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O Universo NÃO se expande mais rápido que a luz. Entenda porque essa discussão não tem nem sentido.

Eaewww, cá estamos de volta, depois de quase 1 ano sem postar nada. Eu resolvi postar umas threads no twitter do simetria para discutir as principais coisas que venho lendo de errado nos grupos que participo, uma delas é esse tema do post "O universo se expande mais rápido que a luz!?"

Esse post não é pra dizer sim ou não, mas para fazer uma análise de como essa comparação é sem noção. Entretanto, o problema central aqui é que você consegue achar toneladas de textos na internet falando "o universo se expande mais rápido que a luz", então vamos discutir.


Imagem ilustrativa furtada do google imagens.


Dicionário inicial:

- c : representa a velocidade da luz, vem da palavra latina celeritas.
- Transformações de Galileu/Lorentz: Transformações de referenciais são transformações que nos dizem como medir o espaço, o tempo e velocidades de um referencial para outro.
- Éter: aqui usamos a definição de éter liminífero, que seria um fluído super rígido que permeia todo o universo e está em repouso em relação a tudo e a luz se propaga nele com velocidade c. Seria um referencial privilegiado.


(Atenção: cometerei uma violência contra a história da física no parágrafo abaixo, por favor, leia as notas de rodapé 1 e 2, no final do texto. Se você já está familiarizado com a velocidade da luz, pule direto para o parágrafo na cor azul).
 
Para a gente entender direito o quão nonsense é essa comparação, precisamos entender como a velocidade da luz funciona. Como não é nossa intenção tratar nada historicamente aqui, não vou me comprometer com uma linha do tempo¹. Voltando pro século XIX, descobriu-se que,  pelos trabalhos de Fizeau, Foucault, Weber, Kirchoff, Maxwell, uma onda eletromagnética se movia no éter com velocidade de c ~ 300000 km/s. Por onda eletromagnética quero dizer luz visível, raio x, raio gama, ondas de rádio e etc. 


Como físico gosta e precisa medir as coisas, diversos experimentos foram criados para medir o movimento da Terra através do éter. O mais famoso deles foi o experimento de Michel e Morley, que partia do seguinte pensamento: se a velocidade da luz é "c" no éter e a Terra está se movendo por ele, então deveremos encontrar uma diferença na medição da velocidade da luz a medida que o planeta se move pelo éter. PORÉM o experimento encontrou nenhuma diferença². Isso poderia significar duas coisas, ou o resultado corroborava para o éter não existir ou tem algo que não levamos em consideração. Pois se o éter existe, o que o experimento está dizendo é que a velocidade da luz no éter é exatamente a mesma da velocidade da luz na Terra, mas se a Terra está se movendo em relação ao éter, como isso poderia ser possível?

Para você não ficar pedido, vamos ter que colocar um parêntesis aqui. Primeiro de tudo pense na Terra como sendo um carro que se move por uma estrada, essa estrada é o éter. A luz seria como uma moto de corrida extremamente rápida que se move pela mesma estrada. Se estamos no "carro" se movendo a 100 km/h e moto de corrida está 250 km/h vindo em nossa direção, nós que estamos dentro do carro mediríamos a velocidade da moto como sendo 350 km/h, em relação a nós. Caso a moto esteja indo no mesmo sentido que nós, mediríamos a sua velocidade em relação ao nosso carro como sendo de 150 km/h. Essas velocidades relativas que calculamos são parte das chamadas "transformações de Galileu" as quais são a base da mecânica newtoniana, por esse motivo era natural esperar que seriam sempre válidas. 
 

Nossa pergunta nesse ponto é: Como a velocidade da luz pode ser a mesma no éter e na Terra se as transformações de Galileu são sempre válidas?

várias respostas foram pensadas, mas a que nos interessa foi dada pelo físico Hendrick Lorentz. A solução era assumir que as transformações de Galileu estavam "erradas" e, com isso, propôs que deveria haver uma mudança na medida do tempo e do espaço a medida que nos movêssemos pelo éter. Essas transformações propostas por Lorentz deveriam substituir as de Galileu³ para velocidades muito altas, e com isso seria possível explicar porque a luz possui a mesma velocidade no éter e na Terra, ou em qualquer outro lugar. 

De fato as transformações no tempo e espaço funcionaram muito bem, tanto que Henri Poincaré mostrou elas satisfaziam o requerimento de que as leis da física deveriam ser as mesmas em qualquer lugar do Universo. Porém Einstein foi sorrateiro, e disse: "Que éter o que, meu irmão!? A gente não precisa do éter porque essas transformações garantem que a velocidade da luz seja a mesma em qualquer referencial inercial (referencial sem aceleração), então vamos assumir que a velocidade da luz é "c" no vácuo e esquecer essa patifaria de éter". Einstein teve essa sacada porque as transformações de Lorentz mostravam que a velocidade da luz poderia, de boa, ser constante e igual em todos os referenciais inerciais, não precisando existir um éter.   
 

Vou dar um exemplo ilustrativo. Por Galileu se você conseguisse montar em um raio de luz e ficasse lado a lado com outro raio de luz, você o veria paradinho, ou seja, com velocidade nula em relação a você, da mesma forma que dois carros se movendo lado a lado a 100km/h se veriam parados um relação ao outro. Para Lorentz isso não é verdade, se você fosse um cowboy de raio de luz, veria o outro raio de luz se afastar com velocidade "c" de você, parece doidera, mas é isso mesmo. Pra piorar a situação, imagine que agora você está de boa montado em no seu raio de luz quando, de repente, um outro raio de luz está vindo na sua direção, para Galileu você mediria a velocidade desse outro raio como 2c, mas para Lorentz seria apenas c. Então pra Lorentz não importa com qual velocidade você se move, a luz não tem velocidade relativa, é c e pronto!  

TUDO ISSO foi pra dizer que a luz possui sempre a mesma velocidade no vácuo, não importa como você faça a medida. Mas agora vem o ponto do porquê de tanto bláblábá: Se fizermos a medida da velocidade da luz aqui pertinho da Terra ou beeemmm longe de nós, iremos medir a mesma velocidade da luz sempre. Isso decorre do fato dela ser uma constante universal, assim todo mundo concorda com seu valor medido, seja uma pessoa aqui na Terra, seja um Alien bem longe de nós.  

Agora que entendemos como a velocidade da luz funciona, temos que entender como medimos a expansão do Universo. Aqui no blog tem diversos textos discutindo Big Bang, espaço-tempo, inflação cósmica, expansão cósmica e etc, então não vou ficar me autoplagiando e vou resumir bastante a situação aqui.

Em cosmologia (astrofísica e astronomia) podemos medir distâncias entre objetos de várias formas, mas vou citar apenas duas:

- A distância comóvel, que é aquela que desconsidera a expansão do universo, então duas galáxias podem ficar sempre paradinhas uma relação a outra.

- A distância própria, que é aquela que leva em consideração a expansão do universo e medimos a partir do fator de escala. Fator de escala, já muito discutido aqui no blog, é simplesmente a distância entre todas as coisas no universo, essa distância aumenta com o tempo e é dada pela função $a(t)$ (em algumas literaturas é $R(t)$).

A abordagem comóvel é boa para estudar a radiação cósmica de fundo por exemplo, pois ela preserva medidas angulares, as quais usamos para estudar essa bagaça. Já para entendermos a expansão do universo, claramente precisamos usar a distância própria. 

Quando o Hubble fez suas medições do afastamento das galáxias, ele notou que quanto mais distante uma galáxia estava, mais rapidamente ela parecia se afastar de nós. Entender isso é fundamental para entender o problema (veja o gif abaixo). A expansão do universo é homogênea, o que significa que não importa onde você esteja, ela precisa ser igual em todas as direções. Tal exigência faz com que "tudo esteja se afastando de todo o resto na mesma taxa de afastamento", o que acaba criando distorções de "perspectiva" (o termo correto não é esse, mas talvez aqui esse se encaixe melhor). Pois veja bem, eu estou na Terra e observo que quanto mais distante de mim, mais rápido as galáxias se afastam, então, como a expansão é homogênea, um Alien que vive em uma dessas galáxias distantes, deveria ver as galáxias próximas a ele se afastarem mais lentamente, enquanto veria a nossa se afastar bem mais rápido. Assim, nem nós e nem o Alien está de fato se afastando bem mais rapidamente, é apenas a escolha de referencial cria essa "ilusão" de afastamento mais rápido. 
 


A taxa de expansão do universo é medida pela constante de Hubble, a qual diz que o universo se expande a uma taxa de 73 km/s a cada 1 megaparsec (1 megaparsec = 3,26 milhões de anos luz). Isso é meio chato de entender, pois como já falamos, segundo o parâmetro de Hubble, quanto mais longe você medir a velocidade de uma galáxia, mais rápido ela vai parecer se afastar de você. Por exemplo, se você estuda uma galáxia A que está cerca de 1 Mpc de distância de você, ela se afasta cerca de 73 km/s (estou desconsiderando efeitos locais de gravidade), mas se você estuda uma galáxia B, que está por volta 10 Mpc de distância, sua velocidade será por volta de 730 km/s. PORÉM, um alienígena que viva a 1 Mpc de distância da galáxia B, veria ela se afastar com 73 km/s, e não 730km/s como nós vemos. Isso acontece por que a expansão é homogênea, todo mundo tem que medir essa expansão da mesma forma. Quanto mais longe a gente observa, maior a velocidade de afastamento das galáxias, podendo chegar até velocidades bem maiores que a da luz, mas essa velocidade não é real, não tem nada lá violando a teoria da relatividade e se expandindo com velocidade tão alta assim, é apenas uma "miragem" causada pela forma homogênea como o universo se expande.

Em resumo, quando nós vamos medir a velocidade da luz, sua velocidade é indiferente do referencial inercial que você escolhe, ela sempre será a mesma, não importando se você medirá a velocidade aqui perto da Terra ou lá no quintos do inferno do universo. Já a velocidade de expansão do universo depende diretamente do referencial que você escolhe (da distância que sua medida está do seu referencial). Se eu vou medir a velocidade de expansão aqui pertinho, é 73 km/s, se vou medir lá na pqp, pode ser até 4 vezes a velocidade da luz.

Isso tudo mostra pra gente que não faz sentido algum comparar uma constante universal, que é a velocidade da luz, com um velocidade de expansão que muda a medida que você escolhe fazer medições próximas ou distantes de você. Assim, toda vez que você se deparar com essa discussão, lembre-se: ela não faz sentido!

Isso, vlw flw.

 

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1 - Eu cometi propositalmente um pequeno atentado histórico, mas como não gosto de deixar nenhum texto sem referencias bem concisas, então aqui tem um artigo em português que discute de forma bem legal, física e historicamente, toda a problemática do eletromagnetismo: Sobre o surgimento das equações de Maxwell. Aqui tem outro artigo importante também: Maxwell, a teoria do campo e a desmecanização da física.

2 - Eu não quis propositalmente falar que o Éter caiu com o experimento de Michelson e Morley, pois isso não é verdade, mas a discussão histórica dá muito pano pra manga. Dê uma olhada aqui: NÃO é verdade que os experimentos de Michelson-Morley derrubaram a “teoria do éter luminífero”!. Veja também este artigo: Três episódios de descobertas científicas.

3 - O que estou dizendo aqui é algo bastante forte, pois ao corrigir as transformações de Galileu, a mecânica de Newton se transforma em um caso particular, para baixas velocidades, de uma teoria mecânica mais abrangente, que no caso é a Teoria da Relatividade.  
segunda-feira, 20 de julho de 2020
Posted by Thiago V. M. Guimarães

Uma Introdução Superficial a Buracos Negros

Recentemente tive que fazer um seminário sobre um assunto que não manjava nada; buracos negros. Foi um desafio legal que levou cerca de 2 meses para aprender um pouco sobre esse assunto, e posso afirmar com absoluta certeza que o que sei é ainda de forma absolutamente superficial. Desse pouco que aprendi resolvi fazer um resumo e tentar explicar para vocês de maneira um pouco mais correta esse tema que é tão intrigante.

Lembre-se sempre de clicar nos arquivos linkados, tem textos de apoio explicando alguns termos e artigos bem aprofundados, esses último apenas para que você tome ciência que existe um árduo trabalho técnico/matemático por trás. Ah, tem também uns textos da wikipédia, mas nesses aí você pode confiar.

"strange is the night where black stars rise[...]"¹

Buraco Negro legalzão do filme Interstellar.

O que são buracos negros?

Antes de podermos falar sobre Buracos Negros, precisamos entender o que é o espaço-tempo. E você pode imaginá-lo como o conjunto de eventos de todos os objetos, ou seja, como se fosse um filme no qual todo evento que ocorreu, está ocorrendo ou irá ocorrer é apenas um elemento desse filme. Isso faz com que o espaço-tempo seja o pano de fundo e um dos entusiastas para o assunto em questão. Porém é primariamente necessário criar um arcabouço lógico e matemático para que possamos descrever o espaço-tempo, para então compreendermos como ele atua na existência de Buracos Negros. Aqui no blog eu não irei abordar com muito detalhe, mas você pode achar no ensaio que escrevi (aqui).

No nosso dia a dia se vamos medir distâncias usamos uma régua. Se temos um triângulo retângulo podemos medir os catetos usando a mesma régua e aplicando o teorema de Pitágoras descobrimos qual o tamanho do lado maior desse triângulo. Sabemos também que a soma dos seus ângulos internos é sempre 180º graus. Isso tudo só é possível porque vivemos em um espaço plano, mesmo quando resolvemos afirmar que o tempo é uma dimensão e passamos a viver em um espaço de quatro dimensões, ele continua sendo plano. Mas aqui estamos querendo falar de gravitação e, pela Relatividade Geral, ela está associada a curvaturas no espaço-tempo, ou seja, um objeto curvaria o espaço-tempo e dessa curvatura surge o que chamamos de gravidade. Logo espaços-tempo planos não satisfazem essa descrição e precisamos introduzir a noção de curvatura. As formalidades matemáticas podem ser encontradas no ensaio que linkei acima, mas para esse momento vamos aceitar que simplesmente damos um jeitinho de flexibilizar o espaço-tempo de Minkowski para que ele passe a aceitar essas curvaturas.

Ok, temos um espaço-tempo que pode ser curvado, mas o que causa essa curvatura? Prontamente você pensou "Massa", certo? Essa resposta não está errada, mas ela não é muito abrangente, o correto é dizer que curvatura é causada pela ENERGIA ². Assim se eu tenho um planeta bem gordinho ou um fóton, partícula sem massa, bem energético ambos deformam o espaço-tempo proporcionalmente a sua energia. Esse é um dos motivos pelo qual a luz pode "cair" em um buraco negro, pois embora não tenha massa, ela interage gravitacionalmente.

Aqui cabe uma pergunta: é a deformação do espaço tempo que chamamos de força? 

Sim... e não!  "Sim" porque em casos gerais a visão Newtoniana de força continua funcionando muito bem e no final do texto iremos usá-la. "Não" do ponto de vista da relatividade, pois a "deformação no espaço-tempo" faz exatamente o que o nome diz; deforma tanto o espaço quanto o tempo. Então a maneira como medimos distâncias e contamos o tempo é diferente por causa dessa curvatura. Tá vago? ok, vamos dar exemplo: O tempo na superfície da Terra (região de maior curvatura) passa mais devagar do que para um satélite de GPS em órbita (região de menor curvatura), e isso é tão evidente que precisamos fazer correções relativísticas nesses aparelhos para que funcionem corretamente.

Mas isso é suficiente para explicar a atração gravitacional sem a existência de forças?

Não, o que acontece é que existe o princípio de mínima ação³, que nos diz que nesse caso as partículas sempre vão seguir caminhos no qual o tempo é maior, e esse caminho é justamente o da deformação do espaço-tempo, uma vez que nele o espaço é maior e o tempo é mais devagar. Então se eu sou uma partícula de boa lá vagando no universo e encontro uma deformação, logo eu "penso": "opa, vou pegar esse caminho aqui que o tempo é mais de vagar". Entendido?! Então não há forças, apenas uma tendencia natural dos objetos seguirem um caminho onde o tempo é mais lento e esse caminho é justamente o que leva de encontro ao corpo que produz a deformação do espaço tempo.

Você deve ter achado uma viagem total, mas não vai achando que físico pensa nessas coisas fumando um beck, tomando café e olhando pro quadro negro. Pois existe uma tonelada de experimentos e de matemática evidenciando isso tudo. Apenas para dar um gostinho da coisa, a equação que descreve a curvatura do espaço-tempo frente a uma quantidade de energia é a seguinte:

$R_{\mu \nu} - \frac{1}{2} g_{\mu \nu} R = (8 \pi G/c^{4})T_{\mu \nu} .  (1)$

Mas o que você precisa saber é que o termo $T_{\mu \nu}$ representa a energia do sistema, enquanto $R$ é a curvatura do espaço tempo. Essa é a equação de Einstein e é ela que mostra que uma quantidade de energia pode curvar o espaço tempo.

Agora que sabemos que estamos fazendo nossa física em um espaço-tempo curvo, e que é a energia que causa essa curvatura, podemos falar de buracos negros que surgem da matemática da relatividade geral, mas só no final falaremos sobre como de fato eles poderiam se formar.

Em 1905, um cara muito legal chamado Schwarzenegger Schwarzschild, resolveu descrever um objeto esférico, de massa M e sem rotação a partir das soluções da equação de Einstein, para isso ele impôs uma simetria esférica sobre essas soluções e obteve o seguinte

$ds^{2}= \left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)c^{2}dt^{2}-\left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)^{-1}dr^{2}.  (2)$ 

Essa solução nos permite entender o que acontece com o espaço e o tempo deformados por esse objeto esférico. Mas para que possamos visualizar melhor vamos dividi-la em duas partes, uma temporal (aquele termo que multiplica $dt$) e a outra espacial (aquele termo que multiplica $dr$) e vamos analisar. Começando pela parte temporal, que obviamente descreve como o tempo se comporta nessa situação, temos

$\left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)c^{2}dt^{2}. (3)$

Na qual $G$ a constante gravitacional, $c$ a velocidade da luz, $M$ a massa do objeto e $r$ o seu raio. Agora vamos fazer considerações sobre o raio de objeto e ver o que acontece com a equação (3). Se o objeto tiver $r=0$, ou seja, for um ponto, teremos uma divisão por zero e você sabe bem que isso não pode acontecer. Então vamos dizer que temos uma singularidade em $r=0$, e por singularidade entenda como "valor de $r$ que deu merda na equação", apenas isso. Portanto a gente não pode ter um objeto de massa $M$ com raio igual a zero, e nem faria muito sentido também...

Agora vamos ver a parte espacial (aquela que descreve o comportamento do espaço)

$\left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)^{-1}dr^{2}.$

"Eu não gosto daquele $-1$ ali em cima, tem como arrumar isso?"

Claro, tem sim, fica assim então;

$\frac{1}{\left(1-\frac{2GM}{rc^{2}}\right)}dr^{2}.(4)$

Se você notar bem, vai ver que temos uma outra singularidade nesse termo, dessa vez para $r=\frac{2GM}{c^{2}}$ e a ela damos o nome de raio de Schwarzschild. Então se um objeto de massa $M$ tiver esse raio, irá surgir um divergência na solução (4). Mas agora, diferente do caso $r=0$, esse raio parece possível de ser obtido. Como gostamos de ver o circo pegar fogo, podemos pegar qualquer planeta ou estrela e descobrir qual raio ela deveria ter para estragar nossa solução.

Por exemplo, se eu pegar um planeta qualquer e, de alguma forma, comprimir seu raio até o tamanho do raio Schwarzschild (SEM PERDER MASSA), sobraria um objeto estranho, bem pequeno e denso, justamente onde estão aquelas singularidades. A esses objetos damos o nome de buraco negro e o raio de Schwarzschild delimita o famigerado horizonte de eventos.
   
Agora que tivemos essa ideia maluca e impossível de comprimir um planeta até ele se tornar um buraco negro, precisamos falar de dois fenômenos bem legais que surgem na física.

O primeiro é uma bizarrice temporal. Vamos considerar que temos um buraco negro de massa $M$. Se jogarmos um relógio dentro dele notaremos, pela equação (3), que a medida que que o relógio se aproxima do horizonte de eventos, $r_{Scwh}=\frac{2GM}{c^{2}}$, o tempo vai parando para ele, até que finalmente para quando o relógio atinge o $r_{Scwh}$. Isso é assustador, pois eu simplesmente veria aquele relógio "parar" ao chegar no horizonte de eventos, indicando que o tempo pára dentro do buraco negro... uow. (veja um aplicativo legal sobre isso)

Já a parte espacial nos diz que o redshift para uma radiação tentando escapar do buraco negro é infinito, a grosso modo isso quer dizer que para alguma radiação - leia: luz - escapar daquela região ela precisaria de energia infinita. Tal fato não é óbvio de se ver apenas olhando para a equação (3), portanto uma demonstração mais legalzinha pode ser vista aqui.

Pare para pensar um pouco (!). Nessas linhas acima fizemos um objeto astrofísico muito estranho, no qual o tempo parece parar e a radiação parece não conseguir escapar. Se você não ficou abismado com isso, talvez eu tenha falhado nesse texto.

Esse buraco negro que trabalhamos até aqui é o mais simples que existe e é chamado de buraco negro de Schwarzschild. Ele é simples porque é apenas um corpo esférico sem rotação e sem carga, mas existem soluções excitantes que trabalham com buracos negros com rotação e carregados, esses não tratarei agora, pois o texto está ficando enorme e a gente ainda nem falou como os buracos negros podem surgir na natureza.

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Antes de continuar, é legal que você note algumas coisas:

1 - Não falamos de gravidade absurdamente alta em nenhum lugar e vamos continuar assim.

 2 - Se o sol, por algum motivo bem desconhecido, se tornasse um buraco negro o que aconteceria com a Terra? A reposta óbvia é que seria sugada por ele e não sobraria nada da gente. Mas essa resposta está completamente errada, pois veja bem, aqueles fenômenos estranhos que citamos acima, acontecem apenas na região do horizonte de eventos⁴ e não distante dele, fora dessa região o buraco negro se comporta como um corpo de massa qualquer. Logo, o Sol apagaria e a gente ficaria no escuro, mas gravitacionalmente continuaríamos girando ao redor dele como fazemos atualmente.
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A ideia absurda de um objeto astrofísico com essas características tão estranhas não era levada muito a sério até que trabalhos do Chandra levaram a possibilidade de uma estrela com massa de 3 a 5 vezes maior que a do sol colapsar e formar um corpo extremamente denso. Mas para podermos entender como isso ocorre precisaremos de um pouco de mecânica quântica. 

(Abaixo, vou adotar o conceito de força gravitacional para facilitar a compreensão)
Uma estrela passa sua vida em um duelo gravitacional, pois sua superfície é atraída para seu centro devido a força da gravidade, enquanto que a pressão gerada em seu interior devido à reações nucleares tende a empurrar a superfície da estrela no sentido oposto ao da atração gravitacional. Então a vida da estrela fica nesse empurra e puxa entre a atração gravitacional e a pressão interna, se essa última for muito maior que a força da gravidade a estrela explodiria (ou iria inchar consideravelmente), e se a força gravitacional fosse maior que a pressão interna a estrela iria implodir... portanto é o equilíbrio entre a pressão interna e a força da gravidade que a mantém estável. 

Mais detalhadamente, uma estrela emite intensa radiação através de uma sucessão de reações termonucleares. Primeiramente a estrela é constituída de hidrogênio, que através dessas reações termonucleares converte o hidrogênio em hélio. Quando todo o hidrogênio é consumido, a estrela cessa suas reações nucleares, então a gravidade toma espaço e comprime o hélio até que haja novamente reação nuclear. Assim a estrela começa a produzir elementos químicos cada vez mais pesados até chegar no ferro, silício e demais. Nesse momento novamente as reações nucleares cessam e a estabilidade da estrela fica a mercê da força gravitacional, havendo apenas um efeito que impede o colapso total, que é a pressão de degeneração do elétron⁵ atuando em sentido contrário a da gravidade. Ou seja, nesse ponto que chegamos existe uma pressão de origem quântica que está segurando o colapso total dessa estrela. Mas como a gente quer ver sangue e destruição, vamos considerar uma estrela massiva o suficiente para a força gravitacional superar essa pressão de degeneração do elétron, com isso os neutrinos escapam da matéria e a estrela se transforma em uma estrela de nêutrons. Por sua vez, a estrela de nêutrons remanescente possui estabilidade assegurada pela pressão de degeneração do nêutron. Se a massa da estrela for grande suficiente para superar a pressão de degeneração do nêutron a estrela colapsa e


se torna uma superfície compacta chamada de horizonte de eventos que circunda uma singularidade, ou seja, um buraco negro.

Pronto, nessa caminhada vimos como buracos negros surgem na teoria da Relatividade e acabamos de ver como eles podem surgir do colapso de uma estrela massiva. Mas falta ainda algo interessante que é o coração do buraco negro que está dentro desse horizonte de eventos.

Como falamos anteriormente, nosso buraco negro é composto por uma singularidade circundada por uma região compacta bidimensional chamada de horizonte de eventos, que consiste em uma superfície "aprisionadora fechada" (trapped surface), que podemos definir como um conjunto de pontos em uma superfície fechada sobre a qual os raios de luz que apontam para fora, na verdade, estão convergindo,  ou seja, movendo-se em direção ao interior da superfície.  

"QUE? explica isso melhor."

Imagine que somos dois feixes de luz, e estamos tentando escapar de dentro de um buraco negro correndo em direção a borda dele... mas quando percebemos na verdade estamos indo em direção ao centro do buraco negro e não para fora, assim estamos eternamente presos lá dentro e tudo que fizermos ficará eternamente lá, pois essa região é desconectada do resto do espaço-tempo... triste isso não?

Por sua vez, e resumindo, a singularidade é uma região que o tempo não existe, que está desconectada do espaço-tempo e que tudo que acontece lá fica lá, igualzinho um cassino de Las Vegas.

Cansei de escrever e vocês devem estar cansados de ler. Espero muito mesmo que tenhamos aprendido um pouquinho sobre buracos negros sem toda aquela frescura que você encontra na maioria dos textos da internet. Claro que aqui não falamos de vários assuntos interessante, nem de algumas curiosidades que valem muito a pena saber e a definição de singularidade não ficou lá aquela beleza. Mas isso tudo fica para um outro texto que não vou prometer, se vocês curtirem esse eu penso num próximo.

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Referências:

[1] G. E. Romero, \textquotedblleft{}Introduction to black holes\textquotedblright{}.arXiv:0805.2082v1 [astro-ph] 14May 2008.

[2] R. M. Wald, \textquotedblleft{}General Relativity\textquotedblright{}. USA: The University of Chicago Press, 1984.

[3] F. A. Villaverde, "A Matriz S em Teoria Quântica de Campos em Espaços Curvos'', (Dissertação de Mestrado), Instituto de Física - Departamento de Física Matemática (USP),  São Paulo - SP, 2012.
 

[4] G. F. R. Ellis, R. M. Williams \textquotedblleft{}Flat and Curved Space-Times\textquotedblright{}.New York: Oxford University Press, 2000, segunda edição.

[5] S.W. Hawking e G.F.R. Ellis, \textquotedblleft{}The large scale structure of space-time\textquotedblright{}. USA: Sindicate of the University of Cambridge, 1994.

[6] S.M Carroll,  \textquotedblleft{}Lectures Notes on General Relativity\textquotedblright{}. arXiv:gr-qc/9712019v1 3 Dec 1997

[7] A. Einstein, \textquotedblleft{}The Foundation of the General Theory of Relativity\textquotedblright{}. Annalen der Physik 354 (7): 769. doi:10.1002/andp.19163540702.

[8] S. Chandrasekhar, \textquotedblleft{}The Mathematical Theory of Black Holes\textquotedblright{}. International Series of Monographs on Physics. New York: Oxford University Press, 1983.

[9] M. Vojinovic, \textquotedblleft{}Lecture Series on General Relativity\textquotedblright{}. Universidade de Lisboa, 2010.

[10] M. Visser, \textquotedblleft{}The Kerr spacetime: A brief introduction \textquotedblright{}. Victoria University of Wellington. arXiv:0706.0622v3 [gr-qc] 15 Jan 2008.

[11] R. P. Kerr and W. B. Wilson, \textquotedblleft{}General Relativity and Gravitation\textquotedblright{} 10 (1979), 273.

[12] P.K. Townsend, \textquotedblleft{}Black Holes\textquotedblright{}. arXiv: gr-qc/9707012v1 4 jul. 1997.
 

[13] S. L. Shapiro, e S. A. Teukolsky,  \textquotedblleft{}Black Holes, White Dwarfs, and Neutron Stars: The Physics of Compact Objects\textquotedblright{}. New York: Wiley, 1983.

[14] S. Gasiorowicsz \textquotedblleft{}Quantum Physics\textquotedblright{}.United State of America:Wiley International Edition, 2003, terceira edição.

[15] Y. Choquet-Bruhat, \textquotedblleft{}General Relativity and Einstein's Equations\textquotedblright{}. New York: Oxford University Press, 2009.

[16] M. Ludvigsen, \textquotedblleft{}General Relativity, A geometric Approach\textquotedblright{}. United State of America: Cambridge University Press, 1999.




1 - trecho retirado de "Cassilda's Song" in The King in Yellow Act 1, Scene 2 - R. Chambers 1895.

2 -  Sendo mais preciso, pelas equações de Einstein, o que curva o espaço tempo é o tensor energia-momento. 

3 - Na verdade o mais correto é "Extremizar a ação", que é algo BEM matemático e não cabe nesse texto, nem vou passar referência porque seria em um livro nada amigável.

4 - Para ser mais exato, a região que começamos a sentir os efeitos malucos do buraco negro é na verdade delimitada pelo raio de Roche, mas desconsiderando os chamados efeitos de maré, tudo que estamos tratando está correto. Veja mais aqui.

5 - A pressão de degeneração (ou de degenerescência) é um fenômeno quântico que não possui análogo clássico, portanto você pode entendê-la como a pressão que  tem origem no princípio de exclusão de Pauli, o qual não permite que dois elétrons (férmions) ocupem simultaneamente o mesmo estado quântico, dando origem a uma pressão contrária a compressão gravitacional da estrela. De maneira mais simplista,  considere um gás de elétrons, quando você o comprime os elétrons ficam muito próximos e a energia cinética deles fica bem grande, com isso você tem uma pressão no sentido contrário a sua compressão, e essa justamente a pressão que chamamos de pressão de degeneração (ou de degenerescência). O princípio de exclusão de Pauli entra bem aí, pois ele diz que se você tiver dois elétrons com mesmo spin, por exemplo (se for ser mais correto deveríamos afirmar que os 4 números quânticos não podem ser iguais, mas fiquemos só com o spin), eles não podem ocupar o mesmo estado de energia dentro de um determinado volume (no nosso caso a estrela). Aí quando os níveis mais baixo de energia já estão preenchidos, os outros elétrons começam a ser forçados a níveis de energia cada vez mais altos, fazendo com que a energia cinética deles vá aumentado e crie a pressão de degeneração que mantém a estrela resistindo ao colapso gravitacional.
domingo, 21 de dezembro de 2014
Posted by Thiago V. M. Guimarães

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