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Uma Introdução Superficial a Buracos Negros

Recentemente tive que fazer um seminário sobre um assunto que não manjava nada; buracos negros. Foi um desafio legal que levou cerca de 2 meses para aprender um pouco sobre esse assunto, e posso afirmar com absoluta certeza que o que sei é ainda de forma absolutamente superficial. Desse pouco que aprendi resolvi fazer um resumo e tentar explicar para vocês de maneira um pouco mais correta esse tema que é tão intrigante.

Lembre-se sempre de clicar nos arquivos linkados, tem textos de apoio explicando alguns termos e artigos bem aprofundados, esses último apenas para que você tome ciência que existe um árduo trabalho técnico/matemático por trás. Ah, tem também uns textos da wikipédia, mas nesses aí você pode confiar.

"strange is the night where black stars rise[...]"¹

Buraco Negro legalzão do filme Interstellar.

O que são buracos negros?

Antes de podermos falar sobre Buracos Negros, precisamos entender o que é o espaço-tempo. E você pode imaginá-lo como o conjunto de eventos de todos os objetos, ou seja, como se fosse um filme no qual todo evento que ocorreu, está ocorrendo ou irá ocorrer é apenas um elemento desse filme. Isso faz com que o espaço-tempo seja o pano de fundo e um dos entusiastas para o assunto em questão. Porém é primariamente necessário criar um arcabouço lógico e matemático para que possamos descrever o espaço-tempo, para então compreendermos como ele atua na existência de Buracos Negros. Aqui no blog eu não irei abordar com muito detalhe, mas você pode achar no ensaio que escrevi (aqui).

No nosso dia a dia se vamos medir distâncias usamos uma régua. Se temos um triângulo retângulo podemos medir os catetos usando a mesma régua e aplicando o teorema de Pitágoras descobrimos qual o tamanho do lado maior desse triângulo. Sabemos também que a soma dos seus ângulos internos é sempre 180º graus. Isso tudo só é possível porque vivemos em um espaço plano, mesmo quando resolvemos afirmar que o tempo é uma dimensão e passamos a viver em um espaço de quatro dimensões, ele continua sendo plano. Mas aqui estamos querendo falar de gravitação e, pela Relatividade Geral, ela está associada a curvaturas no espaço-tempo, ou seja, um objeto curvaria o espaço-tempo e dessa curvatura surge o que chamamos de gravidade. Logo espaços-tempo planos não satisfazem essa descrição e precisamos introduzir a noção de curvatura. As formalidades matemáticas podem ser encontradas no ensaio que linkei acima, mas para esse momento vamos aceitar que simplesmente damos um jeitinho de flexibilizar o espaço-tempo de Minkowski para que ele passe a aceitar essas curvaturas.

Ok, temos um espaço-tempo que pode ser curvado, mas o que causa essa curvatura? Prontamente você pensou "Massa", certo? Essa resposta não está errada, mas ela não é muito abrangente, o correto é dizer que curvatura é causada pela ENERGIA ². Assim se eu tenho um planeta bem gordinho ou um fóton, partícula sem massa, bem energético ambos deformam o espaço-tempo proporcionalmente a sua energia. Esse é um dos motivos pelo qual a luz pode "cair" em um buraco negro, pois embora não tenha massa, ela interage gravitacionalmente.

Aqui cabe uma pergunta: é a deformação do espaço tempo que chamamos de força? 

Sim... e não!  "Sim" porque em casos gerais a visão Newtoniana de força continua funcionando muito bem e no final do texto iremos usá-la. "Não" do ponto de vista da relatividade, pois a "deformação no espaço-tempo" faz exatamente o que o nome diz; deforma tanto o espaço quanto o tempo. Então a maneira como medimos distâncias e contamos o tempo é diferente por causa dessa curvatura. Tá vago? ok, vamos dar exemplo: O tempo na superfície da Terra (região de maior curvatura) passa mais devagar do que para um satélite de GPS em órbita (região de menor curvatura), e isso é tão evidente que precisamos fazer correções relativísticas nesses aparelhos para que funcionem corretamente.

Mas isso é suficiente para explicar a atração gravitacional sem a existência de forças?

Não, o que acontece é que existe o princípio de mínima ação³, que nos diz que nesse caso as partículas sempre vão seguir caminhos no qual o tempo é maior, e esse caminho é justamente o da deformação do espaço-tempo, uma vez que nele o espaço é maior e o tempo é mais devagar. Então se eu sou uma partícula de boa lá vagando no universo e encontro uma deformação, logo eu "penso": "opa, vou pegar esse caminho aqui que o tempo é mais de vagar". Entendido?! Então não há forças, apenas uma tendencia natural dos objetos seguirem um caminho onde o tempo é mais lento e esse caminho é justamente o que leva de encontro ao corpo que produz a deformação do espaço tempo.

Você deve ter achado uma viagem total, mas não vai achando que físico pensa nessas coisas fumando um beck, tomando café e olhando pro quadro negro. Pois existe uma tonelada de experimentos e de matemática evidenciando isso tudo. Apenas para dar um gostinho da coisa, a equação que descreve a curvatura do espaço-tempo frente a uma quantidade de energia é a seguinte:

$R_{\mu \nu} - \frac{1}{2} g_{\mu \nu} R = (8 \pi G/c^{4})T_{\mu \nu} .  (1)$

Mas o que você precisa saber é que o termo $T_{\mu \nu}$ representa a energia do sistema, enquanto $R$ é a curvatura do espaço tempo. Essa é a equação de Einstein e é ela que mostra que uma quantidade de energia pode curvar o espaço tempo.

Agora que sabemos que estamos fazendo nossa física em um espaço-tempo curvo, e que é a energia que causa essa curvatura, podemos falar de buracos negros que surgem da matemática da relatividade geral, mas só no final falaremos sobre como de fato eles poderiam se formar.

Em 1905, um cara muito legal chamado Schwarzenegger Schwarzschild, resolveu descrever um objeto esférico, de massa M e sem rotação a partir das soluções da equação de Einstein, para isso ele impôs uma simetria esférica sobre essas soluções e obteve o seguinte

$ds^{2}= \left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)c^{2}dt^{2}-\left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)^{-1}dr^{2}.  (2)$ 

Essa solução nos permite entender o que acontece com o espaço e o tempo deformados por esse objeto esférico. Mas para que possamos visualizar melhor vamos dividi-la em duas partes, uma temporal (aquele termo que multiplica $dt$) e a outra espacial (aquele termo que multiplica $dr$) e vamos analisar. Começando pela parte temporal, que obviamente descreve como o tempo se comporta nessa situação, temos

$\left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)c^{2}dt^{2}. (3)$

Na qual $G$ a constante gravitacional, $c$ a velocidade da luz, $M$ a massa do objeto e $r$ o seu raio. Agora vamos fazer considerações sobre o raio de objeto e ver o que acontece com a equação (3). Se o objeto tiver $r=0$, ou seja, for um ponto, teremos uma divisão por zero e você sabe bem que isso não pode acontecer. Então vamos dizer que temos uma singularidade em $r=0$, e por singularidade entenda como "valor de $r$ que deu merda na equação", apenas isso. Portanto a gente não pode ter um objeto de massa $M$ com raio igual a zero, e nem faria muito sentido também...

Agora vamos ver a parte espacial (aquela que descreve o comportamento do espaço)

$\left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)^{-1}dr^{2}.$

"Eu não gosto daquele $-1$ ali em cima, tem como arrumar isso?"

Claro, tem sim, fica assim então;

$\frac{1}{\left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)}dr^{2}.(4)$

Se você notar bem, vai ver que temos uma outra singularidade nesse termo, dessa vez para $r=\frac{2GM}{c^{2}}$ e a ela damos o nome de raio de Schwarzschild. Então se um objeto de massa $M$ tiver esse raio, irá surgir um divergência na solução (4). Mas agora, diferente do caso $r=0$, esse raio parece possível de ser obtido. Como gostamos de ver o circo pegar fogo, podemos pegar qualquer planeta ou estrela e descobrir qual raio ela deveria ter para estragar nossa solução.

Por exemplo, se eu pegar um planeta qualquer e, de alguma forma, comprimir seu raio até o tamanho do raio Schwarzschild (SEM PERDER MASSA), sobraria um objeto estranho, bem pequeno e denso, justamente onde estão aquelas singularidades. A esses objetos damos o nome de buraco negro e o raio de Schwarzschild delimita o famigerado horizonte de eventos.
   
Agora que tivemos essa ideia maluca e impossível de comprimir um planeta até ele se tornar um buraco negro, precisamos falar de dois fenômenos bem legais que surgem na física.

O primeiro é uma bizarrice temporal. Vamos considerar que temos um buraco negro de massa $M$. Se jogarmos um relógio dentro dele notaremos, pela equação (3), que a medida que que o relógio se aproxima do horizonte de eventos, $r_{Scwh}=\frac{2GM}{c^{2}}$, o tempo vai parando para ele, até que finalmente para quando o relógio atinge o $r_{Scwh}$. Isso é assustador, pois eu simplesmente veria aquele relógio "parar" ao chegar no horizonte de eventos, indicando que o tempo pára dentro do buraco negro... uow. (veja um aplicativo legal sobre isso)

Já a parte espacial nos diz que o redshift para uma radiação tentando escapar do buraco negro é infinito, a grosso modo isso quer dizer que para alguma radiação - leia: luz - escapar daquela região ela precisaria de energia infinita. Tal fato não é óbvio de se ver apenas olhando para a equação (3), portanto uma demonstração mais legalzinha pode ser vista aqui.

Pare para pensar um pouco (!). Nessas linhas acima fizemos um objeto astrofísico muito estranho, no qual o tempo parece parar e a radiação parece não conseguir escapar. Se você não ficou abismado com isso, talvez eu tenha falhado nesse texto.

Esse buraco negro que trabalhamos até aqui é o mais simples que existe e é chamado de buraco negro de Schwarzschild. Ele é simples porque é apenas um corpo esférico sem rotação e sem carga, mas existem soluções excitantes que trabalham com buracos negros com rotação e carregados, esses não tratarei agora, pois o texto está ficando enorme e a gente ainda nem falou como os buracos negros podem surgir na natureza.

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Antes de continuar, é legal que você note algumas coisas:

1 - Não falamos de gravidade absurdamente alta em nenhum lugar e vamos continuar assim.

 2 - Se o sol, por algum motivo bem desconhecido, se tornasse um buraco negro o que aconteceria com a Terra? A reposta óbvia é que seria sugada por ele e não sobraria nada da gente. Mas essa resposta está completamente errada, pois veja bem, aqueles fenômenos estranhos que citamos acima, acontecem apenas na região do horizonte de eventos⁴ e não distante dele, fora dessa região o buraco negro se comporta como um corpo de massa qualquer. Logo, o Sol apagaria e a gente ficaria no escuro, mas gravitacionalmente continuaríamos girando ao redor dele como fazemos atualmente.
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A ideia absurda de um objeto astrofísico com essas características tão estranhas não era levada muito a sério até que trabalhos do Chandra levaram a possibilidade de uma estrela com massa de 3 a 5 vezes maior que a do sol colapsar e formar um corpo extremamente denso. Mas para podermos entender como isso ocorre precisaremos de um pouco de mecânica quântica. 

(Abaixo, vou adotar o conceito de força gravitacional para facilitar a compreensão)
Uma estrela passa sua vida em um duelo gravitacional, pois sua superfície é atraída para seu centro devido a força da gravidade, enquanto que a pressão gerada em seu interior devido à reações nucleares tende a empurrar a superfície da estrela no sentido oposto ao da atração gravitacional. Então a vida da estrela fica nesse empurra e puxa entre a atração gravitacional e a pressão interna, se essa última for muito maior que a força da gravidade a estrela explodiria (ou iria inchar consideravelmente), e se a força gravitacional fosse maior que a pressão interna a estrela iria implodir... portanto é o equilíbrio entre a pressão interna e a força da gravidade que a mantém estável. 

Mais detalhadamente, uma estrela emite intensa radiação através de uma sucessão de reações termonucleares. Primeiramente a estrela é constituída de hidrogênio, que através dessas reações termonucleares converte o hidrogênio em hélio. Quando todo o hidrogênio é consumido, a estrela cessa suas reações nucleares, então a gravidade toma espaço e comprime o hélio até que haja novamente reação nuclear. Assim a estrela começa a produzir elementos químicos cada vez mais pesados até chegar no ferro, silício e demais. Nesse momento novamente as reações nucleares cessam e a estabilidade da estrela fica a mercê da força gravitacional, havendo apenas um efeito que impede o colapso total, que é a pressão de degeneração do elétron⁵ atuando em sentido contrário a da gravidade. Ou seja, nesse ponto que chegamos existe uma pressão de origem quântica que está segurando o colapso total dessa estrela. Mas como a gente quer ver sangue e destruição, vamos considerar uma estrela massiva o suficiente para a força gravitacional superar essa pressão de degeneração do elétron, com isso os neutrinos escapam da matéria e a estrela se transforma em uma estrela de nêutrons. Por sua vez, a estrela de nêutrons remanescente possui estabilidade assegurada pela pressão de degeneração do nêutron. Se a massa da estrela for grande suficiente para superar a pressão de degeneração do nêutron a estrela colapsa e


se torna uma superfície compacta chamada de horizonte de eventos que circunda uma singularidade, ou seja, um buraco negro.

Pronto, nessa caminhada vimos como buracos negros surgem na teoria da Relatividade e acabamos de ver como eles podem surgir do colapso de uma estrela massiva. Mas falta ainda algo interessante que é o coração do buraco negro que está dentro desse horizonte de eventos.

Como falamos anteriormente, nosso buraco negro é composto por uma singularidade circundada por uma região compacta bidimensional chamada de horizonte de eventos, que consiste em uma superfície "aprisionadora fechada" (trapped surface), que podemos definir como um conjunto de pontos em uma superfície fechada sobre a qual os raios de luz que apontam para fora, na verdade, estão convergindo,  ou seja, movendo-se em direção ao interior da superfície.  

"QUE? explica isso melhor."

Imagine que somos dois feixes de luz, e estamos tentando escapar de dentro de um buraco negro correndo em direção a borda dele... mas quando percebemos na verdade estamos indo em direção ao centro do buraco negro e não para fora, assim estamos eternamente presos lá dentro e tudo que fizermos ficará eternamente lá, pois essa região é desconectada do resto do espaço-tempo... triste isso não?

Por sua vez, e resumindo, a singularidade é uma região que o tempo não existe, que está desconectada do espaço-tempo e que tudo que acontece lá fica lá, igualzinho um cassino de Las Vegas.

Cansei de escrever e vocês devem estar cansados de ler. Espero muito mesmo que tenhamos aprendido um pouquinho sobre buracos negros sem toda aquela frescura que você encontra na maioria dos textos da internet. Claro que aqui não falamos de vários assuntos interessante, nem de algumas curiosidades que valem muito a pena saber e a definição de singularidade não ficou lá aquela beleza. Mas isso tudo fica para um outro texto que não vou prometer, se vocês curtirem esse eu penso num próximo.

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Referências:

[1] G. E. Romero, \textquotedblleft{}Introduction to black holes\textquotedblright{}.arXiv:0805.2082v1 [astro-ph] 14May 2008.

[2] R. M. Wald, \textquotedblleft{}General Relativity\textquotedblright{}. USA: The University of Chicago Press, 1984.

[3] F. A. Villaverde, "A Matriz S em Teoria Quântica de Campos em Espaços Curvos'', (Dissertação de Mestrado), Instituto de Física - Departamento de Física Matemática (USP),  São Paulo - SP, 2012.
 

[4] G. F. R. Ellis, R. M. Williams \textquotedblleft{}Flat and Curved Space-Times\textquotedblright{}.New York: Oxford University Press, 2000, segunda edição.

[5] S.W. Hawking e G.F.R. Ellis, \textquotedblleft{}The large scale structure of space-time\textquotedblright{}. USA: Sindicate of the University of Cambridge, 1994.

[6] S.M Carroll,  \textquotedblleft{}Lectures Notes on General Relativity\textquotedblright{}. arXiv:gr-qc/9712019v1 3 Dec 1997

[7] A. Einstein, \textquotedblleft{}The Foundation of the General Theory of Relativity\textquotedblright{}. Annalen der Physik 354 (7): 769. doi:10.1002/andp.19163540702.

[8] S. Chandrasekhar, \textquotedblleft{}The Mathematical Theory of Black Holes\textquotedblright{}. International Series of Monographs on Physics. New York: Oxford University Press, 1983.

[9] M. Vojinovic, \textquotedblleft{}Lecture Series on General Relativity\textquotedblright{}. Universidade de Lisboa, 2010.

[10] M. Visser, \textquotedblleft{}The Kerr spacetime: A brief introduction \textquotedblright{}. Victoria University of Wellington. arXiv:0706.0622v3 [gr-qc] 15 Jan 2008.

[11] R. P. Kerr and W. B. Wilson, \textquotedblleft{}General Relativity and Gravitation\textquotedblright{} 10 (1979), 273.

[12] P.K. Townsend, \textquotedblleft{}Black Holes\textquotedblright{}. arXiv: gr-qc/9707012v1 4 jul. 1997.
 

[13] S. L. Shapiro, e S. A. Teukolsky,  \textquotedblleft{}Black Holes, White Dwarfs, and Neutron Stars: The Physics of Compact Objects\textquotedblright{}. New York: Wiley, 1983.

[14] S. Gasiorowicsz \textquotedblleft{}Quantum Physics\textquotedblright{}.United State of America:Wiley International Edition, 2003, terceira edição.

[15] Y. Choquet-Bruhat, \textquotedblleft{}General Relativity and Einstein's Equations\textquotedblright{}. New York: Oxford University Press, 2009.

[16] M. Ludvigsen, \textquotedblleft{}General Relativity, A geometric Approach\textquotedblright{}. United State of America: Cambridge University Press, 1999.




1 - trecho retirado de "Cassilda's Song" in The King in Yellow Act 1, Scene 2 - R. Chambers 1895.

2 -  Sendo mais preciso, pelas equações de Einstein, o que curva o espaço tempo é o tensor energia-momento. 

3 - Na verdade o mais correto é "Extremizar a ação", que é algo BEM matemático e não cabe nesse texto, nem vou passar referência porque seria em um livro nada amigável.

4 - Para ser mais exato, a região que começamos a sentir os efeitos malucos do buraco negro é na verdade delimitada pelo raio de Roche, mas desconsiderando os chamados efeitos de maré, tudo que estamos tratando está correto. Veja mais aqui.

5 - A pressão de degeneração (ou de degenerescência) é um fenômeno quântico que não possui análogo clássico, portanto você pode entendê-la como a pressão que  tem origem no princípio de exclusão de Pauli, o qual não permite que dois elétrons (férmions) ocupem simultaneamente o mesmo estado quântico, dando origem a uma pressão contrária a compressão gravitacional da estrela. De maneira mais simplista,  considere um gás de elétrons, quando você o comprime os elétrons ficam muito próximos e a energia cinética deles fica bem grande, com isso você tem uma pressão no sentido contrário a sua compressão, e essa justamente a pressão que chamamos de pressão de degeneração (ou de degenerescência). O princípio de exclusão de Pauli entra bem aí, pois ele diz que se você tiver dois elétrons com mesmo spin, por exemplo (se for ser mais correto deveríamos afirmar que os 4 números quânticos não podem ser iguais, mas fiquemos só com o spin), eles não podem ocupar o mesmo estado de energia dentro de um determinado volume (no nosso caso a estrela). Aí quando os níveis mais baixo de energia já estão preenchidos, os outros elétrons começam a ser forçados a níveis de energia cada vez mais altos, fazendo com que a energia cinética deles vá aumentado e crie a pressão de degeneração que mantém a estrela resistindo ao colapso gravitacional.
domingo, 21 de dezembro de 2014
Posted by Thiago V. M. Guimarães

Physics Act está morto!

Em sua morada no Wordpress, Physics ACT morto, jaz sonhando .

Depois de quase 10 anos de existência o Physics ACT finalmente morreu e como eu tinha cerca de 2 mil visitas diárias nele, mesmo estando parado, acho que seria oportuno, e até respeitoso, escrever essa nota. Mas, a princípio, vou contar um pouco da minha história, de como Physics ACT surgiu e porque acabar com ele.

Tudo começou quando eu tinha 16/17 anos. Nessa época eu resolvi participar de uma feira de ciências na minha escola e meu projeto era fazer uma Bobina de Tesla. Pesquisei muito e escrevi meu próprio projeto baseado em outros já existentes, além disso tive que escrever resumos sobre as teorias que envolviam esse e os demais experimentos, o que me deu gosto por tentar escrever sobre ciência. Meus dois primeiros textos foram “Estrelas de Nêutrons” e “O Sol” que tinham relações óbvias com eletromagnetismo. Meus professores gostaram dos textos e com isso comecei a procurar blogs nos quais eu pudesse escrever. Sim, eu tinha uma visão estupidamente errada sobre divulgação científica, mas eu era apenas um adolescente de 16 anos, sem ninguém para me guiar nesse caminho, que adorava ciência e escrever. Por conta da escassez de blogs e sites de física da época, resolvi criar meu próprio e fiz tudo nele, desde o nome até o logo – que baseei no da editora Bookman. E lá comecei a escrever meus textos e a fazer um enorme apanhado de conteúdos. Como eu era apenas um garoto de 16 anos, no segundo colegial, meu conhecimento era pequeno, mas a pequenez de conhecimento sempre nos faz achar que sabemos muito, ou razoavelmente bem, algum assunto... e portanto eu escrevia sem pensar na forma como abordar algo, ou mesmo se eu estava correto sobre aquilo.

Dois anos depois, e quase 400 posts, eu entrei na faculdade finalmente. Como fui cursar física resolvi direcionar meu blog para assuntos mais didáticos. Comecei a postar aulas, resoluções de livros, livros e etc. Além de ter começado a olhar meio torto para os textos do passado. A medida que avançava na graduação, eu ia mais e mais me distanciando do que tinha escrito anteriormente, afinal, eu havia começado a me profissionalizar como físico, é natural que eu visse problemas nos textos do passado. Depois que cheguei ao terceiro ano da graduação eu quis escrever sobre assuntos ainda mais técnicos e, nesse momento, no Physics ACT era possível encontrar textos de divulgação mal escritos, solucionários, livros, aulas de ensino médio e conteúdo de Física Matemática. Pouco tempo se passou e vi que o blog tinha se transformado em um monstro bizarro que não coincidia mais com minha visão de divulgação, uma vez que a graduação estava no final e, além disciplinas do bacharelado, eu tinha estudado teorias de educação e etc - sou licenciado também.

O Blog estava sobrecarregado, feio e com conteúdos “errados” que carregavam meu nome no rodapé. Em nada eu parecia com aquele adolescente que tinha escrito aqueles textos. Eu havia crescido, me tornado um chato e cheio de preciosismo, como muitos físicos. O Physics, apesar de ter sido um companheiro de longa data, tinha se tornado um peso e já estava na hora de morrer e foi isso que decidi. Mas fiquei procrastinando por alguns anos, como aquela pessoa saudosista que tem receio de se desapegar do passado... até hoje!

Enfim, Inês está morta! O Physics não volta mais, seu conteúdo não sei será remanejado de fato, me falta tempo e vontade de fazer isso.

Algumas curiosidades;

- O “ACT” do final é uma sigla que não significa nada. É uma brincadeira com uma música do Nirvana chamada Lounge ACT e posteriormente com o ACTA Physica (uma falecida rede social para físicos).

- Na época que comecei, só tinham 2 sites famosos, o “Física Interativa” (do Paulo) e o “Quase Físico” (não, não aquele da página do facebook).

- Meu primeiro texto foi publicado em uma página com foco em aviação militar brasileira, o “Sentando a Pua”, nem sei se o site que existe hoje tem vínculo com o que existia naquela época.

- O blog já teve mais de 15 mil visitas em 1 um dia e fiquei nos trends da Wordpress.

- O CNEN tinha o blog linkado em seu site e na época eu fiquei super feliz com isso.

- Existiam vários easter eggs escondido no blog e nesse aqui também, sempre gostei disso.

- Estamos usando os dados recolhidos nesse tempo de blog, junto com o True Singularity e o Ddimensões, para escrever um artigo sobre a divulgação científica no Brasil... provavelmente será o primeiro com esse foco.

- Provavelmente o Simetria de Gauge também morra num futuro não tão distante.

Então é isso, caso alguém queira ou precise de algo que estava lá é só entrar em contato comigo que eu passo por e-mail.


sábado, 12 de julho de 2014
Posted by Thiago V. M. Guimarães

Fantasmas Quânticos


Olá pessoal, passei aqui pra uma rápida nota sobre uma notícia que eu venho acompanhando e que veio a calhar no assunto que estamos abordando aqui no blog, que é a mecânica quântica...Como é uma nota rápida ela pode ficar meio superficial para aqueles que não acompanham o blog, por tanto sugiro que leia também os seguintes textos para a crítica ser mais consistente:A Cura Quântica, O Gato Zumbi de Schrödinger,10 argumentos que você não deve usar em uma discussão sobre misticismo quântico.

Apesar do título não vamos falar sobre "ghosts" que de fato existem na física, mas sim de fantasmas mesmo, aqueles que puxam seu pé a noite.

Há uma semana atrás vi um caso interessante sobre uma família do norte do Rio Grande do Sul que supostamente estava passando por casos de Poltergeist e como sou fã de histórias do tipo, mesmo encarando-as como ficção, resolvi acompanhar o caso (via internet é claro). Eis que hoje vejo o Daniel reclamando desse vídeo, claro que eu não poderia deixar de abordar o assunto aqui, já que eu estou discutindo com vocês sobre MQ e ainda mais agora que sou "especialista" em engenharia consciencial quântica¹ (kkkkkkkk).
"indaguei da sombra seu nome e lugar de nascimento. E a sombra respondeu: “Eu sou a SOMBRA e minha morada está perto das catacumbas de Ptolemais, junto daquelas sombrias planícies infernais que orlam o sujo canal de Caronte”. E então, todos sete, erguemo-nos, cheios de horror, de nossos assentos, trêmulos, enregelados, espavoridos, porque o tom da voz da sombra não era de um só ser, mas de uma multidão de seres e, variando suas inflexões, de sílaba para sílaba, vibrava aos nossos ouvidos confusamente, como se fossem as entonações familiares e bem relembradas dos muitos milhares de amigos que a morte ceifara."  Edgar Allan Poe
Inicialmente seria legal se você assistisse esse vídeo explicando o caso todo.

Vamos partir do começo de tudo, abra o vídeo para que possamos ir no bom e velho estilo desse blog, parte por parte.

Na abertura da notícia a repórter diz:

"[...] Essa semana voltamos ao assunto para saber como a Física Quântica explica esses fenômenos e as descobertas da ciência em relação a espiritualidade"

Começamos bem. A física quântica, ciência que descreve necessariamente a dinâmica de partículas subatômicas, nos diz tanto sobre pedras que caem em telhados, sobre socos na parede e possessão demoníaca quanto diz sobre porquê unicórnios vomitam arco-íris.

É impossível modelar os fenômenos citados na mecânica quântica, uma pedra de forma alguma apresenta caraterística passivas de serem descritas como quânticas, uma vez que é um objeto estritamente macroscópico e clássico. Em relação ao soco desferido na parede, se de fato houve o impacto, foi algo físico macroscópico que se chocou contra ela. Portanto o objeto, bem como a parede, seguem as leis da mecânica clássica... ou você pode pensar que foi um saci, capeta, leprechau, chupa-cabra, mula sem cabeça, a sombra, um gremlin, ou qualquer outra coisa esmurrando a parede da casa de alguém, mas aí nenhum ramo da ciência estuda esses casos.


Por último, as descobertas da ciência em relação a espiritualidade continuam, infelizmente, nulas...

Desafio aos articuladores dessa empreitada da mística quântica a mostrarem matematicamente e com conceitos sólidos que é um fenômeno quântico e espiritual que está ocorrendo nesse caso e em qualquer outro.

imagem do verreaux @deviantART
"[...] De um lado a ciência e de outra a espiritualidade, será que existe mesmo essa separação? Para os físicos quânticos não!"

Ok, ok, ok.... existem milhões de físicos que trabalham com MQ que acreditam em espiritualidade e isso não tem, absolutamente, nenhum problema. Mas os "físicos quânticos" (entenda como o físico - profissional - que trabalha com MQ) sabem muito bem a distinção acadêmica entre o que é ciência e o que é sua visão religiosa de espiritualidade, e sabe principalmente que elas não se tangenciam, pois a primeira é um corpo de conhecimento materialista com bases distintas do segundo, que está na esfera de crenças, por conseguinte pertencendo ao domínio da fé. Claro que existem físicos que acreditam que de alguma forma, algum dia, a mecânica quântica talvez modele fenômenos que hoje são tidos como sobrenaturais, porém isso é especulação pessoal de alguns indivíduos, a comunidade acadêmica não compactua com essa visão.

Agora não mais a repórter, mas sim o "Físico Quântico" é quem vai falar. Opa, antes vamos ver se ele é físico de verdade:
O nome do físico é "Moacir Araujo de Lima", se ele já fez qualquer trabalho como físico ele deve ter um currículo na plataforma Lattes... e ele de fato tem (veja aqui). Como está na própria descrição

possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1986), graduação em Licenciatura Em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1967), graduação em Bacharelado Em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1967) e mestrado em Letras Lingüística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2001). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, atuando principalmente nos seguintes temas: a ciência e o espírito, comunicação eficaz, mente, percepção e plenitude.

O "Físico Quântico" é na verdade um bacharel/licenciado em física de formação, ou seja, cursou a disciplina de MQ I e talvez MQ II durante a graduação apenas, não possui nenhuma especialização que possa dar o título de físico especialista em qualquer coisa da área de quântica do ponto de vista acadêmico. É pertinente ainda, ressaltar que ele trabalha com mistica quântica, em seu site "Professor Moacir" há alguns texto sobre assuntos como "pensamento quântico" e livros sobre isso também.

Vamos agora ao que ele fala.

"A Física Quântica, dentro do terreno da filosofia da ciência, deu uma abertura muito grande para a espiritualidade [...]"


De forma alguma, o fato de conceitos clássicos não serem necessariamente válidos na mecânica quântica não implicam em brechas para espiritualidade. Colocar espiritualidade na mecânica quântica é tão válida quanto usar a mesma para provar a existência de seres imaginários, como Cthulhu²... Vamos tentar invocá-lo pra ver se funciona:

Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn.
I’a k’nark Cthulhu kyr’w qu’ra cylth drehm’n El-ak. U’gnyal kraayn.³

é... não está dando muito certo. :(

Por fim, ele ainda cita que a MQ quebra a lógica de verdadeiro ou falso, o que é mentira. Existe muita coisa falsa na MQ, por exemplo, um elétron sozinho pode ter spin -1/2 e 1/2, mas NUNCA um spin inteiro.

Agora falando sobre pedras que caem no telhado e dentro da casa:

"[...] Explicação melhor que se tem para esses objetos que parecem atravessar paredes [...] seria o fenômeno de uso de outra dimensão [...]"


O que ele diz é isso: "Uma pedra de uma outra dimensão (SIC) sofre um fenômeno quântico e vem parar na nossa dimensão".

Primeiramente que o termo dimensão está errado, o correto seria universo paralelo. Segundo que, como já falamos antes, pedra é um objeto clássico portanto não é possível que ela tunele entre dois universos conectados (de alguma forma). Tunelamento quântico é uma características de objetos quânticos em situações específicas que não é compartilhado por objetos clássicos, então esperar que isso ocorra é mais absurdo do que esperar que a pedra tunele através de uma parede quando arremessada contra a mesma, por exemplo. Agora me diga, qual a probabilidade de você arremessar uma pedra contra uma parede e ela atravessar para o outro lado como se nada houvesse lá?

Outro ponto é que universos paralelos são especulativos até mesmo dentro da ciência⁴, não temos evidências concretas de que há de fato objetos quânticos atravessando de um universo para outro, logo, pensar em pedras tunelando entre universos é absurdo.

"[...] Os espíritos desencarnados[...] não podem influenciar na matéria física por questão de vibração, de densidade[...]"


Esse ponto é estritamente religioso, não posso falar nada sobre isso, mas achei legal ele usar palavras soltas, como densidade e vibração sem nem explicar o contexto e o que isso significa de fato. É vibração de quê? É densidade de quê? Essas palavras foram usadas para impressionar leigos apenas?

No ponto que entram em medicina eu não posso falar nada também, mas note que eles não afirmam que as ciências médicas provam a existência de um mundo espiritual.

O resumo disso tudo é simples, mais um assunto misterioso e mais um cara da mística quântica se aproveitando da situação pra falar um monte de bobagens sobre mecânica quântica. E tenho que concordar que parece que o físico da reportagem tirou seus conhecimentos sobre universos paralelos de algum documentário do History Channel. Sem mais, acho que ficou claro no texto que a intenção não é tratar a existência ou não do mundo espiritual, mas sim que as explicações do físico para o tema são completamente descabidas, fugindo torpemente do que de fato conhecemos sobre um assunto científico.

---- ATUALIZAÇÃO----

Estamos tentando reclamar com a RBS TV sobre o ocorrido, se quiserem ajudar ficaríamos gratos.


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Pessoal, estou há mais de um mês escrevendo um texto sobre buracos negros, acredito que na semana que vem eu já post.

1 - Eu fiz um curso no learncafe sobre o assunto, tenho até certificado, agora eu posso falar como um especialista.

2 - O Daniel falou do Lovecraft fiquei com inveja, também quero ser cult.

3 - se quiser continuar a tentativa de invocar Cthulhu, tente por aqui

4 - especulativo é diferente de pseudocientífico, existem muitos pesquisadores sérios que trabalham com teorias que suportam multiversos.
segunda-feira, 16 de junho de 2014
Posted by Thiago V. M. Guimarães

Dualidade Onda-Partícula e Função de Onda


Continuando nossa série de textos sobre Mecânica Quântica. No texto anterior abordamos uma introdução não histórica sobre o assunto e hoje vamos falar sobre a dualidade onda  partícula e função de onda.

Sir Isaac Newton acreditava que a Luz era uma partícula, que podia colidir e ricochetear em um espelho ou uma superfície, assim como uma bolinha quando você a joga na parede. Entretanto na metade do século XIX, a partir de vários trabalhos no eletromagnetismo, pudemos demonstrar suas propriedades, como sua velocidade, polarização, etc., como manifestações de campos eletromagnéticos. Por exemplo, utilizando o eletromagnetismo clássico, podemos construir uma função matemática que rege ondas eletromagnéticas, da seguinte forma:

$\nabla^{2}E=\epsilon_{0}\mu_{0}\frac{\partial^{2} E}{\partial^{2} t}$
$\nabla^{2}B=\epsilon_{0}\mu_{0}\frac{\partial^{2} B}{\partial^{2} t}$
 
As equações acima são o que chamamos de equação diferencial de segunda ordem (e você pode ler sobre elas aqui), elas nos dão o comportamento dos campos elétricos e dos campos magnéticos, ou seja, como eles se propagam. Se as constantes $\epsilon_{0}$ e $\mu_{0}$ são bem conhecidas por nós desde o ensino médio como permissividade elétrica do vácuo e permeabilidade magnética do vácuo, respectivamente. Se olharmos com cuidado para essa equação vemos uma coisa importante, a $\epsilon_{0}$ possui dimensão dada por $\frac{s^{4}A^{2}}{m^{3}Kg}$, por sua vez $\mu_{0}$ possui dimensões dada por $\frac{N}{A^{2}}$, sendo $s$ segundos, $A $ Ampére , $m$ metros, $N=kgm/s^{2}$ Newton. Com isso vemos que o produto $\epsilon_{0}\mu_{0}$ possui a dimensão $\frac{s^{2}}{m^{2}}$, ou seja, é o inverso do quadrado da dimensão de velocidade, assim podemos escrever
 
$v=\frac{1}{\sqrt{\epsilon_{0}\mu_{0}}}$

Aqui vemos que a velocidade de propagação da onda eletromagnética depende apenas da constante de permissividade elétrica do vácuo, $\epsilon_{0}$, e a permeabilidade magnética do vácuo, $\mu_{0}$. Mas o ponto interessante é que o resultado da equação da velocidade bate muito bem com a velocidade da luz. Para verificar isso, vamos substituir os valores das constantes na equação,  então


$v=\frac{1}{\sqrt{8.854187817x10^{-12} 1.2566370614x10^{-6}}}m/s$

fazendo o cálculo:

$v= 2,997924580 × 10^{8}m/s$

podemos concluir que

$v \cong c$

Esse resultado foi tão surpreendente que o próprio Maxwell concluiu:

Esta velocidade é tão próxima da velocidade da luz que parece que temos fortes motivos para concluir que a luz em si (incluindo calor radiante, e outras radiações do tipo) é uma perturbação eletromagnética na forma de ondas propagadas através do campo eletromagnético de acordo com as leis eletromagnéticas.

Ow, isso é óbvio para nós hoje em dia, mas na época foi um baita resultado, praticamente tínhamos provado que a Luz era uma onda eletromagnética.

“Mas então abandonamos a visão da luz como sendo uma partícula?”

Not so fast! Lembra-se do texto passado? Nele vimos que a teoria do eletromagnetismo não conseguia explicar a radiação de corpo negro e foi preciso quantizar a energia, ou seja, uma onda eletromagnética de frequência $\nu$ só poderia ter energia igual a múltiplos inteiros de $h\nu$ (constante de Planck vezes a frequência da onda). Em 1905 Einstein¹ generalizou essa ideia e trouxe de volta a interpretação da luz como partícula. Agora, a luz era vista como feixe de quantas, chamado de fótons, com energia $h\nu$. Vinte anos mais tarde, essa hipótese foi comprovada experimental por meio do efeito Compton.

De tudo isso podemos concluir que a interação de uma onda eletromagnética com a matéria ocorre por meio de processos indivisíveis elementares, em que a radiação parece ser composta por fótons.

Agora vamos focar nossos esforços em entender melhor essa dualidade onda-partícula a partir do experimento da Dupla Fenda de Young. Nossa meta é ver claramente que a descrição completa do fenômeno só pode ser dada se considerarmos os aspectos de partículas e ondulatórios da luz.

Veja abaixo essa imagem que furtei desse site:




Na imagem temos uma fonte de luz monocromática (uma cor só), que incide em uma barreira (pode ser uma chapa de metal) com duas fendas. Após parte da luz que passa pelas fendas ela irá atingir uma tela (screen) posta atrás da barreira. Inicialmente tapamos uma das duas fendas e obtemos o resultado abaixo:

difração de ondas ao passar por uma fenda

Na imagem acima podemos ver o claro padrão de difração de uma onda, semelhante ao padrão de ondas sonoras, por exemplo, ao contornar um obstáculo, ou mesmo a água, como é possível na imagem abaixo:

difração na água

Quando deixamos as duas fendas abertas iremos obter um padrão de interferência nas ondas, como na Imagem abaixo. Nela as regiões escuras na intersecção das ondas são os padrões destrutivos que ocorrem quando as ondas eletromagnéticas se sobrepõem.


Padrão de interferência da luz forma as linhas escuras longitudinais
Na figura (a) vemos um raio de luz incidente em duas fendas ($s_{1}$ e $s_{2}$) que atinge uma tela (screen) ao fundo. Na figura (b) vemos o padrão de ondas e as interferências. Na figura (c) vemos uma foto real do padrão de interferências.


A interpretação do fenômeno a partir do ponto de vista de partícula diz que se diminuirmos a intensidade da fonte de luz até que saia um fóton por vez, os padrões de interferência iriam desaparecer e teríamos apenas duas faixas de luz na tela (screen), uma atrás de cada fenda, pois um fóton iria sair e passar por apenas uma das fendas e atingir a tela, então depois viria um outro fóton, passaria por uma das fendas e também atingiria a tela. Porém a visão ondulatória do problema, diz que mesmo diminuindo a intensidade da fonte, a luz não deixa de ser onda e passa pelas duas fendas ao mesmo tempo e cria, ainda que fraco, um padrão de interferência. Esse ponto seria crucial para determinarmos se o correto seria visualizar a luz como partícula ou como onda. Mas a natureza gosta de nos sacanear e o que acontece na prática não concorda nem com a predição de partícula nem com a de onda.

Quando nós deixamos a tela exposta por um bom tempo a luz monocromática incidente, vemos que o padrão de interferência não desaparece quando diminuímos a intensidade da fonte para apenas um fóton por vez. Porém se deixamos a tela exposta por um curto intervalo de tempo, o que vemos são impactos localizados, sem nenhum padrão de interferência, e ainda mais, se colocarmos um contador de fótons atrás das fendas, veremos que o fóton emitido pela fonte irá passar por apenas uma das fendas, o que também corrobora para a interpretação de partícula. Isso soa muito paradoxal, pois temos comportamentos de partículas e de ondas que parecem mutualmente excludentes.

(se está confuso para você ainda, veja esse vídeo do dr Quantum, o que ele tem de bizarro, em contrapartida, tem de didático, mas ignore o final em que ele fala sobre o elétron saber que está sendo observado, isso não tem nada a ver).


Espera lá, vamos enunciar os problemas que andamos tendo aqui:

1 – A luz parece se comportar ora como partícula ora como onda
2 – Ao passar pelas fendas, ela se comporta como partícula, já que ela passa por apenas uma das fendas por vez. Porém se esperarmos um certo tempo começaremos a ver um padrão de interferência, logo, precisamos que tenham fótons passando por ambas as fendas.
“mas como isso, cara? Se todos os fótons são emitidos de forma exatamente iguais eles não deveriam passar todos pela mesma fenda?”

Pois é, aqui temos um primeiro problema... a luz está passando por duas fendas diferentes, enquanto a física clássica diria que, como os fótons são emitidos exatamente iguais, eles deveriam sempre ter a mesma trajetória, e portanto, passar pela mesma fenda. Os dois itens acima quebram dois aspectos importantes da física clássica. O primeiro, quebra a visão de que onda e partícula são coisas distintas, o segundo quebra a visão de que condições iniciais iguais levam a trajetórias iguais (não havendo agentes externos), agora não podemos mais dizer por qual fenda a partícula irá passar, apenas podemos calcular a probabilidade dela passar pela fenda $S_{1}$ ou pela $S_{2}$.

Depois de muita relutância, o conceito de dualidade onda-partícula foi cunhado e bem estabelecido da seguinte forma:

- As características de onda e partícula são inseparáveis. A luz se comporta simultaneamente como uma onda e como um fluxo de partículas, a onda que nos permite calcular a probabilidade da manifestação de uma partícula.

- As previsões sobre o comportamento de um único fóton pode ser probabilística.

-  As informações sobre um fóton (em um determinado tempo) são dadas por uma onda eletromagnética, que são soluções das equações de Maxwell. Dizemos que esta onda caracteriza o estado dos fótons no tempo e pode ser interpretada como a probabilidade de um fóton aparecer em algum lugar, num determinado instante de tempo.

Em 1924, o físico francês de Broglie generalizou esse comportamento de onda-partícula para demais objetos, como o elétron por exemplo (veja mais aqui).

Agora que sabemos que um fóton tem comportamento probabilístico e que ele pode ser tratado como onda e partícula, vamos entrar finalmente na mecânica quântica e ver como tratamos o fenômenos nessa abordagem.

Uma vez que para partículas subatômicas o caráter ondulatório é muito visível e importante, precisamos introduzir uma ferramenta matemática chamada de função de onda $\psi$. Essa função tem importância fundamental na mecânica quântica, uma vez que ela serve para descrever as principais características da partícula, como a energia, momento, posição, como eles se comportam e, a partir dela, ainda podemos calcular a probabilidade de se encontrar uma partícula (um fóton por exemplo) em uma fenda ou em outra. 

Mas nada é tão simples, para se obter essa função de onda $\psi$, precisamos extrair soluções da famosa equação de Schrödinger (é versão hardcore do “encontre o $x$" da matemática do ensino médio). A equação abaixo é a equação de Schrödinger, ela é o que chamamos de equação diferencial parcial de segunda ordem em uma dimensão² ($x$) e existem vários métodos para se obter soluções de $\psi$, o interessante é que equações diferenciais não nos dão apenas uma resposta, mas sim um conjunto delas.

$ i\hbar\frac{\partial \psi}{\partial t}= \frac{-\hbar^2}{2m} \frac{\partial^2}{\partial x^2}\psi + V \psi$

Mas antes precisamos compreender o que ela significa termo a termo, vamos lá:

$i = \sqrt{-1}$, é um número imaginário. $ \hbar$ é a constante de Planck reduzida, e vale $6.582... \times 10^{-16}eV\ s$. $\frac{\partial \psi}{\partial t}$ é a variação da função de onda no tempo, ou seja, é como ela se comporta a medida que o tempo passa. $m$ é a massa da partícula que estamos descrevendo. $ \frac{\partial^2}{\partial x^2}\psi$ é a variação espacial da função de onda, ou seja como ela se comporta a medida que ela evolui no espaço. $V$ é um potencial que age sobre a partícula. Agora podemos voltar a solução da equação.


Ao resolvermos a equação acima encontramos a forma de $\psi$, veremos que ele pode nos dar um conjunto de funções de onda diferentes, com energias diferentes, e podemos chamar isso de "estados quânticos com energias diferentes".

O resultado mais simples da equação de Schrödinger é para uma partícula livre em uma dimensão:

$\psi (x,t)= A e^{i(kx -\omega t)}$

$A$ é uma constante que podemos obter por um processo de normalização, $e$ é a nossa exponencial, $i$ é um número imaginário ($i=\sqrt{-1}$), $k$ também é uma constante, $x$ é a variável espacial, $\omega$ é uma frequência angular da partícula, e $t$ é a variável temporal. Um ponto fundamental que devemos falar aqui é que uma função de onda como acabamos de ver não pode ser medida em laboratório. Na mecânica as quantidades passíveis de serem medidas são chamadas de observáveis e elas precisam ser terminantemente reais. Assim é possível medir as energias e os momentos relacionados a determinada função de onda, embora não seja possível medir a função de onda em si.

No próximo texto veremos como a função de onda nos fornece uma descrição probabilística do comportamento das partícula, uma vez que elas são muito pequenas, seu estado é dado pela interpretação estatística de Born, sobre a função de onda, em que $|\psi|^2$ é a probabilidade de se encontrar a partícula em um ponto $x$, no instante $t$. Também abordaremos alguns formalismos relacionado a isso.


Bibliografia:

- Cohen-Tannoudji - Quantum mechanics, vol 1. (onda partícula)
- Griffhtis - Introdução a Mecânica Quântica (função de onda)
- Toledo Piza - Mecânica quântica. (detalhes adicionais)
- Holzner - Quantum Physics For Dummies (detalhes adicionais)

1 - Por meio dessa nova abordagem, Einstein conseguiu explicar o efeito fotoelétrico, que lhe rendeu o prêmio Nobel.

2 - também temos a equação de Schrödinger em 3 dimensões, mas aqui queremos a mais simples, com as mais simples soluções.
segunda-feira, 21 de abril de 2014
Posted by Thiago V. M. Guimarães

Inflação Cósmica, Big Bang e dados do BICEP2 - Uma base para você tentar entender

Recentemente tivemos um grande evento na ciência, vários blogs que eu gosto bastante fizeram ótimos textos e comentários sobre o assunto. Como essa semana foi mais tranquila para mim, resolvi escrever um texto para servir de background para te ajudar a entender um pouco do assunto.

Esse texto é uma visão bem superficial de vários assuntos, a intenção é apenas te dar uma base e te nortear para entender um pouco mais, logo, é essencial que você leia os textos linkados, bem como as fontes.

Carl Sagan disse que para se fazer uma torta de maçã do zero, primeiro era preciso criar o universo. Para entendermos bem tudo que aconteceu também precisamos criar o universo, pois as novas descobertas remetem a dados de acontecimentos muito próximos do Big Bang.

Sem dúvida você já deve ter lido bastante aquela coisa de que o universo era um ponto muito denso, chamado de ovo cósmico que explodiu e deu origem ao universo. E isso é uma pena, pois essa "explicação" é uma caricatura de péssimo gosto sobre o que de fato pensamos e sabemos sobre o Big Bang.


Quando eu me refiro a universo, quero dizer universo observável.
Quando eu digo Big Bang, me refiro ao Big Bang Quente.


Geralmente, a abordagem didática desse assunto tende a puxar para o lado do poético, do maravilhoso e se esquece da ciência por trás da coisas. Para que possamos entender alguns pontos importantes sobre o inicio do universo é preciso conhecer bem a mecânica quântica e a relatividade geral em âmbito acadêmico, no mais, o que podemos fazer aqui é apenas dar uma tratamento bem superficial do que realmente essas teorias dizem.

Imagine que você chegue agora na sua casa e se depare com a cena estranha de sua mãe enchendo uma bexiga (balão de festa). Assim que você entra na sala ela está lá assoprando aquela coisa, e a bexiga está enchendo. O que você pensaria? Que sua mãe achou uma bexiga parcialmente cheia por aí e começou a encher, ou que ela começou a assoprar desde que a bexiga estava totalmente vazia? Obviamente que você escolheria a segunda opção. Com isso, é fácil pensar que se você chegasse um pouco antes, a bexiga estaria menos cheia, ou mesmo vazia.

Podemos extrapolar esse exemplo para o nosso universo observável. Quando olhamos e estudamos o movimento das galáxias e de outros corpos, vemos um universo que está se expandindo com determinada velocidade, então podemos retroceder essa expansão e pensar que o universo era no passado excepcionalmente pequeno, infinitamente quente e denso, nesse estágio do universo as nossas leis da física como conhecemos hoje parecem não ser válidas, podemos chamar esse microuniverso de "singularidade". Nós ainda não fazemos ideia de como essa "singularidade" surgiu ou mesmo começou a se expandir para formar o universo que temos hoje. Porém as equações que usamos para descrever a dinâmica do universo junto com nossas observações nos permitem levantar hipóteses sobre como o universo se desenvolveu em seus instante iniciais. Ou seja, não temos ainda uma física para o momento inicial, mas temos física para os bilionésimos de segundo que procederam esse instante.

Colocando isso em nomes e teorias, temos os estudos de Friedmann a partir das equações de campo da reatividade geral, que obtiveram soluções que mostravam um universo expansivo e colapsante. Poucos anos depois, Hubble conseguiu mostrar, a partir da observação do afastamento de galáxias distantes, que de fato o universo se expandia, como previsto teoricamente. Décadas mais tarde temos os trabalhos de Gamow que tratavam da formação de núcleos atômicos no inicio do universo, tendo como predição a existência de uma radiação térmica que permeia todo o espaço, chamada de radiação cósmica de fundo em micro-ondas. Dezenove anos depois dois engenheiros físicos dos laboratórios Bell, nos EUA, tropeçaram na radiação cósmica de fundo e ganharam um Nobel por conta disso.


Temos então, duas evidências bem fortes de que o Big Bang pode ter realmente acontecido. Mas, nem tudo são maravilhas, da mesma forma que a teoria parecia solucionar alguns problemas, ela parecia não explicar outras coisas, como o "problema do horizonte e da planaridade" do universo, além de um problema que é chamado de "a origem da estrutura de larga escala". Para piorar um pouco as coisas, teorias mais modernas da física de partículas que tentam unificar as forças fundamentais do universo, se depararam com a predição de monopolos magnéticos massivos e estáveis, além de outros problemas de origem topológica que não cabem nesse texto.

Tá, mas o que esses problemas significam?

O primeiro problema, o do horizonte, é que radiação cósmica de fundo parece ser exatamente a mesma para dois pontos distantes do universo que nunca tiveram contato. Ou seja, como dois lugares diferentes, com uma distância enorme entre um e outro (maior até do que luz poderia ter percorrido) podem ter trocado calor e entrado em equilíbrio térmico?

O segundo problema é o da planaridade, ou seja, quando medimos a densidade de energia do universo ela mostra um universo aparentemente plano. Se essa densidade fosse um pouco maior, nosso universo já teria colapsado, se fosse pouco menor o universo teria se expandido de forma a não permitir a formação de estrelas, galáxias e etc. Assim, a densidade logo após o Big Bang teria que ser basicamente a mesma que temos hoje... uma baita coincidência, não acha?

O Terceiro problema, é chamado de "A origem da estrutura de larga escala", que é o fato de quando olhamos nos confins do universo, a matéria parece se apresentar em grandes grupos específicos, o que é estranho, pois se o universo é homogêneo e isotrópico, essas estruturas deveriam aparecer de forma mais homogênea. Assim uma expansão comum do universo não deveria formar esse padrão de distribuição de matéria que somos capazes de ver.

nessa imagem vemos um "mapa" de galáxias e como elas estão
dispostas de forma não uniforme.
Por último, temos o problema com os monopolos magnéticos massivos, que surgem quando tentamos fazer uma teoria de grande unificação das forças fundamentais, conhecidas como GUT, uma vez que se acredita que as forças do universo estavam todas unificadas em seu principio, e à medida que o universo foi se expandindo e esfriando, essas forças foram se separando. O ponto problemático é que esses monopolos nunca foram encontrados na natureza, e a teoria padrão do Big Bang não diz se eles foram ou não produzidos. Além disso, a teoria também prevê problemas topológicos para o universo que são muito semelhantes àqueles que encontramos em cristais líquidos.

Esses problemas levantados, podem ser solucionados por uma hipótese bem interessante, que chamamos de inflação cósmica. Para tentar entendê-la, voltemos ao início do texto quando eu disse que o nosso universo era muito pequeno e infinitamente denso e quente. Ignorando o que quer que tenha feito o universo se expandir, acreditamos que logo após o Big Bang o universo tenha passado por uma transição de fase.... sim, semelhante aquela que você viu no Ensino Médio, lembra? Lá nas aulas, nós aprendíamos que quando a água virava gelo, havia liberação de energia, conhecida como calor latente. De forma semelhante o universo pode ter passado por uma transição de fase, à qual liberou grande quantidade de "energia latente" e causou uma expansão incrivelmente rápida. É possível ainda uma visão do ponto de vista das GUT's (forças unificadas), mas para isso precisaríamos falar sobre campos de Higgs e outras minuciosidades que deixariam esse texto enorme, então deixo isso para outra hora.

Provavelmente o que pode ter desengatilhado essa transição de fase que deu origem a inflação, é um campo escalar chamado de inflaton, que ainda não conhecemos direito. Por sua vez, perturbações nesse campo que foram amplificadas pela inflação poderiam ser medidas indiretamente a partir de variações na temperatura da radiação cósmica de fundo. E adivinhe!! Em 1992 a sonda COBE conseguiu encontrar e medir essa variação de temperatura, que batia com uma precisão muito boa com o valor teórico esperado.
esse é uma mapa da radiação cósmica de fundo feito pelo pela WMAP, que foi sucessora da COBE, aqui é possível as flutuações de temperatura em cores mais quentes.

Após essa insana expansão, as forças se desunificam, a inflação pára e começa uma evolução aparentemente acelerada, mas sem grande espanto.

Basicamente para explicar como os problemas que a Teoria do Big Bang deixa de fora foram resolvidos pela hipótese da inflação, nós iríamos precisar de matemática, porém isso é inviável aqui, então irei me ater apenas de forma superficial a isso.
Ilustração da história do universo, veja que logo depois do Big Bang há uma rápida inflação
O problema do horizonte é resolvido de forma aparentemente simples. Pois devido a inflação, pontos que hoje estão muito distantes estavam muito próximos no passado, então eles puderam trocar informação.

O problema da planaridade pode ser pensado assim; o universo se expandiu tão rapidamente que qualquer curvatura que ele possa ter possuído no passado, foi totalmente perdida, dando lugar a um universo plano.

O problema com os monopolos magnéticos e a sua solução são bem interessantes e podem ser lidos na integra no livro Inflationary Universe, do Allan Guth. O ponto central dessa história é que no estudo feito por Preskill e em paralelo por Guth e Tye, foi possível mostrar que o número correto de monopolos magnético, bem como seu confinamento (semelhante ao de quarks para formar prótons e nêutrons) só poderiam acontecer em um universo muito quente e denso, além disso os monopolos apresentavam uma massa 10¹⁶ vezes maior que a do próton, portanto se o universo não tivesse se expandido muito rapidamente, ele teria colapsado devido a enorme massa dos monopolos somada as das outras partículas.

Já no caso da distribuição irregular de matéria que vemos no universo distante, a origem da estrutura de larga escala, obtém sua solução nas flutuações do inflaton que podem ser vistas como pequenas diferenças na densidade de matéria do universo. Dessa forma a expansão atuou como um amplificador dessas flutuações e espalhou-as pelo universo, assim, devido aos pontos de maior densidade, as galáxias puderam ser formadas de maneira irregular.  

Agora vamos falar (finalmente!!!) sobre o que houve essa semana.

Acredito que se você veio até esse texto, deve ter se deparado com a notícia sobre dados do BICEP2 que corroboravam para inflação cósmica, então acho que vale começarmos por algumas dúvidas básicas:

" O que é o BICEP2?"

É um experimento bem legal feito no Polo Sul, que visa medir e estudar a polarização da radiação cósmica de fundo.

"Tá, mas o que é a polarização da radiação cósmica de fundo?"

A radiação cósmica de fundo é uma onda eletromagnética que tem sua origem no Big Bang e permeia todo o universo. Do que aprendemos na escola sabemos que ondas eletromagnéticas são formadas por um campo elétrico, um campo magnético perpendiculares entre si e também perpendicular a sua propagação. O que chamamos de polarização é a direção na qual o campo elétrico aponta.  

onda eletromagnética; em vermelho (eixo y) temos o campo elétrico, em azul (eixo z) temos o campo magnético, e a propagação da onda se dá no eixo x.

Então, o que estamos tentando medir é a direção que o campo elétrico da radiação cósmica de fundo aponta. Sendo a radiação cósmica de fundo o eco do Big Bang, ou se preferir, "a assinatura eletromagnética" dele.

O que o BICEP2 mede, é nada mais do que os fótons provenientes dessa radiação cósmica de fundo em todas as direções do espaço. Assim, se os fótons de uma região tem polarização aleatória, então a polarização daquela região é inexistente, ou muito pequena. Por sua vez, se os fótons de uma determinada região tem suas polarizações apontando em uma direção específica, dizemos que a radiação cósmica de fundo é polarizada naquela região. O que eu estou dizendo é o seguinte, se olhamos em uma região do espaço e vemos que os fótons daquela região tem polarização para direções bem diferentes, essa região é não polarizada, se os fótons dessa região tem polarizações para (mais ou menos) a mesma direção, dizemos que a região é polarizada, e é isso que o BICEP2 está medindo.

Com essas medidas nós podemos recolher informações de quando o universo tinha apenas 380 mil anos, que é quando ele se torna "transparente a radiação". Portanto nós podemos entender mais sobre o Big Bang e a Inflação cósmica.

"Mas como podemos entender mais sobre o Big Bang?"

É simples, se nós conseguimos prever e medir a existência de não-uniformidades na radiação 380 mil anos após o Big Bang, nós podemos retroceder no tempo e entender como essas uniformidades estavam no inicio do Big Bang.  E antes que te surjam dúvidas, essas não-uniformidades tem origem devido Inflação que  é causada pela presença de uma quantidade substancial de energia escura, que por sua vez está associada ao campo do inflaton. Mas sabemos que na mecânica quântica, nenhum campo ou objeto é sempre verdadeiramente constante ou estacionário, há sempre uma espécie de "oscilação" quântica que faz com que essas grandezas sejam um pouco incertas. O valor do campo inflaton sofre essa "oscilação" quântica. Como consequência, a energia escura que está presente durante a inflação não é exatamente constante em todo o espaço, o que significa que há pequenas não-uniformidades na expansão do espaço, o que por sua vez levam a pequenas não-uniformidades no Big Bang, que eventualmente, tornar-se visível como não-uniformidades na temperatura dos fótons na radiação cósmica de fundo.

As polarizações medidas no BICEP2 são chamadas de B-mode. De uma forma geral as polarizações podem ser grosseiramente entendidas em duas categorias, a primeira categoria são as polarizações que quando vistas a partir de um espelho, elas aparecem perfeitamente iguais, essas polarizações recebem o nome de E-mode, por sua vez, se olhar essa polarização por um espelho e ela parecer ao contrário, damos o nome de B-mode. (para saber mais veja aqui)

"Porque os B-mode e não os E-mode?"

Não-uniformidades nas energias dos fótons, quando o universo foi se tornando transparente, também estão relacionados a presença de ondas gravitacionais. Ondas gravitacionais podem dar origem tanto às polarizações E-mode quanto B-mode. Assim, as B-mode em grandes escalas nos dizem sobre a não-uniformidade devido às ondas gravitacionais que possam ter existido em 380 mil anos após o Big Bang e uma descoberta de B-mode em grandes escalas seria uma medida poderosas (não definitiva) de ondas gravitacionais presentes no início do universo.

Agora vamos aos dados do BICEP2.



No gráfico acima o que nos interessa são o pontos pretos, que representam os B-modes. Segundo divulgado pelos pesquisadores do experimento BICEP2, eles obtiveram uma significância estatística de 3 sigmas na detecção de B-modes, que ainda não é suficiente para dizermos que se descobriu algo. Porém é importante saber que, se algo a vir a ser descoberto, NÃO é uma prova definitiva do Big Bang, NÃO é uma prova direta de ondas gravitacionais. Ainda, é necessário esperar obter mais dados e fazer estudos mais detalhados para se saber se essas polarizações B-modes são de fato o que esperamos ser, se elas possuem os comportamentos e propriedades previsto teoricamente, para que possam ser consideradas evidências consistentes.

Apesar de todo o estardalhaço da imprensa, ainda resta muita coisa a ser vista no âmbito científico, como o tamanho dessa polarização encontrada, que parece ser maior do que deveria, desfavorecendo as ondas gravitacionais e poderia indicar que algum aspecto importante está sendo deixado de fora de nossas teorias.

O que podemos fazer agora é esperar. Se os dados estiverem corretos, eles serão uma evidência indireta das ondas gravitacionais provindas da inflação, mas não será de forma alguma a primeira evidência - A primeira evidência foi obtida em 1993 (Leia aqui). Além disso, esses dados podem ser poderosas evidências da inflação cósmica e também um bom indicador de que nossas forças estavam unificadas no passado. Porém é importante lembrar que essa é uma primeira medição de um experimento, é possível que seja um problema com o experimento ou um erro de medição ainda, da mesma forma que ocorreu com o OPERA e seus neutrinos mais rápidos que a luz. Então sejam prudentes!

"Tá, resume então..."

De forma bem simplificada o que detectamos foram sinais da inflação cósmica que estão presentes ainda na radiação cósmica de fundo. A partir desses sinais é possível também obter evidências indiretas de ondas gravitacionais e conhecermos melhor alguns aspectos dos momentos logo após o Big Bang.

Alguns erros que foram cometidos na divulgação e na recepção desse assunto que gostaria de comentar:

1 - Prova de ondas gravitacionais

NÃO! de forma alguma, se os dados baterem exatamente com o esperado pela teoria teremos mais uma evidência indireta (porém forte) de ondas gravitacionais. Embora os primeiros dados divulgados mostrem problemas justamente nesse ponto... mas vamos esperar.

2 - Prova definitiva do Big Bang

Nem ferrando! É ainda mais absurdo que dizer que é prova de ondas gravitacionais. O que podemos afirmar é que seria uma forte evidência da inflação e com isso nossas teorias para estudar os momentos iniciais do universo podem estar dando resultados corretos, mas nada além disso!

3 - Einstein se dá bem novamente

Não necessariamente, apesar de ondas gravitacionais estarem diretamente ligadas a relatividade geral, essas medições seriam um triunfo para os teóricos da inflação, como o Já citado Guth, Preskill, Starobinsky, Linde, entre outros.

4 - É a primeira detecção de ondas gravitacionais.

Não, não é! Se caso vier a se confirmar que as polarizações B-mode são exatamente a que esperávamos, elas seriam a segunda evidência indireta de ondas gravitacionais, a primeira evidência veio na década de 90 a partir de estudos com pulsares binários.

5 - Como vocês acham uma coisa dessas e não acham um avião?

Sim, eu li essa pérola em vários lugares... Nós usamos um detector de polarização de radiação eletromagnética ultrassensível para realizar esse estudo, como diabos seria possível encontrar um avião com isso?

6 - É um estudo inútil!

Ahh, a mente descontinua e imediatista... se você pensa assim, talvez fosse legal dar uma lida nesse meu texto aqui.

7 - Expansão e inflação é a mesma coisa?

Não. Expansão do universo acontece hoje em dia de forma acelerada, porém nada tão surpreende. Já a inflação ocorreu em um intervalo de tempo extremamente pequeno (10⁻³² segundos) e o universo se expandiu a cerca 10⁵⁰ vezes. Muito provavelmente a origem da expansão atual tenha relação com a inflação, uma vez que a energia escura atua como pressão negativa fazendo o universo acelerar, porém na inflação houveram outros agentes que hoje não existem mais.

Como esse texto ficou monstruosamente grande e acredito que eu tenha conseguido dar um background para que você possa entender as notícias, caso queira ler mais sobre o assunto veja esses textos abaixo:

Fontes:

1 - Baumann. D - Lectures on Inflation
3 - Guth. A - Inflationary Universe
4 - K. Sato, Mon. Not. R. Astron. Soc. 195, 467 (1981); Phys. Lett. 99B, 66 (1981).
5 - A. H. Guth, Phys. Rev. D 23, 347 (1981)
6 - UFRGS - Inflação Cósmica 
8 - Resonaances
9 - Série sobre Inflação - True Singularity (VEJA!)
domingo, 23 de março de 2014
Posted by Thiago V. M. Guimarães

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