Posted by : Thiago V. M. Guimarães segunda-feira, 20 de julho de 2020

Eaewww, cá estamos de volta, depois de quase 1 ano sem postar nada. Eu resolvi postar umas threads no twitter do simetria para discutir as principais coisas que venho lendo de errado nos grupos que participo, uma delas é esse tema do post "O universo se expande mais rápido que a luz!?"

Esse post não é pra dizer sim ou não, mas para fazer uma análise de como essa comparação é sem noção. Entretanto, o problema central aqui é que você consegue achar toneladas de textos na internet falando "o universo se expande mais rápido que a luz", então vamos discutir.


Imagem ilustrativa furtada do google imagens.


Dicionário inicial:

- c : representa a velocidade da luz, vem da palavra latina celeritas.
- Transformações de Galileu/Lorentz: Transformações de referenciais são transformações que nos dizem como medir o espaço, o tempo e velocidades de um referencial para outro.
- Éter: aqui usamos a definição de éter liminífero, que seria um fluído super rígido que permeia todo o universo e está em repouso em relação a tudo e a luz se propaga nele com velocidade c. Seria um referencial privilegiado.


(Atenção: cometerei uma violência contra a história da física no parágrafo abaixo, por favor, leia as notas de rodapé 1 e 2, no final do texto. Se você já está familiarizado com a velocidade da luz, pule direto para o parágrafo na cor azul).
 
Para a gente entender direito o quão nonsense é essa comparação, precisamos entender como a velocidade da luz funciona. Como não é nossa intenção tratar nada historicamente aqui, não vou me comprometer com uma linha do tempo¹. Voltando pro século XIX, descobriu-se que,  pelos trabalhos de Fizeau, Foucault, Weber, Kirchoff, Maxwell, uma onda eletromagnética se movia no éter com velocidade de c ~ 300000 km/s. Por onda eletromagnética quero dizer luz visível, raio x, raio gama, ondas de rádio e etc. 


Como físico gosta e precisa medir as coisas, diversos experimentos foram criados para medir o movimento da Terra através do éter. O mais famoso deles foi o experimento de Michel e Morley, que partia do seguinte pensamento: se a velocidade da luz é "c" no éter e a Terra está se movendo por ele, então deveremos encontrar uma diferença na medição da velocidade da luz a medida que o planeta se move pelo éter. PORÉM o experimento encontrou nenhuma diferença². Isso poderia significar duas coisas, ou o resultado corroborava para o éter não existir ou tem algo que não levamos em consideração. Pois se o éter existe, o que o experimento está dizendo é que a velocidade da luz no éter é exatamente a mesma da velocidade da luz na Terra, mas se a Terra está se movendo em relação ao éter, como isso poderia ser possível?

Para você não ficar pedido, vamos ter que colocar um parêntesis aqui. Primeiro de tudo pense na Terra como sendo um carro que se move por uma estrada, essa estrada é o éter. A luz seria como uma moto de corrida extremamente rápida que se move pela mesma estrada. Se estamos no "carro" se movendo a 100 km/h e moto de corrida está 250 km/h vindo em nossa direção, nós que estamos dentro do carro mediríamos a velocidade da moto como sendo 350 km/h, em relação a nós. Caso a moto esteja indo no mesmo sentido que nós, mediríamos a sua velocidade em relação ao nosso carro como sendo de 150 km/h. Essas velocidades relativas que calculamos são parte das chamadas "transformações de Galileu" as quais são a base da mecânica newtoniana, por esse motivo era natural esperar que seriam sempre válidas. 
 

Nossa pergunta nesse ponto é: Como a velocidade da luz pode ser a mesma no éter e na Terra se as transformações de Galileu são sempre válidas?

várias respostas foram pensadas, mas a que nos interessa foi dada pelo físico Hendrick Lorentz. A solução era assumir que as transformações de Galileu estavam "erradas" e, com isso, propôs que deveria haver uma mudança na medida do tempo e do espaço a medida que nos movêssemos pelo éter. Essas transformações propostas por Lorentz deveriam substituir as de Galileu³ para velocidades muito altas, e com isso seria possível explicar porque a luz possui a mesma velocidade no éter e na Terra, ou em qualquer outro lugar. 

De fato as transformações no tempo e espaço funcionaram muito bem, tanto que Henri Poincaré mostrou elas satisfaziam o requerimento de que as leis da física deveriam ser as mesmas em qualquer lugar do Universo. Porém Einstein foi sorrateiro, e disse: "Que éter o que, meu irmão!? A gente não precisa do éter porque essas transformações garantem que a velocidade da luz seja a mesma em qualquer referencial inercial (referencial sem aceleração), então vamos assumir que a velocidade da luz é "c" no vácuo e esquecer essa patifaria de éter". Einstein teve essa sacada porque as transformações de Lorentz mostravam que a velocidade da luz poderia, de boa, ser constante e igual em todos os referenciais inerciais, não precisando existir um éter.   
 

Vou dar um exemplo ilustrativo. Por Galileu se você conseguisse montar em um raio de luz e ficasse lado a lado com outro raio de luz, você o veria paradinho, ou seja, com velocidade nula em relação a você, da mesma forma que dois carros se movendo lado a lado a 100km/h se veriam parados um relação ao outro. Para Lorentz isso não é verdade, se você fosse um cowboy de raio de luz, veria o outro raio de luz se afastar com velocidade "c" de você, parece doidera, mas é isso mesmo. Pra piorar a situação, imagine que agora você está de boa montado em no seu raio de luz quando, de repente, um outro raio de luz está vindo na sua direção, para Galileu você mediria a velocidade desse outro raio como 2c, mas para Lorentz seria apenas c. Então pra Lorentz não importa com qual velocidade você se move, a luz não tem velocidade relativa, é c e pronto!  

TUDO ISSO foi pra dizer que a luz possui sempre a mesma velocidade no vácuo, não importa como você faça a medida. Mas agora vem o ponto do porquê de tanto bláblábá: Se fizermos a medida da velocidade da luz aqui pertinho da Terra ou beeemmm longe de nós, iremos medir a mesma velocidade da luz sempre. Isso decorre do fato dela ser uma constante universal, assim todo mundo concorda com seu valor medido, seja uma pessoa aqui na Terra, seja um Alien bem longe de nós.  

Agora que entendemos como a velocidade da luz funciona, temos que entender como medimos a expansão do Universo. Aqui no blog tem diversos textos discutindo Big Bang, espaço-tempo, inflação cósmica, expansão cósmica e etc, então não vou ficar me autoplagiando e vou resumir bastante a situação aqui.

Em cosmologia (astrofísica e astronomia) podemos medir distâncias entre objetos de várias formas, mas vou citar apenas duas:

- A distância comóvel, que é aquela que desconsidera a expansão do universo, então duas galáxias podem ficar sempre paradinhas uma relação a outra.

- A distância própria, que é aquela que leva em consideração a expansão do universo e medimos a partir do fator de escala. Fator de escala, já muito discutido aqui no blog, é simplesmente a distância entre todas as coisas no universo, essa distância aumenta com o tempo e é dada pela função $a(t)$ (em algumas literaturas é $R(t)$).

A abordagem comóvel é boa para estudar a radiação cósmica de fundo por exemplo, pois ela preserva medidas angulares, as quais usamos para estudar essa bagaça. Já para entendermos a expansão do universo, claramente precisamos usar a distância própria. 

Quando o Hubble fez suas medições do afastamento das galáxias, ele notou que quanto mais distante uma galáxia estava, mais rapidamente ela parecia se afastar de nós. Entender isso é fundamental para entender o problema (veja o gif abaixo). A expansão do universo é homogênea, o que significa que não importa onde você esteja, ela precisa ser igual em todas as direções. Tal exigência faz com que "tudo esteja se afastando de todo o resto na mesma taxa de afastamento", o que acaba criando distorções de "perspectiva" (o termo correto não é esse, mas talvez aqui esse se encaixe melhor). Pois veja bem, eu estou na Terra e observo que quanto mais distante de mim, mais rápido as galáxias se afastam, então, como a expansão é homogênea, um Alien que vive em uma dessas galáxias distantes, deveria ver as galáxias próximas a ele se afastarem mais lentamente, enquanto veria a nossa se afastar bem mais rápido. Assim, nem nós e nem o Alien está de fato se afastando bem mais rapidamente, é apenas a escolha de referencial cria essa "ilusão" de afastamento mais rápido. 
 


A taxa de expansão do universo é medida pela constante de Hubble, a qual diz que o universo se expande a uma taxa de 73 km/s a cada 1 megaparsec (1 megaparsec = 3,26 milhões de anos luz). Isso é meio chato de entender, pois como já falamos, segundo o parâmetro de Hubble, quanto mais longe você medir a velocidade de uma galáxia, mais rápido ela vai parecer se afastar de você. Por exemplo, se você estuda uma galáxia A que está cerca de 1 Mpc de distância de você, ela se afasta cerca de 73 km/s (estou desconsiderando efeitos locais de gravidade), mas se você estuda uma galáxia B, que está por volta 10 Mpc de distância, sua velocidade será por volta de 730 km/s. PORÉM, um alienígena que viva a 1 Mpc de distância da galáxia B, veria ela se afastar com 73 km/s, e não 730km/s como nós vemos. Isso acontece por que a expansão é homogênea, todo mundo tem que medir essa expansão da mesma forma. Quanto mais longe a gente observa, maior a velocidade de afastamento das galáxias, podendo chegar até velocidades bem maiores que a da luz, mas essa velocidade não é real, não tem nada lá violando a teoria da relatividade e se expandindo com velocidade tão alta assim, é apenas uma "miragem" causada pela forma homogênea como o universo se expande.

Em resumo, quando nós vamos medir a velocidade da luz, sua velocidade é indiferente do referencial inercial que você escolhe, ela sempre será a mesma, não importando se você medirá a velocidade aqui perto da Terra ou lá no quintos do inferno do universo. Já a velocidade de expansão do universo depende diretamente do referencial que você escolhe (da distância que sua medida está do seu referencial). Se eu vou medir a velocidade de expansão aqui pertinho, é 73 km/s, se vou medir lá na pqp, pode ser até 4 vezes a velocidade da luz.

Isso tudo mostra pra gente que não faz sentido algum comparar uma constante universal, que é a velocidade da luz, com um velocidade de expansão que muda a medida que você escolhe fazer medições próximas ou distantes de você. Assim, toda vez que você se deparar com essa discussão, lembre-se: ela não faz sentido!

Isso, vlw flw.

 

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1 - Eu cometi propositalmente um pequeno atentado histórico, mas como não gosto de deixar nenhum texto sem referencias bem concisas, então aqui tem um artigo em português que discute de forma bem legal, física e historicamente, toda a problemática do eletromagnetismo: Sobre o surgimento das equações de Maxwell. Aqui tem outro artigo importante também: Maxwell, a teoria do campo e a desmecanização da física.

2 - Eu não quis propositalmente falar que o Éter caiu com o experimento de Michelson e Morley, pois isso não é verdade, mas a discussão histórica dá muito pano pra manga. Dê uma olhada aqui: NÃO é verdade que os experimentos de Michelson-Morley derrubaram a “teoria do éter luminífero”!. Veja também este artigo: Três episódios de descobertas científicas.

3 - O que estou dizendo aqui é algo bastante forte, pois ao corrigir as transformações de Galileu, a mecânica de Newton se transforma em um caso particular, para baixas velocidades, de uma teoria mecânica mais abrangente, que no caso é a Teoria da Relatividade.  

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