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- Entrevista sobre o Bóson de Higgs - ou um duelo entre jornalismo e informação?
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Thiago V. M. Guimarães
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Olá pessoal, não ia escrever um texto antes de sexta, mas quero falar acerca da entrevista que o Rogério Rosenfeld, do IFT, deu à emissora Bandeirantes no domingo. Os vídeos estão logo abaixo (linkei só a parte 1 de 4) e também indico que primeiro vocês leiam esse texto do Daniel, que foi o "muso" inspirador desse texto (kkkkkk).
Assisti a entrevista ontem, pelo canal do youtube do qual linkei o vídeo acima. Como eu estava de mal comigo mesmo e queria me autoflagelar, resolvi ler os comentários. Então o contexto total me deu vontade de escrever um texto abordando a postura do Rosenfeld, dos jornalistas e do pessoal que estava assistindo e criticando.
A entrevista já começa com um vídeo legalzinho, mas cheio de imprecisões. Obviamente a emissora não iria querer gastar mais dinheiro pagando alguém que entendesse do assunto para dar consultoria no vídeo, já que qualquer estagiário de jornalismo pode ler meia dúzia de textos e entender tudo do assunto. Afinal, o Higgs é totalmente trivial, uma partícula gorda que gruda em todas as outras partículas e dá massa para elas, cria o universo, passa café e faz bolo de chocolate.
Tirando o bonito e desastroso início, começa a entrevista. Parecia que eu estava assistindo um duelo de repentistas; os jornalistas perguntavam algo e esperavam respostas imediatas, “sim”, “não”, “o bóson de Higgs é isso”, o “bóson de Higgs é aquilo”... Porém, como o Daniel deixou bem claro no texto dele, na Ciência as coisas não são bem assim, principalmente se tratando de um assunto tão recente e complexo. Como vocês devem ter notado no meu texto anterior, o bóson de Higgs não é trivial, não se formula uma resposta exata “o bóson de Higgs é isso” e todo mundo compreende sem problema algum. Infelizmente na “física de ponta” muitas coisas que parecem triviais já deixarem de ser simples há muito tempo, como o caso da massa, que eu também escrevi a respeito.
Outro exemplo é a própria definição do que é matéria ou o que é uma partícula. Se um físico me perguntasse agora o que é uma partícula, eu conseguiria dar uma resposta concisa: responderia “na lata” que é uma representação irredutível do grupo de Poincaré. Um físico compreenderia sem problema algum, mas e para você que sentido isso faria? Muito provavelmente não faria nenhum sentido, afinal o que é uma representação irredutível, o que é um grupo de Poincaré? Quem ou o que diabos é Poincaré? Obviamente, para explicar a um “não especialista”, eu precisaria pensar em uma forma mais didática de abordar o assunto e, ainda sim, sem muita imprecisão.
Isso, por si só, já é uma tarefa muito difícil se tratando de assuntos consolidados, que todo mundo conhece dentro da física. Imagine agora responder perguntas referentes a algo que acabou de ser sistematizado, que pode ter relação com mais coisas do que sabemos, que pode ter propriedades levemente diferentes do esperado. Uma resposta concisa seria um erro tremendo.
Outro problema contundente eram as perguntas que vinham de jornalistas leigos. Via-se que o pobre Rosenfeld tinha que entender a pergunta e tentar consertar ela para que, aí sim, pudesse formular uma resposta simples e didática de algo complexo que está na fronteira do conhecimento humano.
Nesse meio tempo entre a compreensão, correção e resposta à pergunta, os jornalistas já estavam interrompendo o entrevistado com novas perguntas e indagações que algumas vezes sequer havia relação com a pergunta que ele estava tentando responder.
Aí vem aquela máxima: “Ah Thiago, você está sendo injusto, os jornalistas são pressionados para escrever, por quantidade de conteúdo em um tempo apertado, mimimi...”. Sim eu sei disso, e gostaria agradecer a essas empresas de jornalismo que estão preocupadas unicamente com lucro e não com qualidade de informação passada, pelo desserviço muitas vezes prestado à divulgação científica. Embora eu ache que a atitude da Bandeirantes, em abordar o tema, tenha sido algo muito legal, notava-se que a emissora não tinha nem ao menos UM repórter capacitado para tal entrevista, o que jogava toda a responsabilidade nas costas do Rosenfeld.
Uma coisa que eu gostei muito foi o desanimo dos entrevistadores logo no começo quando receberam a resposta de que o Higgs não tinha aplicação prática no momento. Esse ponto é algo muito delicado, pois nossa atual sociedade sente uma enorme dificuldade em achar utilidade para o conhecimento que não desenvolva imediatamente tecnologia. O aperfeiçoamento da nossa forma de ver e compreender o universo, a evolução da nossa compreensão de mundo são totalmente inúteis se não der para fazer um Iphone com bateria que dure mais tempo.
Mas enfim, esse é o mundo que vivemos e muitas vezes temos que tentar “vender nosso peixe” e forçar a existência de supostas tecnologias que podemos construir com o Higgs.
Agora vamos ao nono ciclo do inferno... digo, ao comentários:
Tanto no facebook quanto no youtube as opiniões foram deprimentes, basicamente me deparei com a justiça do inferno:
1 – A Malícia
Comentários puramente maldosos, com única intenção de atacar o entrevistado que não correspondeu ao esperado; “de que adianta ter 50 diplomas e ser um mané que não sabe explicar nada” e coisas do tipo.
O Rogério soube sim explicar muito bem algumas coisas, o problema foi que ele nem ao menos teve tempo para pensar em respostas melhores e mais amplas, pois era sempre atropelado por um jornalista com uma pergunta quase sempre sem muito sentido.
2 – A incontinência
“O Gleiser é melhor, deveriam ter chamado ele”, “Ele é bom, mas preferia o Gleiser”.
Tá, aí é uma questão de opinião. Mas é justamente esse ponto que difere Rosenfeld de Marcelo Gleiser. Rosenfeld se enrolou um pouco, gaguejou, demorou a responder, mas percebi que ele fez isso diversas vezes na tentativa de dar a melhor resposta possível para a pergunta, muitas vezes sem sucesso, devido a falta de rivotril nos jornalistas.
O Marcelo Gleiser por sua vez, não é tão cuidadoso com as suas palavras, aí o pessoal gosta mais, pois você não precisa pensar muito para entender uma resposta dele. Mas isso é um problema, muitas vezes o Gleiser é impreciso a ponto de estar errado, mesmo a explicação dele sendo didática e legal. Então preste atenção, a resposta que você quer muitas vezes pode estar errada, principalmente se tratando de Ciência.
3 – A Bestialidade
Sem dúvida o maior reflexo dos comentário na internet, ninguém nunca conseguirá escapar deles. Mas como sempre, nesse caso só podemos sentir pena dessas pessoas que precisam se comportar como animais, ou como “vermes de comentário”.
Para fechar vou resumir exatamente o que eu achei de tudo isso: gostei bastante da entrevista, acredito que foi bastante válido a emissora ter aberto espaço para um assunto importante para a Ciência, e adoraria que as demais emissoras fizessem o mesmo. A postura dos jornalistas foi algo muito prejudicial para o desempenho do entrevistado, que não pode se expressar corretamente, ou a altura da capacidade que possui. As emissoras deveriam se preocupar mais com isso. Apesar dos pesares, as respostas do Rogério foram muito boas, algumas vezes não muito didáticas, mas ao menos ele não foi impreciso em alguns pontos que outros divulgadores como Gleiser e Kaku nem se importariam.
Concordo plenamente com você.
ResponderExcluirMeu nome é Hugo Carneiro Reis e sou físico teórico de formação. Trabalhei com o prof. Rogério Rosenfeld, tenho orgulho de ter publicado trabalhos com ele e concordo com as palavras do Thiago. Rogério pode não ter a presença de Marcelo Gleiser, (aliás, são amigos) mas eu o considero mais preciso em suas respostas. Rogério é um expoente dentro da área, e foi formado por outro grande físico de partículas, prof. Carlos Ourivio Escobar, com quem tive oportunidade de trabalhar. Se Rogério não foi tão didático como poderiam ter sido outros, suas respostas foram precisas. Em 2010 convidei o Rogério a dar uma palestra no Colégio em que sou professor e ele foi muito elogiado pelos alunos, sendo ele muito didático. As pessoas que criticam o Rogério não fazem ideia do que é tentar explicar algo tão complexo como o mundo da Física de partículas em pouquíssimo tempo para um público leigo. E a frase "de que adianta ter 50 diplomas e ser um mané que não sabe explicar nada” só pode ser de um completo idiota.
ResponderExcluirHugo Carneiro Reis, obrigado pelo comentário. Infelizmente a maior parte de quem critica nunca tentou divulgar ciência na vida. Na posição que o Rogério Rosenfeld se encontrou no programa ele se saiu melhor que muitos, era quase impossível ter uma boa didática naquela situação.
ExcluirInfelizmente, essa postura dos jornalistas da bandeirantes é padrão para todos os entrevistados. Parece que os convidados são inimigos e precisam ser "atacados" com perguntas sem ao menos ter respondido o bombardeio anterior. Isso vai de temas desde religião, política, economia até os mais especificamente científicos. Parece mais um tribunal, onde o jornalista força perguntas para que o entrevistado caia em contradição, que um programa jornalístico. O que é uma pena, pois o programa sempre aborda temas interessantes e atuais, e geralmente com ótimos convidados. Mas essa postura agressiva faz cair a qualidade das entrevistas, sempre.
ResponderExcluirParabéns pelo texto.
Abraços,
Layla.
Olá Thiago.
ResponderExcluirSou uma curiosa do mundo, concordo com suas palavras a respeito da entrevista do Prof. Rogério, deu para perceber claramente a dificuldade que ele teve em responder diante das perguntas atropeladas dos jornalistas, acredito que um entrevistador com mais conhecimento de física daria mais abertura ao professor, assim seria mais didático para os curiosos e leigos de plantão.
Agradeço pelos textos.
Paz e luz
Rita Sakano
Assisti a entrevista completa, e devo admitir, as respostas do Rogério não foram tão "óbvias", ainda mais para pessoas de pouco ou nenhum entendimento científico. Porém ele foi sim muito preciso (talvez ate demais), mas o que mais me espantou foi a falta de informação da parte da emissora e dos jornalistas. Pô, eu pensei que entre os entrevistados estaria pelo menos um com entendimento científico, mas os jornalistas estavam realmente "torturando" o professor Rogério com suas infames perguntas. É como se a emissora tivesse feito tudo de qualquer jeito, se não fosse a falta de interesse da parte da emissora, a entrevista teria sido muito mais produtiva.
ResponderExcluirAinda sim valeu. Aliás, parabéns pelo artigo e principalmente pelo blog, eu devo admitir, estou muito feliz com seu Blog, tem muito informação e tudo de grande valor.
Bom, vou fazer o trabalho de advogado do diabo, já adiantando que não sou jornalista, que sou leigo, mas que gosto de ciência e de física, Não achei esse desastre todo a entrevista. Achei muito proveitosas as explicações do professor e perfeitamente esclarecedoras - ou no limite que podem ser dado o assunto e o uso de português e saliva - a alguém um pouco mais interessado. E quanto as perguntas... São aquelas que as pessoas em geral fariam mesmo, com todas as suas contradições, falta de nexo e misturando religião, etc... colocassem jornalistas formados em física ali e o público alvo seria diferente... afinal, para quem é o programa? Para os físicos ou para a sociedade que financia a ciência? Abraço, Helcio.
ResponderExcluirHelcio, sem problema algum, contrapontos coerentes são sempre bem vindos. Mas eu discordo de você até mesmo pelo feedback dos leigos que eu obtive.
Excluir1 - Se você achou esclarecedor, obviamente que você está longe de ser leigo, eu também achei bem legal, mas uma enxurrada de leigos não entendeu porcaria alguma, e se focaram em criticar o ponto em que ele se enrolava para responder, que as respostas não eram precisas, etc. Então muito me parece que a entrevista foi satisfatória para nós, que já temos uma boa noção do assunto, inclusive alguns alunos de graduação que assistiram também entenderam muito bem.
2 - Não, de forma alguma a intenção é colocar físicos para discutir e perguntar a ele sobre o assunto, mas sim jornalistas capacitados em divulgação científica, o que é algo totalmente diferente. Jornalistas com essa especialidade sabem a forma de expor um conteúdo complexo ao público, sem fazer uma salada de perguntas que ninguém consegue responder de forma satisfatória.
3 - O papel do jornalismo científico não é representar o leigo com as mesmas perguntas sem noção que ele faria, mas sim abordar o tema de forma didática e com pouca imprecisão para se compreenda o assunto. Se comportar como um leigo e atrapalhar as respostas do entrevistado serve apenas para deixar a entrevista confusa e chata para quem não entende o assunto, enquanto para nós vai parecer satisfatória, umas vez que sabemos bem o que ele quis dizer.
4 - Infelizmente jornalismo científico e divulgação científica vai muito além do que responder perguntas leigas.
Assisti também a entrevista inteira e tive um bom entendimento, mas sou aluno da graduação de física e não leigo, portanto não posso dizer da didática para leigos.
ResponderExcluirAgora o que me pareceu foi que os jornalistas realmente não entendiam muito do que perguntavam (como os leigos mesmo), pareceram até ter estudado um pouco, mas sem entendimento. Talvez a presença de alguém com mais entendimento para "mediar os dois lados", tivesse tornado a coisa mais produtiva. Tem uma entrevista do Gleiser com estes mesmos jornalista e sobre o mesmo tema (na época não tinha saído o nobel) acho que vou assistir e ver as diferenças entre os dois.
Thiago também tenho um blog onde procuro abordar alguns temas relacionados a ciência (não só eles, mas também alguns assuntos de entretenimento). Pretendo falar sobre o Nobel de física e consequentemente do Bóson de Higgs, mas não me atrevo a falar de algo que não estudo, portanto pretendo apenas reunir o que encontrei na internet estas duas semanas. Creio que seu post passado seria uma boa.
A e tenho duas dúvidas:
- Poderia comentar o que ele falou do Bóson ser puntiforme?
- Poderia comentar também o que ele disse sobre em algumas situações (que não na física de partículas) os Fótons adquirirem massa?
Mais uma vez, parabéns pelo Blog!
1 - Partículas elementares são puntiformes. como eu mesmo disse nesse post definindo uma partícula como uma representação irredutível do grupo de poincaré, o que você tem é apenas massa e spin, e é basicamente o ponto inicial de definir uma partícula.
Excluir2 - Fótons com massa não é novidade alguma, teorias de Proca por exemplo trabalham com fótons massivos. Se você pegar qualquer livro de TQC vai achar lá nos tópicos de mecanismo de Higgs, o exemplo de um fóton sem massa interagindo com dois campos massivos e ganhando massa.
Sou leiga no assunto, mas, mesmo assim, bastante interessada.
ResponderExcluirEssa é uma das razões pelas quais leio seus textos, por exemplo (e gosto muito!).
No entanto, gostaria de divergir brevemente de sua opinião na parte onde você considera um "problema contundente" o fato de as perguntas virem de jornalistas leigos. Esta parte foi, justamente, a que eu achei de grande importância para que a entrevista fosse televisionada! Se a intenção era disseminar esta informação deixando o povo brasileiro à par dos últimos acontecimentos do meio científico, quem melhor do que jornalistas leigos para representar as dúvidas que deveriam estar na cabeça de todos os telespectadores (também leigos)? Os jornalistas estavam, com suas dúvidas e confusões, representando o coletivo; ou seja, o povo.
Oi Dalila, que bom que você acompanha o blog, fico feliz que goste, pois é para vocês mesmo, leigos interessados, que eu escrevo.
ExcluirEntendo suas palavras, mas acho que existe um "porém" aí. O foco da entrevista era expor o assunto e pontos principais do que é o bóson de Higgs para a sociedade leiga, ótimo é realmente isso que deve acontecer. Mas como? O programa deveria ser estruturado; uma abertura com informações corretas, divisão de temas, seleção de perguntas leigas, tempo de resposta para o entrevistado condizente com a necessidade dele, foco nos pontos principais do conteúdo. Com isso a entrevista seria muito mais produtiva e clara e menos gente teria reclamado. Devido a desorganização, no final, o coitado do Rosenfeld fala que ele nem sequer teve tempo de explicar o que era bóson.
Como eu disse em um comentário acima, a primeira coisa que temos que ter ao tratar desse tipo de assunto é responsabilidade, segundo é que você quer ensinar algo, e ensinar vai além, muito além, de responder perguntas leigas. Obviamente que uma entrevista não é lugar para se ensinar, mas ao menos para se direcionar. Se um leigo tem dúvidas de como o bóson de Higgs se relaciona com viagens no tempo, por exemplo, beleza, mas ali é o lugar para se expor pontos importantes do porquê de se pesquisar, o que aquilo muda em nossa vida, na ciência, na sociedade, o que é o bóson de Higgs e o porque ele é importante. Pontos secundários ficam para outras ocasiões, ainda mais com o tempo limitado que eles tinham. No final das contas a entrevista se resumiu a "bóson de Higgs dá massa as partículas", "Rosenfeld é ateu", "Rosenfeld tem dificuldade em rotacionar um guardanapo", "salada de energia e matéria escura" (coisa que nem era necessário os repórteres baterem tanto em cima naquela ocasião).
Mas o que eu estou vendo é que parece que muitos leigos gostariam mesmo, não de uma entrevista, mas sim um programa em que ele só respondesse perguntas, e isso me deu uma idéia, vou chamar uns colegas e tentar fazer uns hangout para essa semana sobre o bóson de Higgs