétron menor que a massa do fóton, enquanto um outro observador pode encontrar uma massa para o mesmo fóton menor do que a massa para o mesmo elétron.

Para piorar o uso da segunda definição, se considerar elétrons que se movem muito rapidamente na eletrosfera de um átomo, sua massa pode ser maior que a massa do núcleo, isso complica um pouco nossa vida, pois então dois observadores só irão concordar com a medida da massa do núcleo e do elétron se eles estiverem parados. Se usarmos a primeira definição, dois observadores vão sempre concordar que a medida da massa dos elétrons é muito menor que a massa do núcleo.

Um outro problema que a segunda definição de massa causa, é na hora de organizarmos nossas partículas, pois dessa forma, algumas poucas propriedades se tornam invariantes, como spin. Então, por exemplo, dois elétrons não teriam a mesma massa, nem mesma energia, nem mesmo momento caso estivessem em velocidades diferentes. Quando consideramos a primeira definição, cada tipo de partícula tem sua massa definida e podemos classificá-las, sem medo de errar, a partir de sua massa e spin.

Uma pseudo desvantagem do uso da primeira interpretação está na utilização da segunda lei de Newton. Pois com a massa invariante, as correções relativísticas devem ser feitas diretamente na força, assim a fórmula F=m.a não é mais válida, enquanto para a segunda definição aplicamos as correções diretamente na massa, com isso a segunda lei de Newton permanece válida para muitos casos, mas ainda sim existem exceções.

Resumindo – Existem muitas vantagens e menos confusão em se considerar a primeira definição de massa, a massa de repouso, pois ela é a mesma para qualquer observador. Se você considera massa como sendo a massa relativística, assim você tem massas variando e pode ser que ninguém concorde na medida da massa de uma mesma partícula, além de aparecerem fótons massivos e elétrons com mais massa que núcleos atômicos, aí nossas análises precisam quase sempre ser reduzidas para casos estáticos para que possamos concordar em medidas de massa. O que eu estou dizendo basicamente é que na segunda definição estamos medindo energia travestida de massa, enquanto na primeira definição é apenas a massa que está sendo medida.

A massa de repouso não varia, já a massa relativística varia. Dessa forma, quando você estiver lendo um texto ou assistindo um documentário e falarem sobre massa variando, lembre-se que estão usando a segunda definição, se eles falam de massa que não varia, é porque estão usando a primeira definição. Assim, respondendo a pergunta inicial: Afinal, a massa varia ou não? A resposta é: depende de qual interpretação você está usando.

É isso, espero que tenha deixado o assunto mais claro, qualquer dúvida é só postar nos comentários e deem uma olhada nas fontes que usei para escrever esse texto, logo abaixo.

Bibliografia:
Mass-ive Source of Confusion
What is relativistic mass?
The Two Definitions of “Mass”, And Why I Use Only One

Observações:
1 - A relatividade é necessariamente clássica, mas ela muitas vezes é tida como moderna pelo fato de ser recente.
2 - Quando eu digo "observador" no texto, estou me referindo a cientistas medindo as partículas de partículas com uso de aparelhos, não tem relação direta com o observador afetar o comportamento da partícula, para tanto confira esse outro texto.

10 argumentos que você não deve usar em uma discussão sobre misticismo quântico

Estava aqui moscando, olhando para o Maple plotar umas soluções numéricas para uns problemas em TQC que eu estou resolvendo, como isso está demorando muito e basicamente o meu notebook fica tão lerdo que trava até o navegador da internet (maldito Windows!), resolvi escrever esse texto como apêndice para o texto anterior sobre cura quântica, pois pretendo pôr uma pedra em cima disso.
Antes de tudo, esse texto tem a intenção de valer para qualquer assunto pseudocientífico que envolva física, uma vez que ele será bem genérico. Minha intenção é dar dicas de “como não discutir com um físico sobre misticismo quântico”, então já aviso que esse texto é para ser assim mesmo, sarcástico e nem um pouco informativo. Estou baseando as linhas a baixo nos "argumentos" que já ouvi e li de pessoas que defendem o assunto, dessa forma se você estiver em uma discussão relativa ao tema utilize esse texto para que você não perca seu precioso tempo tentando discutir com os mesmo argumentos de sempre. Mãos a obra:




10 + 1 Argumentos que você não deve usar ao discutir assuntos sem provas científicas com físicos:

1 – Apelo à autoridade

Um dos argumentos mais utilizados é uma falácia clássica do apelo à autoridade.

“Amit Goswami é (SIC) físico de Havard” 
 “Fulano de Tal, diretor do departamento de física de Cambridge, acredita no Capra” 
“Laércio Fonseca tem mestrado na UNICAMP” 
 “O renomado físico do departamento de mecânica quântica de Skirym faz meditação transcendental”
 “Walter White tomou homeopatia contra o câncer”, 
 “Einstein disse…”, “Heisenberg falou…”, "Homer Simpson provou…”
....clap, clap.

Se você está discutindo com um físico/estudante/ser humano normal e você pensa em usar um argumento parecido, semelhante ou que lembre alguma dessas frases acima, nem perca seu tempo. O fato de qualquer pessoa acreditar, ter falado ou “achar” algo não significa absolutamente NADA, não importando o quão graduada seja essa pessoa, pois existe um abismo entre opinião pessoal e uma evidência científica. A opinião não significa nada além de uma interpretação baseada unicamente nas experiências de vida e preconceitos de uma pessoa, não necessariamente passando por qualquer analise critica, o que é bem diferente de uma evidência científica. Então não adianta colar frases de Einstein ou dizer que fulano acredita nisso, se não existem evidências a respeito à opinião pessoal de Einstein é tão relevante quanto à do seu padeiro.
Ah, pra falar a verdade seria legal se você não usasse esse argumento nunca, não importa com quem ou o que você discuta, pois sem dúvida essa é uma das falácias mais babacas que existem.

2 – A ciência provou.

Ahhh… esse é desesperador, quando eu leio isso tenho vontade de jogar meu computador pela janela. Antes de dizer a “ciência provou”, que por si só já não é epistemologicamente muito correto, você deve saber quais foram os cientistas envolvidos nessa “prova”, onde o trabalho foi publicado, quantas vezes ele foi citado, etc. Sair dizendo que a “ciência provou” algo é simplesmente um argumento estúpido e vazio. Sem você mostrar como isso foi "provado" é impossível discutir sobre o assunto, então, por favor, encontre as publicações que "provem" o que você está dizendo, mas não vá pegar elas em livros como “Alma Quântica”, “Xacra Quântico”, “Saúde Quântica da Madame Satan” e muito menos em documentários. Documentários são simplesmente a mais baixa categoria informativa sobre descobertas científicas¹. Então encontre publicações científicas de verdade, se você não sabe como fazer isso é só assinar os feeds desse blog que em breve vou escrever um texto sobre como pesquisar por artigos.

3 – Apelo a Ignorância.

Universo é muito complexo, nossa ciência é muito primitiva, portanto, tudo é possível e não sabemos nada.

Novamente essa é uma falácia muito usada para defender qualquer tipo de crença. Acho que sempre que posto algo relacionado à Mecânica Quântica esse é o ponto que mais marcam em cima. Mas serei razoável, pois realmente a mídia adora destacar que sabemos pouco do universo e que por isso tudo é possível.

a)– O fato de não sabermos nada sobre um assunto não é prova de que você está certo, é no máximo um motivo para não descartarmos o que você está alegando.

b) – Antes de você afirmar que não sabemos nada, pare um pouco e reflita. O que você sabe sobre a forma que a ciência agrega conhecimento, como ela lida e aplica e ele? Olhe para esse monte de tecnologia a sua volta, o que possibilitou isso tudo? Para construir essas tecnologias nos precisamos entender “corretamente” como o universo funciona? Para mandar corretamente nossas sondas para Marte, nossas teorias sobre gravitação têm que estar corretas? Para fazer seu Iphone, Tablet, notebook, as leis da quântica que descobrimos podem estar erradas?

Eu particularmente não gosto de atrelar a tecnologia como justificativa para a ciência, mas acredito que no momento esse exemplo seja o mais palpável. Para termos toda essa tecnologia precisamos que nossa ciência esteja, com boa aproximação, correta. Nós compreendemos bem muitas leis do nosso universo, muitas forças, muitas interações, muitas partículas. Você pode ver isso facilmente, nós prevemos eclipses, máximos solares, prevemos a existência de planetas e depois descobrimos de fato, conseguimos mandar sondas para os mais diversos lugares e com grande precisão. Conseguimos fazer tratamentos médicos baseados na física moderna e mais uma infinidade de coisas que não seriam possíveis se nossas teorias estivessem erradas ou se nós não soubéssemos nada sobre o universo. São as mesmas teorias que nos permitem levar alta tecnologia a casa de vocês que também nos permitem, por exemplo, estudar assuntos mais abstratos como o bóson de higgs, teoria do big bang, matéria escura. Felizmente existem muitos e muitos mistérios no universo a serem descoberto ainda, mas nós estamos trabalhando nisso e sabemos como prosseguir, não somos um bando de macacos em um laboratório fazendo coisas aleatórias para saber seus resultados.

Por favor, não use nossa ignorância para tentar corroborar assuntos que nem sequer a ciência trata. Nossa ignorância existe e é muito grande, porém existem muitas coisas que sabemos e são justamente essas coisas que sabemos que nos permite, com prudência, descartar hipóteses absurdas.



4 – Humanização da Ciência.

Essa é até um pouco nova pra mim, mas me deparei com um argumento desse tipo há pouco tempo aqui no blog.

“Considerar temas como “a mente colapsa a função de onda” são importantes porque humanizam a ciência e assim a gente não vai sair por aí jogando bombas nas cabeças uns dos outros.”

Ok, pra mim não faz sentido, mas se pensa em usar alguma coisa nessa linha argumentativa mude de idéia. A ciência por si só já é uma coisa humana e ela não vai deixar de ser menos humana por não aceitar hipóteses sem evidência alguma. O mau uso da ciência em nada tem a ver com a forma que procedemos em aceitar alguma hipótese, têm a ver com ética profissional tanto de cientista, engenheiros, políticos, etc.
Eu enquadraria facilmente esse tipo de argumento em uma falácia “non sequitur”, pois não faz sentido associar o mau uso da ciência com uma suposta “não humanização” da mesma que nem ao menos existe. Afirmar uma desumanização da ciência é não ter conhecimento algum sobre como ela funciona, dê uma lida nesse breve texto:  A Ciência Exata é Social.

5 – Nós não conhecemos nada da mecânica quântica e ela permite tudo.

Esse argumento é muito semelhante ao terceiro, mas ele tem um adicional. Geralmente as pessoas acham que a física quântica é naturalmente sem leis, ou que apenas a estatística a rege. Os argumentos mais comuns nessa linha de pensamento são:

“Ninguém compreende a mecânica quântica de verdade, pois as leis são muito bizarras”
“Feynman falou que se você acha que entendeu mecânica quântica é porque você não entendeu nada”
“A mecânica quântica é uma terra sem lei.”
“A mecânica quântica dá margem a tudo”

Esses argumentos não procedem, e o segundo ainda vem com um adicional de apelo a autoridade. A mecânica quântica é uma teoria muito bonita que não funciona pra tudo, tem leis bem definidas que nós conhecemos muito bem, mas claro que existem alguns paradoxos ou efeitos que não conseguimos ainda explicar com perfeição, como o emaranhamento quântico, por exemplo. Em alguns casos nós até conhecemos bem as leis e sabemos como trabalhar com elas, mas não entendemos direito o porquê delas existirem exatamente.  Ainda sim nada disso dá margem a interpretações místicas ou embasa afirmações de que a Mecânica Quântica é incompreendida, ou que tudo pode acontece.

A quântica menos ainda dá margem a “tudo”, na verdade ela até restringe algumas coisas bem mais do que a física clássica. Quantizar significa atribuir valores discretos a algo, e por valores discretos compreenda como “não contínuos”. Assim se na mecânica clássica uma partícula pode ter momento angular (a,b,c,d), quanticamente pode ser que a partícula só possa ter momento (a,b), por exemplo. De forma mais palpável, imagine que a física clássica seja nossas leis de trânsito², por lei você sabe que em determinados lugares você deve atravessar sobre a faixa de pedestre apenas. Uma versão quântica das nossas leis de trânsito poderia dizer que você só pode atravessar na faixa de pedestre e pisando apenas sobre as faixas brancas. Dessa forma a nossa “lei quântica de transito” restringiu ainda mais as possibilidades de atravessar a rua, agora além de ser apenas na faixa de pedestre você só pode pisar na faixa branca. Da mesma forma acontece na quântica, muitas vezes ela é mais limitante do que a própria mecânica clássica.

6 – Opinião pessoal.

Muitas vezes quando estamos discutindo com alguém sempre caímos em um impasse legal, de um lado nós defendendo um ponto de vista que é um consenso na ciência e do outro a pessoa defendendo o que ela acha que é verdade. Aí surgem os argumentos:

“Ah, mas essa é a minha opinião”
“Eu acho que é assim”

Serei categórico e mal educado: Foda-se sua opinião! Se você não sabe nada de física, nada de ciência e quer discutir um assunto tão complexo quanto esse, a sua opinião simplesmente não tem peso algum. Se você se matou de estudar mecânica quântica e descobriu que o pensamento cura quanticamente as pessoas, então pare de perder seu tempo com discussões, escreva um paper e o submeta a uma revista científica que possua revisão por pares, que tenha um bom fator de impacto, espere ser citado muitas vezes e que comprovem ou refutem o que você está alegando.

7 – Tipo diferente de ciência

Esse é ótimo e vem em várias versões. Tem a versão:

“Colchão quântico é uma ciência nova desconhecida”
E também a famosa:
“Ah, crochê quântico é um tipo de ciência milenar chinesa/indiana que nasceu no Tibet” (que?)
É até complicado tentar começar a falar sobre isso, pois é muito absurdo. Tipo, os caras pegam todo nosso jargão científico, falam de experimentos que fizemos, misturam isso em uma salada com misticismo oriental e vem falar que é outro tipo de ciência. Gostaria muito de saber que tipo de ciência é essa que não produz nada além de livros de auto-ajuda e quinquilharias quânticas que você pode comprar por um preço absurdo no Ebay.

Resumindo, um tipo misterioso de ciência oriental que não segue os mesmo métodos da ciência ocidental se apossa dos nossos jargões, aplicam em outro contexto que não tem relação nenhuma e a coisa ainda está certa?! É tipo como recortar a peça de outro cabeça para fazer ela se encaixar no seu?! Vou aproveitar para inventar um tipo diferente de misticismo que considera isso tudo um embuste!

8 – A Ciência não é dona da quântica nem da ciência.

Esse me faz chorar de rir:

“A Ciência não é dona da quântica”
“A Ciência não é dona da Ciência”

Que? Como assim? Alguém poderia explicar isso direito? A ciência constrói a teoria quântica e ela não é “autoridade” no assunto? Se um grupo de cientistas provarem algo e um monge lá do Tibet baseado em sua filosofia de vida disser que está errado, ou se o grande mestre Samael Aun Weor, em seu veículo astral, for até o Sol e os habitantes de lá disserem a ele que os cientistas estão errados então nós teremos que levar isso em consideração? é isso?

Esse argumento é altamente estúpido, pense bem antes de usar ele.

9 – Argumento da paralisia mental filosófica.

Esse é péssimo por inúmeros motivos. O principal deles é que uma conversa com uma pessoa que usa esse tipo de argumento simplesmente não chega a lugar nenhum. Pois não importa o que você diga, essa pessoa nunca vai mudar de ideia e você sempre será o cartesiano positivista da história. Então argumentos do tipo:

“Ah, mas a dialética….”, “Filosoficamente tudo pode existir”, “defina definir”, “Você está com um pensamento muito atomista"

Aqui a minha dica vai para o físico/estudante que está na discussão; não perca seu tempo, vá estudar que você ganha mais.

10 – A evidência anedótica e o placebo

Um clássico que deve ter nascido com a humanidade. Em um belo momento da discussão a pessoa resolve usar ela própria como prova:

“porque eu senti, então existe”
“porque uma vez um ET quântico massageou minhas costas”
“Porque a cura quântica me curou”
Esses argumentos são clichês a máxima potência e não podem simplesmente ser levados em consideração, pois a forma que interpretamos experiências pessoais está diretamente relacionada há muitos fatores que ponderamos com extrema dificuldade. Duas pessoas que passam pelas mesmas experiências de vida nunca possuem exatamente os mesmo pontos de vistas e interpretações. Outro problema são os diversos efeitos que nosso psicológico causa na nossa percepção de mundo, mais intrigante ainda são efeitos que podem acometer até grupos inteiros de pessoas, como a histeria coletiva. Por si só, esses efeitos psicológicos e sociopsicologico já são suficientes para enfraquecer esse tipo de argumento, fazendo que ele  caia no problema do ponto do vista que já falamos. Nem vou tocar no ponto de que você pode ter algum tipo de esquizofrenia ou outro transtorno social/neurológico que dificulta um julgamento mais conciso e lúcido de suas experiências.  

Se você foi curado ou não pela cura quântica, vodu relativístico ou qualquer outra dessas coisas, simplesmente é impossível dizer, pois não podemos distinguir se foi efeito placebo ou não. A forma mais segura de verificar se realmente a cura quântica funciona é fazendo testes sérios com vários grupos, comparando placebos controles, etc. Então não adianta você falar o quão maravilhosa é a cura quântica, o ativismo quântico, ou qualquer coisa assim baseado apenas em sua vida, portanto não use esse argumento.

11 – Comparação com teorias físicas ou.... "É só uma teoria"

De brinde, você ganha essa assustadora falácia. Ela funciona mais ou menos assim:

“A teoria do Big Bang também era absurdo”
“A mecânica quântica parecia pseudociência”
“A teoria das cordas….”
"É só uma teoria"
Esse tipo de argumento geralmente me faz encerrar a conversa na hora, pois demonstra o total desconhecimento da pessoa de como a ciência é feita. Todas essas teorias vieram de bases solidas e de interpretações científicas e matemáticas de outras teorias bem sucedidas que já tínhamos, não foi algo tirado do chapéu ou misturado com misticismo oriental. Esse argumento é bullshit total, evite isso!

Eu escrevi anteriormente sobre o "É só uma teoria", então não vou comentar aqui, mas deixarei o texto: NÃO É "Só" Uma Teoria!


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Podemos resumir tudo que foi dito acima com “aprenda a discutir e a julgar racionalmente as informações, evitando ao extremo usar suas paixões”. Obviamente que esse assunto deve sim ser discutido, mas se estamos falando de ciência então devemos fazer isso de forma séria e responsável, sempre dando respaldando as nossas afirmações.

E para me despedir, gostaria de dizer que agora vai demorar um pouquinho para nosso próximo texto, mas prometo que ele será no máximo em novembro e sobre o tema "vácuo quântico".

Até breve.




1 - Documentários cumprem sim sua função de divulgação científica, o que é bem diferente da função de um periódico. Então note essa leve diferença no que falei.
2 - É, acho que acabei de criar a legislação quântica de trânsito, se alguma editora tiver interesse podemos publicar algum livro de auto-ajuda ensinando as pessoas a serem felizes quando estão dirigindo usando as leis quânticas de trânsito.

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