Escrever
sobre ciência, em especial a física, é uma tarefa dura,
mas quando nós abordamos assuntos que gostamos é prazeroso escrever
textos, infelizmente esse não é o caso de hoje para mim. Porém é
uma tarefa necessária. Dia 12 desse mês foi aniversário do Físico
Erwin Schrödinger, um dos pais da mecânica quântica e o
idealizador de um dos experimentos mentais mais famosos de todos os
tempos, o maldito gato zumbi dentro de uma caixa. Com seu aniversário
várias páginas resolveram usar imagens do “gato de schrödinger”
para divulgar a data, inclusive o google fez um doodle super legal.
Nos comentários das páginas e no meu perfil pessoal vi perguntas,
várias delas, e notei que uma grande parte das pessoas acredita que
o experimento do gato realmente aconteceu e que o foco é o
gato dentro da caixa, então nosso texto de hoje será sobre isso; O
que de fato é o Experimento do Gato de Schrödinger e o que é que causa o colapso da função de onda.
Imagine
que você está afim de um(a) garoto(a), mas vocês mal se conhecem e
mesmo assim você quer chamar ele(a) para sair. Então antes de
convidá-lo para sair você resolve utilizar suas habilidades
matemáticas para tentar calcular qual a probabilidade dele(a) dizer
“sim” e “não”. Como você conhece pouco sobre essa outra
pessoa, você acha mais prudente dizer que a chance de receber um
“sim” é de 50% e a chance de receber um “'não” é
igualmente de 50%. Ok, antes de você perguntar existem duas
respostas para sua pergunta “sim” e “não”, então vamos
dizer que você se encontra num “estado” de resposta “sim-não”,
ou seja, um estado de dúvida, pois ambas respostas são possíveis.
Então você resolve perguntar para a pessoa se ela quer ou não sair
com você e (ao menos nesse texto) ela responde “Sim”, então a
sua probabilidade de receber um “sim” é agora de 100% e a do
“não” é 0%. Inicialmente você estava no estado “sim-não”,
agora seu estado colapsou para apenas “sim”. Simples, não?!
A idéia
do experimento do gato de Schrödinger é quase a mesma coisa. De forma simplória, imagine que você coloca um gato dentro de uma caixa, a qual está
devidamente lacrada (mas tem ar suficiente para o gato ficar lá
dentro), junto ao gato tem um dispositivo macabro que, de forma
aleatória, pode ou não quebrar um frasco de veneno dentro da caixa
e matar o coitado do gato. Digamos que existe novamente 50% de chance
de o dispositivo quebrar o frasco de veneno e matar o gato, e 50% de
chance do dispositivo não quebrar o frasco e o gato continuar vivo.
Enquanto não abrirmos¹ a caixa e vermos se o gato está vivo ou
morto, sabemos apenas que ele tem 50% de chance de estar vivo e 50%
de chance de estar morto, dizemos então que ele está no estado
“vivo-morto”. Assim que abrimos essa caixa devemos encontrar ele
ou vivo ou morto, ou seja, ou ele estará 100% vivo e 0% morto ou 0%
vivo e 100% morto. Exatamente da mesma forma que aconteceu no exemplo
de você convidando uma pessoa para sair. Mas note que nesse caso "abrir" a caixa representa uma medida do sistema, uma medida do gato vivo ou morto e não que é um observador (uma pessoa) forçando o gato a assumir um estado específico, o observador pode e deve ser substituído por algum aparelho como trataremos isso de forma mais correta no final desse texto.
Agora
que você tem uma ideia do assunto, vamos formalizar um pouco e
espero que você tenha paciência e vontade de ler.
Muito
antes da mecânica quântica surgir, Thomas Young já mostrava, por
meio do famoso experimento da dupla fenda, que um elétron poderia se
comportar como uma onda. Em 1926, a partir de trabalhos publicados
por Einstein e Planck, o físico francês Luis deBroglie introduz a
idéia da onda de matéria, em que se podia demonstrar
matematicamente as propriedades ondulatórias da matéria, um elétron
por exemplo.
Uma vez
que para partículas subatômicas esse caráter ondulatório é muito
visível e importante, foi introduzida uma ferramenta matemática
chamada de função de onda ψ.
Essa função tem importância fundamental na mecânica quântica,
uma vez que ela serve para descrever as principais características
de sistemas quânticos, como a energia, momento, posição e como
eles se comportam.
Para se
obter essa função ψ de onda, basta se extrair soluções da famosa
equação de Schrödinger, por exemplo. É como o "encontre o x" da matemática do ensino médio, mas um pouco mais complicado.
Equação de Schrödinger. |
Como essa
partícula é muito pequena, seu estado é dado pela interpretação
estatística de Bhorn, sobre a função de onda, em que |ψ|²
é a probabilidade de se encontrar a partícula em um ponto x,
no instante t.
A probabilidade de se encontrar a partícula naquela região é a área do gráfico que está em vermelho. No gráfico acima é bastante provável encontrar a partícula em A e quase impossível em B. Mas vamos supor que conseguimos medir com exatidão a partícula no ponto C, dessa forma todas as medidas consecutivas deveriam ser iguais, fazendo nossa função de onda se tornar um pico em C, a isso damos o nome de colapso da função de onda.
Assim, vê-se que há dois tipos de processos físicos completamente distintos: Os “comuns” no qual a função de onda evolui lentamente regida pela equação de Schrödinger e as “medidas” em que ψ colapsa súbita e descontinuamente.
Esses
processos são importantes para mostrar o caráter ondulatório e
probabilístico da mecânica quântica. Além de que o processo do
colapso da função de onda é amplamente citado por indivíduos que
fazem uma abordagem mística/esotérica da mecânica quântica, que é
justamente o motivo pelo qual eu odeio escrever sobre esse assunto.
Nós não
conseguimos saber antes da medida, onde uma partícula se encontra,
podemos apenas conhecer a probabilidade dela ocupar certas regiões
do espaço, quando executamos uma medida e encontramos a partícula
dizemos que houve um colapso da função de onda, assim a função de
onda que conhecíamos antes já não existe mais, e a partícula
volta a evoluir no tempo a partir de novas condições iniciais. Isso
nos mostra a sensibilidade do sistema ao ser medido.
Pelo
caráter matemático da equação de Schrödinger, ela pode nos
prover várias soluções para a função de onda, ψ, ψ1, ψ2 e etc. Nós
podemos também somar duas dessas equações de onda e obter uma nova
função de onda, ψ=Aψ1 + Bψ2, A e B são
constantes. Quando fazemos essa soma, nós estamos sobrepondo dois
estados quânticos e é isso que nos interessa!
Cada uma
dessas funções de onda pode nos fornecer um valor diferente para
energia, por exemplo. Assim ao somar essas duas funções de ondas,
não obteremos mais apenas um valor para energia, mas sim dois. Dessa
forma a partícula regida pela soma dessas funções de onda pode ter
sua energia entre esses dois valores e não mais apenas um valor.
Mas como
entender isso fisicamente? Imagine que pegamos vários sistemas
quânticos exatamente idênticos, sem a superposição de estados,
quando medimos a energia em um desses sistemas ele nos dará a
energia E1 quando medirmos novamente a energia em qualquer outro
desses sistemas nos obteremos novamente E1. Quando temos a
superposição de estados quânticos, essa certeza desaparece. Ao
realizar a medida da energia no primeiro sistema quântico, podemos
obter E1 ou E2 quando fizermos a medida no segundo sistema,
novamente podemos ter E1 ou E2 e o mesmo ocorrerá na medida
de qualquer um dos outros sistemas identicamente preparados. E se
fizemos a medida em um primeiro sistema e obtivermos E1 nada
garante que a medida dos outros sistemas sejam também E1, pois
ainda existe a probabilidade de medir E2. Assim mesmo com sistemas
idênticos, podemos obter energias diferentes.
Com a
superposição, as medidas de propriedades dos sistemas passam a não
ser mais bem definidas, mas sim estatísticas. Enquanto nenhuma
medida é feita nós dizemos que os estados estão sobrepostos (ou
superpostos) e a única coisa que podemos fazer é calcular a
probabilidade de medir o sistema e encontrar um estado ou outro.
Foi nesse
sentido que surgiu o experimento mental do Gato de Schrödinger. Como
antes da medição não conseguimos saber em qual estado quântico
nosso sistema está, dizemos que ele está em uma superposição de
estados. Schrödinger trouxe esse fenômeno para um exemplo mais
palpável: Colocando um gato dentro de uma caixa junto a uma
armadilha que possa matá-lo, dizemos que o gato pode possuir dois
estados, vivo ou morto. Quando fechamos a caixa, não temos como
saber se a armadilha disparou e matou o gato, ou se a armadilha não
disparou e o gato continua vivo. A menos que a caixa seja aberta, nós
não poderíamos afirmar que o gato está vivo, nem que o gato está
morto, mas sim que ele ocupa uma superposição de estados, em que
existe uma probabilidade dele estar vivo e outra probabilidade dele
estar morto.
Agora
vamos ver como Schrödinger elaborou originalmente o experimento e
tentar tirar está besteira de que a consciência humana é quem
colapsa a função de onda.
Schrödinger
escreveu:
“Qualquer um pode mesmo montar casos bem ridículos. Um gato é trancado dentro de uma câmara de aço, juntamente com o dispositivo seguinte (que devemos preservar da interferência direta do gato): num tubo contador Geiger há uma pequena porção de substância radioativa, tão pequena que talvez, no decurso de uma hora, um dos seus átomos decaia, mas também, com igual probabilidade, talvez nenhum se decaia; se isso acontecer, o tubo contador liberta uma descarga e através de um relé solta um martelo que estilhaça um pequeno frasco com ácido cianídrico. Se deixarmos todo este sistema isolado durante uma hora, então diremos que o gato ainda vive, se nenhum átomo decaiu durante esse tempo. A função-Ψ do sistema como um todo iria expressar isto contendo em si mesma o gato vivo e o gato morto simultaneamente ou dispostos em partes iguais.”
No primeiro exemplo que dei lá no começo do texto sobre o experimento do gato de Schrödinger eu disse que você tinha que abrir a caixa para que o gato assumisse ou um estado vivo ou um estado morto, fiz isso apenas a título de simplificação, mas já aviso que isso é perigoso, pois pode dar interpretações erradas, para tanto fique muito atento as linhas abaixo!
Falamos em grande parte do texto sobre medições, mas o que afinal são essa medições? É consciência humana de quem realiza o experimento? NÃO! Na descrição correta do experimento mental que está aí acima, vemos que há uma fonte radiativa que pode emitir uma partícula ou não, que será registrada pelo contador Geiger. A medição é representada pelo disparo do contador Geiger ao registrar o evento da emissão da partícula e não a intervenção de um observador humano. O que chamamos de medição nesse caso é a interação entre o sistema microscópico e o macroscópico de forma a deixar um registro permanente, ou seja, é no momento que a mecânica quântica interage com a mecânica clássica. Pois o sistema macroscópico não pode ocupar uma superposição de estados da mesma forma que o sistema quântico. Alguns oportunistas gostam de pegar a palavra “medição” e dar um caráter totalmente humano e consciente a ela chamando-a de “observador”, quando na verdade não é! Heisenberg usava a palavra evento ao invés de medição, mas infelizmente a moda não pegou.
Para finalizar vejam esse vídeo e comparem com nossa explicação:
É isso pessoal, espero que tenha ficado claro para todo mundo que não tem nenhum gato de verdade dentro de nenhuma caixa, é tudo um experimento mental, no qual nosso interesse é apenas criar uma forma palpável de exemplificar a superposição de estados.
Algumas referências:
- Tales of Schrödinger's Cat
- Introdução a Mecânica Quântica - Griffiths
- Física em 12 Lições Fáceis e Não Tão Fáceis - Feynman