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Ciência Fastfood.

Estou adiando esse texto há anos e entre os pesquisadores esse assunto está batido, mas acredito que leigos e estudantes do início da graduação não tenham tanta familiaridade com ele. Então a idéia desse texto é trazer o assunto para perto de vocês, leigos e graduandos.

Bom, tudo começa com “Você sabe o que um pesquisador faz?”

“Ele faz pesquisa! ÓóÓóÓóÓóÓóÓó”… sim, isso mesmo, ele passa o dia dele estudando um assunto e tentando descobrir coisas novas por meio de matemática, experimentos, outras pesquisas, etc (no caso da física óbvio), essa é uma resposta razoável para nosso propósito. Mas e aí, como um cientista conta para todos os outros sobre os resultados de sua pesquisa? É no boca-a-boca, é no jornal, é no Discovery Channel, é por livros ? Não, nada disso, um pesquisador divulga seus resultados por meio de artigos que são publicados em periódicos ("revistas"). E funciona mais ou menos assim:

O cara está lá pesquisando algo, obtém resultados e escreve seu artigo mais ou menos dessa forma : (clique para aqui para ver um artigo do grupo de pesquisa do qual pertenço). Ao escrever esse artigo ele é enviado para uma revista (existem muitas com diversas especializações e diversos fatores de impacto). Então sua pesquisa tem que passar por uma banca que irá examiná-lo para saber se ele está correto e se é de interesse da revista publicá-lo, se for de interesse eles publicam e você ganha... NADA (!), isso mesmo eles não te pagam um centavo, em alguns casos é você quem tem que pagar. Mas tudo bem, parece algo interessante você submeter seu trabalho a uma revista em que ele será analisado e aprovado por outros profissionais antes de ser divulgado para a comunidade científica. O problema começa com o fato de que você tem que pagar para ter acesso a esses artigos, ou seja, você não ganha NADA por ele ser publicado e as pessoas tem que pagar para essas revistas para ter acesso ao seu trabalho. 

Meio estranho não?! 

Mas e aí, a gente gasta nosso suado dinheiro comprando artigos para poder pesquisar? Sim é exatamente isso que fazemos, mas não fique com dó de nós, vocês também nos ajudam nessa grande vaquinha! O Brasil, assim como muitos outros países, assina uma plataforma online chamada Isi Web of Knowledge que nos dá acesso á cerca de 400 periódico por ano, pela bagatela de 5 milhões ao ano. Sim, essas empresas que não pagam UM centavo para nós, vendem a divulgação dos artigos por cerca de 20 mil reais ao ano para cada periódico. Não é muito, é até que pouco na verdade, pois representa apenas 0,5% do nosso investimento em ciência e tecnologia.

Resumindo é algo assim: Nós não recebemos NADA por publicar nossos trabalhos, não recebemos nada por citar os artigos dessas revistas, não recebemos nada para ser revisores dessas revistas e ainda temos que pagar para ter acesso ao seu material que também foi produzido gratuitamente por outros pesquisadores e foi analisado gratuitamente. Lindo isso!

Mas e aí, porque se submeter a isso? Masoquismo?!
  
O problema atual da ciência é que quase todo nosso trabalho tem se resumindo a “Fornecimento de material” para esses periódicos. Vou explicar com calma como isso funciona, espero que você tenha paciência para ler. :)

Você sabe como um cientista é reconhecido como o bonzão na sua área? Pasme…. é pelo número de publicações nesses periódicos, sim, simplesmente isso “número”, não qualidade. Publique 10 receitas de bolo em um periódico que você será, do ponto de vista dos nossos órgãos de fomento, um pesquisador muito mais foda e receberá mais recursos que outro pesquisador que publicou apenas um trabalho, mas que revolucionou a sua área de pesquisa. Se Einstein ou qualquer outro emérito cientista de sua época trabalhasse hoje no Brasil, eles seriam pesquisadores medíocres, pois eles possuem baixo número de publicações, mas de impacto enorme. Se não me engano Einstein teve apenas 4.

Com isso nem preciso falar que a Ciência mudou de nome para “fábrica de artigos”. A única coisa que se quer é publicar, publicar e publicar… 

Na minha primeira reunião quando entrei na pós graduação, a segunda coisa que a coordenadora falou, logo após o “boa tarde”, foi “Vocês precisam publicar!”.

Para ilustrar ainda mais a situação, quando ainda estava na graduação eu ouvi uma conversa épica nos corredores do DFI. Eles tinham publicado um artigo e acabou rolando uma sobra desse artigo, foi nada mais que um problema experimental impar que eles tiveram,  eis que um professor surge com a idéia genial: “Remete à revista, diz que é um problema geral e muito importante, dá uma enrolada, vamos tentar publicar isso também…”. Logo depois descobri que isso ocorria em praticamente todos os departamentos, não apenas na física.

A maioria esmagadora dos pesquisadores está nem aí para a qualidade de suas publicações, eles querem apenas um grande número publicações para engordar seu Currículo Lattes. Isso está causando um enorme contingente de publicações sem relevância alguma, pois a preocupação com qualidade acabou ficando em segundo plano. 

Mas a ciência fastfood não é um problema só do Brasil, mas sim mundial. Tanto que por volta de 2011 começou a surgir na Alemanha um movimento chamado Slow Scence, que já vinha sendo discutido há muito a tempo. A proposta é simples: desacelerar, a ciência deve ser feita de forma lenta para que possamos pensar, rever os estudos, analisar de forma consistente nossos próprios dados, conhecer melhor os artigos nos quais nos apoiamos, a qualidade precisa sobrepujar a quantidade! O grupo de neurocientistas que encabeçou o movimento criou um manifesto (que você pode ler aqui) convocando os cientistas para o Slow Science. Mas infelizmente ninguém está pensando em desacelerar até o momento, e o movimento está bem apático.

Bom, deixe eu encerrar por aqui que eu também preciso por mais carvão nessa máquina de artigos!


Adendo aos anticiência:

Não tente usar esse texto ou mesmo o assunto pra desacreditar a ciência, pois mesmo que tenhamos trabalhos ruins por aí, erros sendo divulgados, etc no conjunto total a coisa é diferente, estamos constantemente corrigindo esses erros e construindo conhecimento solido à muitas mãos.
segunda-feira, 22 de julho de 2013
Posted by Thiago V. M. Guimarães

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