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Por que a Pesquisa em Ciência de Base é Importante?
Este texto corre sério risco de ser inócuo perante aqueles de mente impenetrável à reflexões. Porém àqueles que sempre buscam o auto questionamento e o refino de ideias pode servir como um norte, então acredito que valha a pena tratar sobre esse assunto.
Em 1860, em uma de suas apresentações na Royal Society, Michael Faraday foi interpelado pela Rainha da Inglaterra, que ao final de sua apresentação lhe perguntou: “Tudo isto é muito interessante, Senhor Faraday, mas para que serve?”. Consta que Faraday teria respondido: “Majestade, para que serve um recém-nascido?”. fonteA nossa sociedade é muito acostumada a dar valor às coisas por sua funcionalidade, portanto é uma tarefa fácil atribuir valor à tecnologia. Também é fácil ver a importância da ciência que desenvolve essa tecnologia, mas é complicado visualizar a relevância da ciência de base¹, a qual atua de modo implícito. Qual a importância da descoberta do bóson de Higgs? Qual a relevância em saber que existem planetas extrassolares ? Qual o sentido de estudarmos os neutrinos ? Por que enviar uma sonda para Marte?
Muito provavelmente
você conhece alguém que responderá as perguntas acima de forma
categórica (e estúpida): “Isso não possui nenhuma Importância”.
Essa mentalidade é fruto da nossa total alienação e ignorância referente à ciência. Pensando nisso, estou
escrevendo esse texto para tentar justificar a importância da
ciência de base e do investimento submetido a ela.
A ciência que
aparentemente não se aplica²:
Temas de pesquisas
científicas como astronomia, astrofísica, cosmologia, alguns ramos
da teoria quântica de campos e física de partículas, são vistos
por muitos como "pesquisa inútil" por não ter aplicação aparente.
Mas não ter aplicação aparente não significa ser inútil, significa
que as mudanças causadas por esses estudos são mais subjetivas e,
algumas vezes, mais profundas do que qualquer aplicação
tecnológica imediata.
Para entender isso
temos que olhar para o passado. Há mais ou menos mil anos atrás, víamos
uma concepção de universo completamente diferente da atual:
a Terra estava no centro do universo, a divisibilidade da matéria
chegava até o átomo, o tempo era algo fixo e difícil de se
entender, o universo era estático e “pequeno”. A partir do
momento que novos conhecimentos foram construídos, derrubamos nossas
antigas visões sobre o universo e sobre qual era nosso lugar nele, colocamos
nossas concepções, supostamente sólidas e lógicas, em cheque, desestabilizamos séculos de conhecimento humano sobre a natureza e nós mesmos.
Atualmente sabemos que
não somos o centro do universo, que a matéria é composta por partículas ainda menores que o átomo, que existem bilhões e bilhões de estrelas
no universo e que muitas delas são semelhantes ao nosso Sol, sabemos
também que o nosso universo pode ter um início, que o tempo é
relativo, que a antimatéria existe, que somos pequenas criaturas
vivendo em um pequeno planeta orbitando uma pequena estrela na
periferia de uma galáxia qualquer, que grande parte do material que
compõe nossos corpos foram sintetizados no interior de estrelas que
morreram há muito tempo. Ou seja, passamos por uma gigantesca revolução intelectual nos últimos mil anos, isso não foi útil? não trouxe aplicações tecnológicas a longo prazo?
Dois exemplos
contundentes de como a ciência de base afeta profundamente nossa vida é
a revolução copernicana, que tirou a Terra do centro do universo, e
a teoria da relatividade que tirou o caráter absoluto do tempo. De
forma geral ambas tiveram impactos sociais e culturais profundos, a
ponto de nossa filosofia ocidental ser impensável sem essas ideias.
Com a teoria quântica foi a mesma coisa, seu desenvolvimento trouxe
uma série de visões novas a cerca do universo e até a nossa filosofia teve, de certa forma, que se reestruturar em alguns segmentos.
Então a importância
da ciência de base se dá na estrutura de nosso conhecimento e de
nossa relação com o universo. Esse conhecimento novo não é uma
transformação local na ciência, mas sim um fenômeno global que se arrasta para diversas áreas do conhecimento.
Eugene Wigner, em seu artigo “The
Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences”,
começa a seguinte estória:
“Há uma história sobre dois amigos, que eram colegas na escola, falando sobre seus trabalhos. Um deles tornou-se um estatístico e estava trabalhando em crescimentos populacionais. Ele mostrou um de seus trabalhos a seu ex-colega de classe. Seu trabalho começou como sempre, com a distribuição de Gauss, e o estatístico explicou o significado dos símbolos para a população real, para a média da população, e assim por diante. Seu colega estava um pouco incrédulo e não tinha certeza se o estatístico estava de fato falando sério ou se estava brincando. Então ele pergunta: "Como você pode saber disso tudo? … E o que é esse símbolo aqui?" "Oh", disse o estatístico ", isto é pi". "O que é pi?", o estatístico responde: "pi é a proporção da circunferência do círculo com o seu diâmetro, tal qual vimos na escola", então o colega retruca: "Bem, agora você está indo muito longe com sua piada... certamente a população não tem nada a ver com a circunferência do círculo."
essa foi a primeira vez que o ser humano viu um por do sol no solo de outro planeta - Foto tirada pela sonda Spirit. |
Essa estória é
realmente interessante, pois de fato estamos usando pi, um número
que nasceu do estudo de formas geométricas, para descrever crescimentos
populacionais, que aparentemente nada tem a ver com isso. Da mesma
forma acontece na ciência de base, todo conhecimento transcende as
necessidades de seus estudos e se aplicam, mais cedo ou mais tarde,
nas mais diversas áreas. Há 120 anos começavam a se desenvolver a
relatividade e a mecânica quântica e, muito provavelmente, seu
estudo parecia inútil para diversas pessoas da época, já que muitos
acreditavam que esses dois ramos eram apenas dois detalhes a serem
consertados na física (supostamente) quase completa da época. Hoje existem aplicações de ambas (em conjunto ou
separadas) nas mais diversas áreas da física, da química e da tecnologia, desde
a fabricação de computadores, lentes, telefones, diagnósticos
médicos, até em outros segmentos de pesquisas como a
cosmologia, astrofísica, etc.
Podemos ainda
extrapolar essa estória e compará-la com pesquisas como a Curiosity que estuda a possível
existência de vida em Marte. A importância de se encontrar vida
fora da Terra, a meu ver, se assemelha bastante a tirar a Terra como
centro do universo, pois irá tirar desse planeta a visão privilegiada de
ser o único com vida. Mas muito além disso, também abre
inúmeras possibilidades de se compreender como a vida funciona e se
desenvolve em diversas situações, o que pode nos ajudar a entender
como a vida se formou aqui. Entender como o clima e a
geologia de Marte funcionam também pode revelar coisas
surpreendentes sobre o funcionamento e o futuro da Terra. Podemos ver Marte e outros planetas como grande laboratórios a serem explorados, assim como estrelas distantes, buracos negros, quasares e toda a grande quantidade de corpos que temos espaço sideral a fora.
A ciência que
aparentemente se aplica:
Dos temas citados
acima, talvez o mais fácil de se ver a aplicabilidade seja a
quântica, embora todos os nossos
conhecimentos possam atuar direta ou
indiretamente na produção de tecnologia. Há 100 anos a teoria da
relatividade era um conceito novo, aparentemente sem aplicação
imediata, mas hoje a usamos em diversos aparelhos, sendo o mais comum
o GPS, por exemplo. Os estudos da relatividade e da mecânica quântica nos
possibilitaram entender, produzir e aplicar vários fenômenos
relacionados a física de partículas e a matéria condensada, tais quais se fazem extremamente presentes hoje em diversos setores
da tecnologia, incluindo a medicina.
![]() |
Imagem de um tumor realizada com um PETscan, tecnologia que foi possível graças a estudos com antimatéria |
Quando um novo
conhecimento é obtido na ciência de base é quase impossível
prever suas aplicabilidades futuras, como foi quando Dirac previu a
existência de antipartículas. Na época você certamente poderia
taxar essa pesquisa de inútil, mas hoje uma pessoa com câncer pode
ser diagnosticada precocemente por causa de ferramentas de diagnostico
como o PETscan que usam antimatéria. Mas não para por aí, o
próprio Dirac só conseguiu fazer essa previsão após unir com
sucesso a mecânica quântica e a relatividade restrita, tal fato foi
considerado um dos feitos mais importantes do século passado... e
não teve aplicação imediata.
O mesmo pode acontecer com pesquisas como ondas gravitacionais e o bóson de Higgs, sabemos se elas tem aplicação no
momento? Não, não sabemos, mas não podemos prever se no futuro haverão aplicações grandiosas para elas. Porém de imediato elas são de extrema importância para a física, a primeira é uma enorme constatação de uma previsão feita pela Relatividade Geral que abre uma enorme janela para o desenvolvimento de uma nova técnica de medição baseada em ondas gravitacionais, o irá ajudar muito nossa astronomia, astrofísica e cosmologia, já a segunda é a confirmação de que uma teoria que já usamos há quase 60 anos está realmente correta. Elas são, portanto, em primeira mão o atestado que mostra que estamos acertando em nossas previsões acerca do universo no qual vivemos.
Por sua vez, pesquisas
e experimentos como a sonda Curiosity e o LHC, desenvolvem uma série
de novas tecnologias para que possam ser realizados. Viagens
espaciais tripuladas e sondas por exemplo, criam e implementam tecnologias que são usadas em televisores,
câmeras fotográficas, roupas, calçados, aparelhos ortodônticos e
vários outros. Da mesma forma, pesquisas para a construção de grandes
aceleradores geram uma enorme quantidade de novas
tecnologias, como a web, que foi desenvolvida pelo Cern.
A ciência aplicada e a
ciência base são como duas pernas, se uma delas não funciona
direto nós não progredimos direito. Progressos teóricos sempre revelam progressos de aplicação que por sua vez geram
mais progressos teóricos, de tal forma que não podemos pensar na
ciência moderna sem uma dessas partes. É um erro crasso tentar
atribuir mais valor a uma ciência do que a outra, pois elas se
completam de modo a formar nosso conhecimento científico atual.
A tecnologia é fruto da aliança entre ciência e técnica, a qual produziu a razão instrumental, como no dizer da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Esta aliança proporcionou o agir-racional-com-respeito-a-fins, conforme assinala Habermas, a serviço do poder político e econômico da sociedade baseada no modo de produção capitalista (séc. XVIII) que tem como mola propulsora o lucro, advindo da produção e da expropriação da natureza. Então se antes a razão tinha caráter contemplativo, com o advento da modernidade, ela passou a ser instrumental. É nesse contexto que deve ser pensada a tecnologia moderna; ela não pode ser analisada fora do modo de produção[...] (MIRANDA, 2002).
Acredito que, de alguma
forma essas linhas acima possam contribuir não para a aceitação,
mas sim para a vontade de se debater sobre o assunto. Até a próxima.
----
1 – Ciência de Base/Pura/Fundamental é aquela que tem por pretensão o estudo das propriedades fundamentais da natureza sem visar diretamente uma aplicação.
2 – Essa conotação
“ciência que aparentemente não se aplica” é uma divisão
arbitrária minha, ela não existe de fato.
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
Posted by
Thiago V. M. Guimarães
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Entrevista sobre o Bóson de Higgs - ou um duelo entre jornalismo e informação?
Olá pessoal, não ia escrever um texto antes de sexta, mas quero falar acerca da entrevista que o Rogério Rosenfeld, do IFT, deu à emissora Bandeirantes no domingo. Os vídeos estão logo abaixo (linkei só a parte 1 de 4) e também indico que primeiro vocês leiam esse texto do Daniel, que foi o "muso" inspirador desse texto (kkkkkk).
Assisti a entrevista ontem, pelo canal do youtube do qual linkei o vídeo acima. Como eu estava de mal comigo mesmo e queria me autoflagelar, resolvi ler os comentários. Então o contexto total me deu vontade de escrever um texto abordando a postura do Rosenfeld, dos jornalistas e do pessoal que estava assistindo e criticando.
A entrevista já começa com um vídeo legalzinho, mas cheio de imprecisões. Obviamente a emissora não iria querer gastar mais dinheiro pagando alguém que entendesse do assunto para dar consultoria no vídeo, já que qualquer estagiário de jornalismo pode ler meia dúzia de textos e entender tudo do assunto. Afinal, o Higgs é totalmente trivial, uma partícula gorda que gruda em todas as outras partículas e dá massa para elas, cria o universo, passa café e faz bolo de chocolate.
Tirando o bonito e desastroso início, começa a entrevista. Parecia que eu estava assistindo um duelo de repentistas; os jornalistas perguntavam algo e esperavam respostas imediatas, “sim”, “não”, “o bóson de Higgs é isso”, o “bóson de Higgs é aquilo”... Porém, como o Daniel deixou bem claro no texto dele, na Ciência as coisas não são bem assim, principalmente se tratando de um assunto tão recente e complexo. Como vocês devem ter notado no meu texto anterior, o bóson de Higgs não é trivial, não se formula uma resposta exata “o bóson de Higgs é isso” e todo mundo compreende sem problema algum. Infelizmente na “física de ponta” muitas coisas que parecem triviais já deixarem de ser simples há muito tempo, como o caso da massa, que eu também escrevi a respeito.
Outro exemplo é a própria definição do que é matéria ou o que é uma partícula. Se um físico me perguntasse agora o que é uma partícula, eu conseguiria dar uma resposta concisa: responderia “na lata” que é uma representação irredutível do grupo de Poincaré. Um físico compreenderia sem problema algum, mas e para você que sentido isso faria? Muito provavelmente não faria nenhum sentido, afinal o que é uma representação irredutível, o que é um grupo de Poincaré? Quem ou o que diabos é Poincaré? Obviamente, para explicar a um “não especialista”, eu precisaria pensar em uma forma mais didática de abordar o assunto e, ainda sim, sem muita imprecisão.
Isso, por si só, já é uma tarefa muito difícil se tratando de assuntos consolidados, que todo mundo conhece dentro da física. Imagine agora responder perguntas referentes a algo que acabou de ser sistematizado, que pode ter relação com mais coisas do que sabemos, que pode ter propriedades levemente diferentes do esperado. Uma resposta concisa seria um erro tremendo.
Outro problema contundente eram as perguntas que vinham de jornalistas leigos. Via-se que o pobre Rosenfeld tinha que entender a pergunta e tentar consertar ela para que, aí sim, pudesse formular uma resposta simples e didática de algo complexo que está na fronteira do conhecimento humano.
Nesse meio tempo entre a compreensão, correção e resposta à pergunta, os jornalistas já estavam interrompendo o entrevistado com novas perguntas e indagações que algumas vezes sequer havia relação com a pergunta que ele estava tentando responder.
Aí vem aquela máxima: “Ah Thiago, você está sendo injusto, os jornalistas são pressionados para escrever, por quantidade de conteúdo em um tempo apertado, mimimi...”. Sim eu sei disso, e gostaria agradecer a essas empresas de jornalismo que estão preocupadas unicamente com lucro e não com qualidade de informação passada, pelo desserviço muitas vezes prestado à divulgação científica. Embora eu ache que a atitude da Bandeirantes, em abordar o tema, tenha sido algo muito legal, notava-se que a emissora não tinha nem ao menos UM repórter capacitado para tal entrevista, o que jogava toda a responsabilidade nas costas do Rosenfeld.
Uma coisa que eu gostei muito foi o desanimo dos entrevistadores logo no começo quando receberam a resposta de que o Higgs não tinha aplicação prática no momento. Esse ponto é algo muito delicado, pois nossa atual sociedade sente uma enorme dificuldade em achar utilidade para o conhecimento que não desenvolva imediatamente tecnologia. O aperfeiçoamento da nossa forma de ver e compreender o universo, a evolução da nossa compreensão de mundo são totalmente inúteis se não der para fazer um Iphone com bateria que dure mais tempo.
Mas enfim, esse é o mundo que vivemos e muitas vezes temos que tentar “vender nosso peixe” e forçar a existência de supostas tecnologias que podemos construir com o Higgs.
Agora vamos ao nono ciclo do inferno... digo, ao comentários:
Tanto no facebook quanto no youtube as opiniões foram deprimentes, basicamente me deparei com a justiça do inferno:
1 – A Malícia
Comentários puramente maldosos, com única intenção de atacar o entrevistado que não correspondeu ao esperado; “de que adianta ter 50 diplomas e ser um mané que não sabe explicar nada” e coisas do tipo.
O Rogério soube sim explicar muito bem algumas coisas, o problema foi que ele nem ao menos teve tempo para pensar em respostas melhores e mais amplas, pois era sempre atropelado por um jornalista com uma pergunta quase sempre sem muito sentido.
2 – A incontinência
“O Gleiser é melhor, deveriam ter chamado ele”, “Ele é bom, mas preferia o Gleiser”.
Tá, aí é uma questão de opinião. Mas é justamente esse ponto que difere Rosenfeld de Marcelo Gleiser. Rosenfeld se enrolou um pouco, gaguejou, demorou a responder, mas percebi que ele fez isso diversas vezes na tentativa de dar a melhor resposta possível para a pergunta, muitas vezes sem sucesso, devido a falta de rivotril nos jornalistas.
O Marcelo Gleiser por sua vez, não é tão cuidadoso com as suas palavras, aí o pessoal gosta mais, pois você não precisa pensar muito para entender uma resposta dele. Mas isso é um problema, muitas vezes o Gleiser é impreciso a ponto de estar errado, mesmo a explicação dele sendo didática e legal. Então preste atenção, a resposta que você quer muitas vezes pode estar errada, principalmente se tratando de Ciência.
3 – A Bestialidade
Sem dúvida o maior reflexo dos comentário na internet, ninguém nunca conseguirá escapar deles. Mas como sempre, nesse caso só podemos sentir pena dessas pessoas que precisam se comportar como animais, ou como “vermes de comentário”.
Para fechar vou resumir exatamente o que eu achei de tudo isso: gostei bastante da entrevista, acredito que foi bastante válido a emissora ter aberto espaço para um assunto importante para a Ciência, e adoraria que as demais emissoras fizessem o mesmo. A postura dos jornalistas foi algo muito prejudicial para o desempenho do entrevistado, que não pode se expressar corretamente, ou a altura da capacidade que possui. As emissoras deveriam se preocupar mais com isso. Apesar dos pesares, as respostas do Rogério foram muito boas, algumas vezes não muito didáticas, mas ao menos ele não foi impreciso em alguns pontos que outros divulgadores como Gleiser e Kaku nem se importariam.
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Posted by
Thiago V. M. Guimarães
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Teoria Quântica de Campos
Afinal, a massa varia ou não?
Ontem um moderador da
minha página veio falar que ele teve uma discussão sobre “dilatação da
massa”, e alguns curtidores disseram que isso não existia. Como no nosso grupo (Clube da Física) já tivemos vários problemas com essa discussão sobre se a massa varia ou não, resolvi escrever esse texto.
Massa é por si só um
conceito bem confuso do ponto de vista da física clássica. Apesar
do uso cotidiano desse termo, ele se confunde facilmente, massa é a
medida de inércia de um corpo? É a quantidade de átomos que o
compõe? É a resistência a uma aceleração? O que é massa?
Com a relatividade
especial, a confusão com o termo massa só piorou, pois surgiram dois
novos; “Massa de Repouso” e “Massa Relativística”. Nesse
texto me focarei na diferença entre massa de repouso e massa
relativística, para tanto veja esse texto que aborda o assunto de forma
mais “clássica”: Mass and Weight
Com certeza você já
deve ter lido ou visto em algum documentário que a medida que a
velocidade de um corpo aumenta sua massa também aumenta, esse efeito
é chamado de dilatação da massa e notado mais facilmente apenas para
velocidades próximas a da luz. E aí, a massa aumenta ou não?
Por que existem pessoas que afirmam que a massa aumenta e outros que
dizem que não? Quem está certo?
Apesar de parecer, não
existe confusão para nós físicos sobre o que é massa. Nós
sabemos bem o que é. O problema fundamental surge quando tentamos
passar isso para leigos, e interpretações diferentes acabam sendo
chamadas apenas de “massa”. Então a resposta a essa questão é
simples; a massa não varia, e qualquer físico de partículas e
campos vai responder a mesma coisa. Porém é fácil encontrar em
livros como do próprio Landau e Feynman afirmações claras e
categóricas de que a massa varia. Alguém está errado nessa
história? A resposta é “não” e “sim”, e é isso que espero
que você compreenda ao longo desse texto.
O problema, como já
citado, é nada mais do que um impasse de terminologias, usamos a
mesma palavra para duas coisas que não são bem iguais. Podemos começar com duas interpretações modernas sobre massa:
Interpretação 1.
Eu já dei uma pequena
introdução (subliminar) sobre essa interpretação no texto sobre
Matéria e Energia, mas agora vou trabalhá-lo um pouco melhor. Como
eu falei no texto citado, E = mc ² é verdadeira apenas para um
objeto que está parado. Para um objeto que está se
movendo, E²=m²c⁴+p²c², ou seja E é maior do que mc ².
Erroneamente tendemos a
achar que energia e massa são a mesma coisa, ou que massa é energia
condensada, mas isso não é de todo verdade, pois – por essa
interpretação – a massa de um objeto em movimento nunca muda, já a energia irá mudar. Esta massa
que nunca muda é chamada de "massa de repouso", já que
está relacionada com a energia “armazenada” no objeto quando ele
está "em repouso", alguns também a chamam de massa
invariante, por motivos óbvios.
Interpretação 2.
Considere que E = mc ²
é sempre verdadeiro, tantos para corpos parados quanto em movimento.
Basicamente isto mostra que a energia e massa são essencialmente a
mesma coisa. Uma vez que a energia de um objeto em movimento é maior
do que quando está parado, então que a sua massa também será
maior quando ele se move do que quando está parado. Essa
interpretação da massa recebe o nome de “Massa Relativística”. Ou seja, nesse caso existe dilatação da massa.
Ambas definições
estão corretas, porém há mais vantagens em uma do que em outra.
Vou tentar explicar agora as diferenças fundamentais entre elas e o
porquê de usarmos sempre a primeira definição.
Apesar de muito se
falar, a relatividade não nos mostrou que tudo é relativo, mas sim
uma grande parte das propriedades das partículas, como velocidade,
tempo, espaço, energia. Então dois observadores diferentes podem
obter medidas diferentes dessas propriedades, fazendo com que eles
não concordem sobre seus valores. Considerando nossa primeira
interpretação da massa, passamos a ter um valor igual para qualquer
observador, diferentemente se usamos a segunda interpretação os
observadores já não mais concordarão sobre os valores medidos. O primeiro ponto é esse, se temos tão poucas propriedades
invariantes, porque não tornar a massa mais uma delas, facilitando
nossa vida. Então se você definir a massa relativística como sua
definição de massa, dois observadores podem não concordar em sua
medida, se você define massa de repouso como sendo massa, dois
observadores quaisquer vão sempre concordar com o valor de massa
medido.
![]() |
No gráfico você pode ver a diferença entre massa de repouso e massa relativística. Plotei o gráfico no wolfram-alpha utilizando uma função de comportamento semelhante ao da contração de Lorentz para grandes velocidades. |
O Problema da Massa do
Fóton e do Elétron:
Eu abordei esse assunto
também no terceiro texto sobre Matéria e Energia, e lá eu afirmei
que a E=mc² não poderia ser usado para a massa do fóton e mostrei
superficialmente que o fóton poderia ter energia sem ter massa. Com
isso eu imediatamente adotei a primeira interpretação. Porém se eu
adoto a segunda interpretação, a minha medida de energia se
confunde grosseiramente com a medida de massa e eu passo a medir
massa e energia como exatamente a mesma coisa, dessa forma o fóton
parecerá massivo.
Utilizando ainda a
segunda definição, se um elétron e um fóton tiverem a mesma
energia eles terão a mesma massa. Isso soa bem estranho, não acha?
Comparando elétrons
com fótons temos partículas bem diferentes, o primeiro é um
férmion (partícula de matéria) e o segundo é um bóson (partícula
mediadora do campo). O fóton não tem massa de repouso e tem spin
inteiro, o elétron tem massa e spin semi inteiro, apesar dessas
diferenças gritantes (ao menos para nós físicos), ambos podem
possuir massa relativística quando consideramos a segunda
interpretação. Se continuamos a usar essa interpretação podemos
causar a maior bagunça quando tentamos medir a “massa” de
elétrons e fótons em referenciais diferentes, um observador pode
encontrar uma massa para o elétron menor que a massa do fóton,
enquanto um outro observador pode encontrar uma massa para o mesmo
fóton menor do que a massa para o mesmo elétron.
Para piorar o uso da
segunda definição, se considerar elétrons que se movem muito
rapidamente na eletrosfera de um átomo, sua massa pode ser maior que
a massa do núcleo, isso complica um pouco nossa vida, pois então
dois observadores só irão concordar com a medida da massa do núcleo
e do elétron se eles estiverem parados. Se usarmos a primeira
definição, dois observadores vão sempre concordar que a medida da
massa dos elétrons é muito menor que a massa do núcleo.
Um outro problema que a
segunda definição de massa causa, é na hora de organizarmos nossas
partículas, pois dessa forma, algumas poucas propriedades se tornam
invariantes, como spin. Então, por exemplo, dois elétrons não
teriam a mesma massa, nem mesma energia, nem mesmo momento caso
estivessem em velocidades diferentes. Quando consideramos a primeira
definição, cada tipo de partícula tem sua massa definida e podemos
classificá-las, sem medo de errar, a partir de sua massa e spin.
Uma pseudo desvantagem
do uso da primeira interpretação está na utilização da segunda
lei de Newton. Pois com a massa invariante, as correções
relativísticas devem ser feitas diretamente na força, assim a
fórmula F=m.a não é mais válida, enquanto para a segunda
definição aplicamos as correções diretamente na massa, com isso a segunda
lei de Newton permanece válida para muitos casos, mas ainda sim
existem exceções.
Resumindo – Existem
muitas vantagens e menos confusão em se considerar a primeira
definição de massa, a massa de repouso, pois ela é a mesma para
qualquer observador. Se você considera massa como sendo a massa
relativística, assim você tem massas variando e pode ser que ninguém concorde na medida da massa de uma mesma partícula, além de aparecerem fótons massivos e elétrons com mais massa que núcleos
atômicos, aí nossas análises precisam quase sempre ser reduzidas
para casos estáticos para que possamos concordar em medidas de
massa. O que eu estou dizendo basicamente é que na segunda definição
estamos medindo energia travestida de massa, enquanto na primeira
definição é apenas a massa que está sendo medida.
A massa de repouso não varia, já a massa relativística varia. Dessa forma, quando você estiver lendo um texto ou assistindo um documentário e falarem sobre massa variando, lembre-se que estão usando a segunda definição, se eles falam de massa que não varia, é porque estão usando a primeira definição. Assim, respondendo a pergunta inicial: Afinal, a massa varia ou não? A resposta é: depende de qual interpretação você está usando.
É isso, espero que tenha deixado o assunto mais claro, qualquer dúvida é só postar nos comentários e deem uma olhada nas fontes que usei para escrever esse texto, logo abaixo.
Bibliografia:
Mass-ive Source of ConfusionWhat is relativistic mass?
The Two Definitions of “Mass”, And Why I Use Only One
Observações:
1 - A relatividade é necessariamente clássica, mas ela muitas vezes é tida como moderna pelo fato de ser recente.
2 - Quando eu digo "observador" no texto, estou me referindo a cientistas medindo as partículas de partículas com uso de aparelhos, não tem relação direta com o observador afetar o comportamento da partícula, para tanto confira esse outro texto.
sábado, 5 de outubro de 2013
Posted by
Thiago V. M. Guimarães
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Teoria Quântica de Campos
Notas nas graduações científicas
Os
últimos textos postados abordaram
situações que fazem parte do nosso cotidiano. E então,
aproveitando essa linha, e como sinto falta de um texto a respeito
desse assunto, resolvi escrever para mostrar um pouco da realidade
dos graduandos, para quem pretende entrar na universidade e também
para levantar questões que acredito pertinentes.
Claro
que não conseguirei escrever a respeito de todos os problemas que
enfrentamos, mas futuramente posso tentar escrever mais acerca de
como é estar na graduação, como está o preparo de quem entra na
graduação e como os formandos, em média, saem da graduação. Acho
que esses pontos são muito importantes, pois esses graduandos e
recém formados poderão ser nossos pesquisadores e professores.
Então,
vamos ao que interessa.
Algo
que percebi desde que entrei na graduação é que apesar dos
professores afirmarem que nota não é importante, no fundo isso é
cobrado de nós todos os dias, tanto pela postura de muitos
professores quanto do que é avaliado para conseguirmos um orientador
e uma bolsa de iniciação científica.
Mas
a pergunta que fica é: qual o problema de nos focarmos nas notas?
Bem,
eu vejo de uma maneira simples. Em grande parte das vezes a nota não
avalia corretamente um aluno, mas o problema vai além. Quando o
aluno foca em tirar notas e não em aprender, temos um problema
grave. Porque assim o aluno está se preparando para responder o que
o professor quer ler (ou ouvir em alguns casos), ao invés de estar
refletindo e construindo seu conhecimento de forma significativa , ou
seja, o aluno se tornou uma maquininha de resolver "problemas"
padrões e não alguém que um dia poderá ser um pesquisador ou
professor que se deparará com diversos problemas diferentes não
vistos em sua graduação e será capaz de trata-los de forma
crítica.
Então
é possível perceber que não se está oferecendo a esses alunos a
oportunidade da reflexão e da crítica, mas sim uma receita de bolo
ensinada pelos livros e professores,o que pode acarretar que diversas
pessoas não desenvolvem
criatividade e reflexões críticas, fazendo com que o processo de
formação de pesquisadores se torne muito mais longo. Além de esses
alunos poderem não ter aprendido significativamente o conteúdo, de
forma que o mesmo poderá ser esquecido no futuro.
A
iniciação científica foi uma forma para tentar reduzir esse
problema, visando ensinar ao aluno que o processo de aprender, apesar
de desenvolvido coletivamente, é individual, e deve ser buscado por
conta própria. Mas mesmo assim o aluno se forma mal preparado e não
desenvolve uma mentalidade de pesquisador, pois se acostumou com um
método tradicional e individualista. A bem da verdade, muitos
graduandos (principalmente bacharéis) saem sem saber o básico a
respeito de métodos científicos e sua validade, da diferenciação
de fontes confiáveis e inseguras, da compreensão e importância de
debates acerca do que é ciência e qual seu impacto social,
político, cultural, entre outros.
Mas
alguém pode perguntar, ao estudar para uma prova você já não
estaria aprendendo? Essa é uma questão relativa. No curso de
Física, apesar de termos poucos assuntos durante um semestre, esses
assuntos são mais aprofundados, o que faz que tenhamos muitas provas
e assim menos tempo para nos dedicarmos para aprender, e a forma como
são abordados faz com que seja mais fácil e vantajoso estudar para
uma prova pelas listas que os professores fornecem e anotações das
aulas do que tentar aprender e demonstrar como surgiram aqueles
conceitos físicos e matemáticos.
Isso
que nem estou levando em conta que deveríamos também compreender
relações histórica e filosófica por trás daqueles conceitos,
porque além delas nos ajudarem a fixar e entender melhor como e por
quem a ciência é construída, nós iremos dar aulas. Ou você achou
que mesmo sendo bacharel não ia ter que dar aulas? Aqui no Brasil
existem poucas áreas na ciência que você não terá que ir para a
área acadêmica, ou seja, você cursou bacharel, não foi preparado
para ensinar, não foi preparado para pensar sozinho para resolver
problemas mais complexos, não conhece as discussões que rodeiam a
ciência e vai se tornar um professor.
Esse
é um dos motivos de por que na graduação termos muitos professores
que não fazem ideia de como ensinar e nem do que estão fazendo em
sala de aula. Sendo que esses professores só conhecem, ou acreditam
no método tradicional de ensino, e estão acostumados com provas que
não são reflexivas e não tentam investigar se a aprendizagem de um
aluno foi significativa. Sendo assim, o professor não faz uso de um
instrumento real para saber se seus alunos estão aprendendo, apenas
aquele único instrumento que é a prova.
Mas
os problemas não param por aí, as provas não avaliam corretamente
os alunos que tem déficit de atenção, hiperatividade e outras
síndromes que prejudicam a desenvoltura dos alunos em provas. Sem
dizer que mesmo os alunos que não possuem nenhuma síndrome também
estão sujeitos a não estarem em perfeito estado de concentração
para a prova. Alguns professores podem dizer que isso faz parte, mas
me desculpe professor, não faz parte não. Um aluno não deve ser
avaliado pela sua concentração em dias específicos do semestre.
Não é assim que iremos pesquisar no futuro e muito menos vocês
professores dão aula sem nenhuma anotação (apenas raríssimos
professores dão aula de cabeça sem consultar nada).
Ou
seja, um professor quer avaliar e descontar por sua falta de atenção,
por você ter respondido como ele queria a resposta e não como você
compreendeu de fato, por você conseguir ter se tornado uma máquina
de resolver problemas. Bom e agora, isso tem solução? Essa solução
é viável?
Como
esse problema é muito complexo e não depende apenas dos
professores, mas também de toda nossa estrutura educacional que
sufoca a criatividade dos alunos, essas mudanças serão muito
lentas. Algo que deveria ser revisto, é a forma que as provas são
estruturadas, e não ser somente elas que constituam com maior peso a
avaliação dos professores sobre os alunos. As avaliações deveriam
ser feitas de uma forma a instigar o aluno a refletir sobre aquele
problema, assim como isso deveria acontecer nas aulas. Não deveriam
avaliar se um aluno sabe fazer 10, 25, 50, 100 ou 1.000 exercícios,
mas se ele conseguiu entender o mecanismo por trás desses problemas.
Também acho que tanto os alunos como os professores deveriam se
envolver mais com a história e os debates que ocorreram por trás
daquele conteúdo.
O
professor também não deveria avaliar se o aluno sabe ser um bom
piloto de avião que sabe lidar com uma grande pressão em pouco
tempo, como é uma prova. Porque no futuro aquele aluno que se
tornará um professor/pesquisador não lidará com situações como
essas, na verdade ele terá certo tempo para conseguir pesquisar e
montar suas aulas. Além de ter todo o apoio de um material
disponível para tirar suas dúvidas.
Então,
realmente professores o que vocês tentam avaliar nos alunos de
graduação com provas que não estimulam o aluno a pensar, com uma
situação que ele não passará na sua vida de pesquisador?
Deixo
como indicação alguns textos de tratam muito melhor que eu desse
assunto e dão métodos alternativos, até mesmo já testados aqui no
Brasil e que tem uma excelente eficácia para desenvolver o
pensamento crítico e a compreensão conceitual dos alunos:
- Entrevista com Eric Mazur
- A Aplicação de uma Nova Metodologia de Ensino de Física: O Aprendizado Colaborativo
- A Aplicação de uma Nova Metodologia de Ensino de Física: O Aprendizado Colaborativo
Gostaria de agradecer ao Adriano Ortiz que me deu grande apoio para escrever esse texto, sendo o co-autor desse texto.
domingo, 28 de julho de 2013
Posted by
Rubia Guimarães