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NÃO É "Só" Uma Teoria!
Sempre vejo em comentários no facebook uma coisa que me irrita
um pouco, o famoso “é só uma teoria”. O assunto é de fato de uma complexidade
extrema, pois aqui não existem precisões de definições e escrever um texto sem
abordar diretamente aspectos históricos e epistemológicos de grande profundidade,
se torna um desafio impar. Vamos tentar, mas antes me deixe tentar te situar um
pouco.
O que me aflige é que em textos, comentários de facebook,
blogs, vlogs e na TV, é corriqueiro encontrar alguém que diga “é apenas uma
teoria” se referindo à Teoria da Relatividade, à Mecânica Quântica, à Teoria da
Evolução, à Teoria de Big Bang entre muitas outras. Para alguém envolvido de
certa forma com a ciência isso é quase um soco no estomago, mas para o resto da
sociedade é difícil de fato distinguir uma “teoria científica” e de uma “idéia pessoal”,
pois essa visão de “teoria” ser uma idéia sem muito fundamento, baseado no que
uma pessoa acha, é a forma mais usada para a palavra.
Mas afinal essas teorias são “apenas teorias”? O que de fato
é uma “teoria”? O lado pessoal tem muita ou pouca influência nessas teorias?
Vamos começar esse texto tratando de alguns aspectos sobre o que é “ciência”
e como ela é feita (você já se perguntou sobre isso?), mas isso é algo complexo
que me renderia não um texto, mas sim livros e mais livros. Por esse motivo vou
dar uma definição funcional e concisa (um pouco cartesiana), mas deixarei no final
do texto links para livros que vocês deveriam ler para de fato entender o
assunto – Não se limite a esse pequeno texto!
Para nosso propósito, compreendemos Ciência como uma ferramenta a qual agregamos conhecimento sobre a sociedade, seres vivos, átomos, planetas e tudo mais que está contido no universo a nossa volta. A partir do conhecimento científico podemos explicar desde fenômenos corriqueiros como a chuva, eventos cosmológicos como buracos negros ou microscópios como elétrons saltando de suas órbitas. Podemos também entender nossa sociedade, como ela funciona, se relaciona, se desenvolve. Descrever o desenvolvimento da vida, a interação entre os seres vivos, a evolução e muito mais.
De forma geral, a construção desse conhecimento segue regras comuns, as quais constituem o método científico¹.
Para uma informação ser aceita pela ciência, ela deve passar pelos seguintes
processos:
Primeiro se observa o fenômeno em
questão que se quer estudar, a observação pode ser direta ou não. Na observação
podemos utilizar microscópios, telescópios, olho nu e etc. Após isto,
formulamos uma pergunta sobre o que observamos para poder estreitar nosso foco
da investigação e especificar o problema.
Então damos mais um passo, que é a formulação de uma hipótese, ou seja, propor uma explicação lógica em forma de hipótese que descreva o fenômeno observado e preveja novos fenômenos.
Depois, realizamos experiências
controladas para testar nossa hipótese e então recolhemos e analisamos os
dados, se eles condizem com o esperado temos a comprovação da nossa hipótese,
caso contrário, temos que reformulá-la. Porém, ainda não podemos dizer que isso
é ciência, ainda nos falta dois aspectos importantíssimos e que jamais podemos
deixar de lado, são eles: a causalidade e a falseabilidade.
Apesar dos nomes um tanto
complexos elas são relativamente simples de se compreender, a primeira nos diz
a relação entre causa e efeito², ou seja, como um fenômeno primário acarretaria
um fenômeno secundário. A segunda nos diz algo interessantíssimo: toda hipótese
precisa ser testada, garantindo a sua verificação como verdadeira ou falsa,
podendo assim ser contestada.
Com isso tudo temos uma teoria recém nascida que irá acumular, ao longo do tempo, evidências diretas e indiretas que consolidam. Mas mesmo depois desse longo caminho ainda não temos uma verdade absoluta e nem nunca teremos, o que teremos é apenas uma modelo que descreve aproximadamente bem o observado, tal modelo pode no futuro ser substituído por um modelo melhor que abranja mais fenômenos e os explique com maior precisão.
Com isso tudo temos uma teoria recém nascida que irá acumular, ao longo do tempo, evidências diretas e indiretas que consolidam. Mas mesmo depois desse longo caminho ainda não temos uma verdade absoluta e nem nunca teremos, o que teremos é apenas uma modelo que descreve aproximadamente bem o observado, tal modelo pode no futuro ser substituído por um modelo melhor que abranja mais fenômenos e os explique com maior precisão.
Resumindo, para termos uma teoria científica precisamos ter um modelo consistente com a realidade, que explique fenômenos observados, que preveja corretamente outros fenômenos, que tenha provas diretas e indiretas, que possa ser verificado por qualquer cientista.
Na visão leiga, uma “teoria” é
nada mais do que uma dedução, nem sempre lógica, a partir de fatos observados. Agora compare as duas, a “teoria”
na visão de um leigo e a “teoria” na visão da ciência. Qual delas é de fato
mais sólida? Uma “teoria científica” é apenas uma “teoria”?
Outras Teorias e Alguns Problemas
Acima eu fui um tanto cartesiano
(detesto usar esse termo, pois é um dos xingamentos pseudointelectuais da moda universitária
tupiniquim, principalmente em cursos como psicologia… hahahaa) e por esse
motivo aqui vou tentar tratar de uma forma um pouco diferente.
Primeiramente, nem toda teoria
científica vem daquela forma. Por exemplo, eu trabalho com Teoria Quântica de
Campos (TQC), ela nasceu basicamente da união de duas teorias altamente consolidadas,
a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade Restrita. Partindo de elementos provenientes dessas duas teorias, estrutura-se novos modelos científicos, que nos levam a criação de uma nova teoria, mais abrangente que funciona como um Framework de teorias, é basicamente uma grande
teoria em que outras teorias são criadas. Como filhos da TQC, temos a Eletrodinâmica
Quântica, que é uma das teorias mais precisas e sólidas que temos hoje, e a
Teoria de Cordas que está em fase de comprovação.
Se a Teoria de Cordas ainda não foi comprovada, porque ela recebe o nome de teoria? Por um motivo simples, ela tem seu berço bem consolidado, é um produto de uma grande “teoria” e por isso ela acaba herdando o título. Mas existem outras teorias que saem desse berço esplendido que não são boas, ou foram descartadas por não condizerem com a realidade. Então existe uma plasticidade da palavra “teoria”. Mas o que tem que se ter em mente é que uma “teoria científica” tem uma base sólida e não é uma idéia maluca inconsistente, feita por um velho descabelado e solitário em uma sala empoeirada.
Mas dando um pouco de advogado do
diabo; essas nossas teorias consolidadas são infalíveis e imutáveis?
Nossas teorias são os melhores
modelos que temos até o momento para descrever fenômenos da natureza, algumas
teorias são ótimas, outras nem tanto. Por esse motivo nossas teorias vão sempre
falhar em alguns momentos e é a partir dessas falhas que ela evolui. Sem esses erros/falhas
a ciência seria um conhecimento estático e sem graça.
Você que é uma pessoa esperta vai
dizer: se é assim tão simples, por que não vemos teorias evoluindo com tanta
facilidade ou mesmo sendo abandonadas?
Essa pergunta toca no cerne da
teoria científica, em uma coisa que chamamos de Paradigma. O paradigma é como a
viga mestra da teoria. Quando encontramos observações e dados experimentais que
não condizem com nossas teorias, a primeira coisa que fazemos não é abandonar a
nossa teoria, mas sim criar forma de a teoria se encaixar naqueles
dados/observação, é como se fizéssemos um remendo na teoria e botássemos ela de
volta na estrada. Com o tempo vamos percebendo se o nosso remendo foi uma
melhoria ou se foi uma tentativa inútil de melhorar uma teoria que não condiz
muito com a realidade. Quando a teoria é ruim, com o tempo surgem tantos
remendos (explicações adhocs) que a teoria rui e temos que formular uma nova,
a esse ponto damos o nome de “quebra de paradigma”, ou seja, nossa teoria que
servia de sustentáculo para o nosso conhecimento naquela área ruiu e temos que
formular uma nova. É mais ou menos assim que a ciência normal funciona.
Resumindo: Nossas teorias
têm bases sólidas, entretanto, a ciência é fruto do conhecimento humano, e como
tal, não apresenta verdades absolutas, dogmas (caso contrário, deixa de ser
ciência), de forma que evolui. Logo, esse conhecimento é de extrema importância
e nos permite aprofundar constantemente nossa interpretação da realidade.
Vou parar por aqui, pois acho que
com essa introdução vocês já podem ter uma pequena idéia sobre o assunto e quem
sabe se sintam motivados(as) a ler os livros abaixo. Caso você seja epistemólogo da ciência, adoraria que nos ajudasse postando nos comentários pontos pertinentes sobre o assunto que eu não abordar no texto.
Lista de livros que acho de suma importância sobre o assunto:
- O que é Ciência - Chalmers
- O que é Ciência - Chalmers
- A estrutura das revoluções científicas - Kuhn
- A lógica da pesquisa científica - Popper
- Mathematics, Science and Epistemology: Philosophical Papers Volume 2 - Lakatos
- Contra o método - Feyerabend.
- Explaining Science; A cognitive Approach - Ronald Giere
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1 – Existe sim na ciência
conhecimento que foi adquirido sem seguir o método científico a risca, mas que
com o tempo esse conhecimento foi aos poucos passando por constantes análises,
confirmações e interpretações. O Método Científico também está longe de ser
infalível e para tratar esse assunto recomendo a leitura de Contra o Método – PaulFeyerabend (mas não leia esse livro sem antes ter lido os livros da lista que
deixei no final desse texto).
2 – Existe
na Mecânica Quântica algumas quebras de causalidade, por isso o método
científico não deve ser tido como absoluto nem infalível, embora ele seja uma maneira
de sermos menos parciais na busca por conhecimento.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Posted by
Thiago V. M. Guimarães