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Um monstro que pega o seu dinheiro, o meu trabalho e ainda prejudica a ciência
Em um dos primeiros textos que escrevi para esse blog (Ciência fastfood) eu abordei um assunto meio absurdo, que é a exploração do trabalho do cientista por sanguessugas como a Elsevier, porém o foco do texto foi voltado para Salami-Science. Hoje eu quero falar sobre como o monopólio sobre a publicação de papers afeta a todos nós, desde os países mais pobres até os mais ricos.
Como já abordei antes, um cientista precisa publicar papers para comunicar suas descobertas e caminhar em sua carreira, portanto aquele que não pública em grandes periódicos ou faz isso de forma escassa é um ninguém. Então existe um grande desespero para se ter um bom número de publicações e, por si só, isso já não está sendo uma coisa boa. Porém nada está tão ruim que não possa piorar, por trás dessa linha de produção em massa de artigos que os cientistas do mundo todo estão imersos, existe uma grande corporação chamada Elsevier, que sozinha possui quase 30% de todo mercado de publicações acadêmicas do planeta (claro que ela não é a única, mas será o saco de pancada da vez e mais abaixo ficará claro o porquê).
Para se entender a relação entre você, eu e a Elsevier, vamos a essa história real:
Eu trabalho na Unesp que, junto com a Unicamp e USP, recebe 10% do ICMS arrecadado pelo estado de São Paulo, além disso sou financiado por um órgão federal que, claramente, é mantido com dinheiro da União. Ou seja, se você é do estado de São Paulo você paga duas vezes pela minha pesquisa que será publicada em um paper no periódico Physics Letter B, da Elsevier. Geralmente funciona assim, se o periódico tem interesse na pesquisa você publica de "graça", senão há a possibilidade de você pagar por página (algo que é muito caro). Supondo que eles aceitem meu paper financiado pelo seu dinheiro, ele será publicado e o mundo todo terá acesso a ele, com isso pessoas de países pobres e ricos, você e seus filhos poderão desfrutar do meu trabalho acadêmico...... NÃO! NÃO MESMO!.... muito longe disso. Depois de publicado, esses periódicos cobram uma assinatura anual que no total custa mais de 5 milhões ao ano, tornando-os altamente restritos a apenas quem pode pagar, assim nem os países pobres, nem os países ricos, nem você que financiou o trabalho e nem mesmo eu que o fiz terei acesso sem pagar essa bagatela (ou 35 dólares por artigo). Sim é uma relação de amensalismo absurda, eu trabalho, você paga e quem fica com os lucros é a Elsevier e não há repasse de nenhum centavo para mim ou para a instituição na qual trabalho.
Devido ao grande valor cobrado pela Elsevier (que subiu 145% nos últimos 6 anos), grandes instituições como Harvard alegaram que a situação está insustentável e que o valor "extorquido" não poderia ser pago. Com isso começou uma mobilização de boicote a Elsevier e um grande incetivo aos pesquisadores publicarem em periódicos de acesso aberto.
Essa postura mercenária das grandes publishers afeta direta e negativamente o desenvolvimento científico não apenas em países ricos, mas principalmente em países pobres, uma vez que cria verdadeiras barreiras econômicas e intelectuais entre esses e a produção científica mundial. Os efeitos também são sentidos pelo mercado de publicações e financiamento acadêmico, uma vez que pequenas empresas são esmagadas por esses monopólios (veja esse caso: Save Ashgate Publishing).
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Ilustração: Auke Herrema. |
O que temos até aqui é um cenário absurdo; empresas gerando bilhões ao ano com trabalho financiado por instituições de ensino (leia: seu dinheiro), as quais não recebem um centavo desse montante que ajudam a agerar e ainda precisam pagar para se ter acesso aos trabalhos publicados nesses periódicos. A realidade é que estamos engordando esse porco com nosso suor e dinheiro para apenas as grandes publishers comerem.
Nos últimos anos surgiram algumas maneiras de agilizar, facilitar, baratear e até burlar o processo de publicação e disseminação de trabalhos científicos, como o caso do banco de pré-prints Arxivs. Há também uma ferramenta mais democrática ainda que estudantes e professores do mundo todo utilizam, que é a Library Genesis. Sim, ela infringe leis internacionais de copyright de empresas como Elsevier por disponibilizar gratuitamente conhecimento/informação para qualquer um que precise dele, no caso; eu, você, nossos irmãos, professores, um cara lá dos EUA ou um estudante do Zimbábue. Esse é um verdadeiro buraco no muro criado por essas empresas parasitas. Se quiser comparar, é um caso mais delicado do que as empresas de cinema e música, pois essas sim arcam com o alto custo da produção de seus produtos, diferente dessas grandes publishers que faturam perto de 50% do montante gerado e não pagam um centavo pros verdadeiros produtores.
Acontece que agora o nosso bode expiatório, que compactua com o SOPA e PIPA, quer tapar esse buraco no muro, alegando um prejuízo de mais 1 de bilhão de dólares. Em uma ação movida contra o a Sci-Hub, LibGen e Bookfi, a Elsevier conseguiu o bloqueio desses sites mostrando sua postura de coibir o acesso público a informação/educação. Embora seja direito de uma empresa reivindicar seus direitos autorais, cabe a pergunta: é direito dela dominar o mercado e criar lobby político, mercadológico e acadêmico para construir barreiras econômicas e restringir a disseminação de informação e conhecimento científico mundial?
Claramente, para mim a resposta é um grande NÃO, pois se fosse eu nem perderia tempo escrevendo um blog que nem propaganda tem. Mas para o juiz que julgou o caso:
"a simples disponibilização gratuita de conteúdo com copyright em um website estrangeiro é um desserviço ao interesse público."
Baixar um livro/artigo para fins educacionais é um desserviço ao interesse público apenas se "público" for o novo nome fantasia da Elsevier. E mais, paira-me uma dúvida sobre o cálculo aproximado do prejuízo de 1 bilhão, uma que vez que se essa estimativa foi feita sobre os títulos baixados dos sites em questão, esse valor se torna totalmente virtual, já que o simples download não indica que haveria a real necessidade de compra, principalmente tendo em vista as práticas abusivas de preços das próprias empresas.
Como você pode ver o cenário atual é um tanto insustentável, mas há diversas saídas, a primeira e mais óbvia (porém pouco realista) é a dessas empresas tomarem consciência e reduzirem seus altos e injustificáveis valores, outra forma óbvia é um boicote à Elsevier e a valorização do periódicos de Acesso Aberto... mas o que acontecerá, só o tempo irá dizer e nos cabe torcer para que sites como a LibGen e Sci-Hub continuem por mais um longo tempo.
domingo, 6 de dezembro de 2015
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Thiago V. M. Guimarães
Por que a Pesquisa em Ciência de Base é Importante?
Este texto corre sério risco de ser inócuo perante aqueles de mente impenetrável à reflexões. Porém àqueles que sempre buscam o auto questionamento e o refino de ideias pode servir como um norte, então acredito que valha a pena tratar sobre esse assunto.
Em 1860, em uma de suas apresentações na Royal Society, Michael Faraday foi interpelado pela Rainha da Inglaterra, que ao final de sua apresentação lhe perguntou: “Tudo isto é muito interessante, Senhor Faraday, mas para que serve?”. Consta que Faraday teria respondido: “Majestade, para que serve um recém-nascido?”. fonteA nossa sociedade é muito acostumada a dar valor às coisas por sua funcionalidade, portanto é uma tarefa fácil atribuir valor à tecnologia. Também é fácil ver a importância da ciência que desenvolve essa tecnologia, mas é complicado visualizar a relevância da ciência de base¹, a qual atua de modo implícito. Qual a importância da descoberta do bóson de Higgs? Qual a relevância em saber que existem planetas extrassolares ? Qual o sentido de estudarmos os neutrinos ? Por que enviar uma sonda para Marte?
Muito provavelmente
você conhece alguém que responderá as perguntas acima de forma
categórica (e estúpida): “Isso não possui nenhuma Importância”.
Essa mentalidade é fruto da nossa total alienação e ignorância referente à ciência. Pensando nisso, estou
escrevendo esse texto para tentar justificar a importância da
ciência de base e do investimento submetido a ela.
A ciência que
aparentemente não se aplica²:
Temas de pesquisas
científicas como astronomia, astrofísica, cosmologia, alguns ramos
da teoria quântica de campos e física de partículas, são vistos
por muitos como "pesquisa inútil" por não ter aplicação aparente.
Mas não ter aplicação aparente não significa ser inútil, significa
que as mudanças causadas por esses estudos são mais subjetivas e,
algumas vezes, mais profundas do que qualquer aplicação
tecnológica imediata.
Para entender isso
temos que olhar para o passado. Há mais ou menos mil anos atrás, víamos
uma concepção de universo completamente diferente da atual:
a Terra estava no centro do universo, a divisibilidade da matéria
chegava até o átomo, o tempo era algo fixo e difícil de se
entender, o universo era estático e “pequeno”. A partir do
momento que novos conhecimentos foram construídos, derrubamos nossas
antigas visões sobre o universo e sobre qual era nosso lugar nele, colocamos
nossas concepções, supostamente sólidas e lógicas, em cheque, desestabilizamos séculos de conhecimento humano sobre a natureza e nós mesmos.
Atualmente sabemos que
não somos o centro do universo, que a matéria é composta por partículas ainda menores que o átomo, que existem bilhões e bilhões de estrelas
no universo e que muitas delas são semelhantes ao nosso Sol, sabemos
também que o nosso universo pode ter um início, que o tempo é
relativo, que a antimatéria existe, que somos pequenas criaturas
vivendo em um pequeno planeta orbitando uma pequena estrela na
periferia de uma galáxia qualquer, que grande parte do material que
compõe nossos corpos foram sintetizados no interior de estrelas que
morreram há muito tempo. Ou seja, passamos por uma gigantesca revolução intelectual nos últimos mil anos, isso não foi útil? não trouxe aplicações tecnológicas a longo prazo?
Dois exemplos
contundentes de como a ciência de base afeta profundamente nossa vida é
a revolução copernicana, que tirou a Terra do centro do universo, e
a teoria da relatividade que tirou o caráter absoluto do tempo. De
forma geral ambas tiveram impactos sociais e culturais profundos, a
ponto de nossa filosofia ocidental ser impensável sem essas ideias.
Com a teoria quântica foi a mesma coisa, seu desenvolvimento trouxe
uma série de visões novas a cerca do universo e até a nossa filosofia teve, de certa forma, que se reestruturar em alguns segmentos.
Então a importância
da ciência de base se dá na estrutura de nosso conhecimento e de
nossa relação com o universo. Esse conhecimento novo não é uma
transformação local na ciência, mas sim um fenômeno global que se arrasta para diversas áreas do conhecimento.
Eugene Wigner, em seu artigo “The
Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences”,
começa a seguinte estória:
“Há uma história sobre dois amigos, que eram colegas na escola, falando sobre seus trabalhos. Um deles tornou-se um estatístico e estava trabalhando em crescimentos populacionais. Ele mostrou um de seus trabalhos a seu ex-colega de classe. Seu trabalho começou como sempre, com a distribuição de Gauss, e o estatístico explicou o significado dos símbolos para a população real, para a média da população, e assim por diante. Seu colega estava um pouco incrédulo e não tinha certeza se o estatístico estava de fato falando sério ou se estava brincando. Então ele pergunta: "Como você pode saber disso tudo? … E o que é esse símbolo aqui?" "Oh", disse o estatístico ", isto é pi". "O que é pi?", o estatístico responde: "pi é a proporção da circunferência do círculo com o seu diâmetro, tal qual vimos na escola", então o colega retruca: "Bem, agora você está indo muito longe com sua piada... certamente a população não tem nada a ver com a circunferência do círculo."
essa foi a primeira vez que o ser humano viu um por do sol no solo de outro planeta - Foto tirada pela sonda Spirit. |
Essa estória é
realmente interessante, pois de fato estamos usando pi, um número
que nasceu do estudo de formas geométricas, para descrever crescimentos
populacionais, que aparentemente nada tem a ver com isso. Da mesma
forma acontece na ciência de base, todo conhecimento transcende as
necessidades de seus estudos e se aplicam, mais cedo ou mais tarde,
nas mais diversas áreas. Há 120 anos começavam a se desenvolver a
relatividade e a mecânica quântica e, muito provavelmente, seu
estudo parecia inútil para diversas pessoas da época, já que muitos
acreditavam que esses dois ramos eram apenas dois detalhes a serem
consertados na física (supostamente) quase completa da época. Hoje existem aplicações de ambas (em conjunto ou
separadas) nas mais diversas áreas da física, da química e da tecnologia, desde
a fabricação de computadores, lentes, telefones, diagnósticos
médicos, até em outros segmentos de pesquisas como a
cosmologia, astrofísica, etc.
Podemos ainda
extrapolar essa estória e compará-la com pesquisas como a Curiosity que estuda a possível
existência de vida em Marte. A importância de se encontrar vida
fora da Terra, a meu ver, se assemelha bastante a tirar a Terra como
centro do universo, pois irá tirar desse planeta a visão privilegiada de
ser o único com vida. Mas muito além disso, também abre
inúmeras possibilidades de se compreender como a vida funciona e se
desenvolve em diversas situações, o que pode nos ajudar a entender
como a vida se formou aqui. Entender como o clima e a
geologia de Marte funcionam também pode revelar coisas
surpreendentes sobre o funcionamento e o futuro da Terra. Podemos ver Marte e outros planetas como grande laboratórios a serem explorados, assim como estrelas distantes, buracos negros, quasares e toda a grande quantidade de corpos que temos espaço sideral a fora.
A ciência que
aparentemente se aplica:
Dos temas citados
acima, talvez o mais fácil de se ver a aplicabilidade seja a
quântica, embora todos os nossos
conhecimentos possam atuar direta ou
indiretamente na produção de tecnologia. Há 100 anos a teoria da
relatividade era um conceito novo, aparentemente sem aplicação
imediata, mas hoje a usamos em diversos aparelhos, sendo o mais comum
o GPS, por exemplo. Os estudos da relatividade e da mecânica quântica nos
possibilitaram entender, produzir e aplicar vários fenômenos
relacionados a física de partículas e a matéria condensada, tais quais se fazem extremamente presentes hoje em diversos setores
da tecnologia, incluindo a medicina.
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Imagem de um tumor realizada com um PETscan, tecnologia que foi possível graças a estudos com antimatéria |
Quando um novo
conhecimento é obtido na ciência de base é quase impossível
prever suas aplicabilidades futuras, como foi quando Dirac previu a
existência de antipartículas. Na época você certamente poderia
taxar essa pesquisa de inútil, mas hoje uma pessoa com câncer pode
ser diagnosticada precocemente por causa de ferramentas de diagnostico
como o PETscan que usam antimatéria. Mas não para por aí, o
próprio Dirac só conseguiu fazer essa previsão após unir com
sucesso a mecânica quântica e a relatividade restrita, tal fato foi
considerado um dos feitos mais importantes do século passado... e
não teve aplicação imediata.
O mesmo pode acontecer com pesquisas como ondas gravitacionais e o bóson de Higgs, sabemos se elas tem aplicação no
momento? Não, não sabemos, mas não podemos prever se no futuro haverão aplicações grandiosas para elas. Porém de imediato elas são de extrema importância para a física, a primeira é uma enorme constatação de uma previsão feita pela Relatividade Geral que abre uma enorme janela para o desenvolvimento de uma nova técnica de medição baseada em ondas gravitacionais, o irá ajudar muito nossa astronomia, astrofísica e cosmologia, já a segunda é a confirmação de que uma teoria que já usamos há quase 60 anos está realmente correta. Elas são, portanto, em primeira mão o atestado que mostra que estamos acertando em nossas previsões acerca do universo no qual vivemos.
Por sua vez, pesquisas
e experimentos como a sonda Curiosity e o LHC, desenvolvem uma série
de novas tecnologias para que possam ser realizados. Viagens
espaciais tripuladas e sondas por exemplo, criam e implementam tecnologias que são usadas em televisores,
câmeras fotográficas, roupas, calçados, aparelhos ortodônticos e
vários outros. Da mesma forma, pesquisas para a construção de grandes
aceleradores geram uma enorme quantidade de novas
tecnologias, como a web, que foi desenvolvida pelo Cern.
A ciência aplicada e a
ciência base são como duas pernas, se uma delas não funciona
direto nós não progredimos direito. Progressos teóricos sempre revelam progressos de aplicação que por sua vez geram
mais progressos teóricos, de tal forma que não podemos pensar na
ciência moderna sem uma dessas partes. É um erro crasso tentar
atribuir mais valor a uma ciência do que a outra, pois elas se
completam de modo a formar nosso conhecimento científico atual.
A tecnologia é fruto da aliança entre ciência e técnica, a qual produziu a razão instrumental, como no dizer da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Esta aliança proporcionou o agir-racional-com-respeito-a-fins, conforme assinala Habermas, a serviço do poder político e econômico da sociedade baseada no modo de produção capitalista (séc. XVIII) que tem como mola propulsora o lucro, advindo da produção e da expropriação da natureza. Então se antes a razão tinha caráter contemplativo, com o advento da modernidade, ela passou a ser instrumental. É nesse contexto que deve ser pensada a tecnologia moderna; ela não pode ser analisada fora do modo de produção[...] (MIRANDA, 2002).
Acredito que, de alguma
forma essas linhas acima possam contribuir não para a aceitação,
mas sim para a vontade de se debater sobre o assunto. Até a próxima.
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1 – Ciência de Base/Pura/Fundamental é aquela que tem por pretensão o estudo das propriedades fundamentais da natureza sem visar diretamente uma aplicação.
2 – Essa conotação
“ciência que aparentemente não se aplica” é uma divisão
arbitrária minha, ela não existe de fato.
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
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Thiago V. M. Guimarães
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Partículas Elementares, Matéria Escura Desaparecida e Grávitons Canhotos.
Essa semana aconteceram coisas interessantes que eu gostaria muito de comentar, como um livro que eu ganhei, notícia bizarra que eu achei e um experimento com matéria escura. Ah e hoje, graças a habilidade de um amigo, conseguimos habilitar o $\LaTeX$ aqui no blog - Valeu Frank Zequim!!
1 – O Discreto Charme das Partículas Elementares.Essa semana a professora Maria Cristina Abdalla, do IFT, me enviou de presente seu livro “O Discreto Charme das Partículas Elementares”, por esse motivo me senti no dever de falar um pouquinho sobre ele.
A autora é uma pesquisadora brasileira que atua na área de partículas e campos, embora esteja se aposentando, ainda trabalha na orientação de alunos de pós-graduação e faz um trabalho muito interessante voltado a ensinar física moderna a professores do Ensino Médio.
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capa do livro |
Uma visão rápida e geral do livro:
1 – Introdução
O capítulo de abertura do livro faz, em poucas páginas, uma abordagem histórica da evolução da idéia de átomo até os dias de hoje. O que eu achei bem legal foi que no meu TCC (na época da graduação) eu fiz uma introdução histórica bem parecida, então eu sei bem a dificuldade em se condensar milhares de anos de história em poucas páginas... até porque historiador da física, assim como todo físico, é chato pra cacete, qualquer deslize e já tem alguém para pedir sua cabeça.
2 – A Família das Partículas Elementares
Esse capítulo chamou minha atenção, devido a forma que a autora abordou sobre o tema. Basicamente foi traçada uma linha histórica da descoberta das partículas. Um ponto interessante é que eu estou acostumado à livros que separam a história da fenomenologia, aqui houve o cuidado de se agregar ambos os pontos. Então junto da parte histórica é também trabalhado as características e fenômenos relacionados às partículas, tudo isso de forma precisa, sem exemplos desconexos que mais atrapalham do que ajudam. Gostei também do cuidado em tratar o spin, de se falar em números quânticos e da ótima explicação de como enxergamos essas partículas em alguns experimentos. Acho que um dos pontos-chave desse capítulo é o exercício pedagógico de completar o modelo padrão, que autora realiza ao longo do texto.
3 – Janelas para o Invisível
Capítulo voltado a explicar um pouco da história e funcionamento dos acelerados bem como sua importância para a física de partículas. Gostei bastante das ilustrações desse capítulo, além da boa dissecada no LHC.
4 – A Linguagem Matemática da Natureza
Aqui o livro se mostra realmente impar. Houve o cuidado com nuances que sempre passam desapercebidas em livros de divulgação científica, como a relação entre o que é uma interação e o que é uma força. Além de que a autora teve muita segurança ao encarar o desafio de falar de grupo de simetria, diagramas de Feynman, etc. Ao final ainda se tem uma rápida abordagem sobre a unificação dessas interações.
5 – O Discreto Charme do Universo
Esse capítulo se retem a explicar a evolução do universo, matéria e energia escura. O que eu mais gostei aqui é que é um capítulo muito completo e cuidadoso, em que não são abordados apenas as evidências que corroboram para teoria do big bang, mas também seus problemas.
Um quark estranho |
Esse livro dá uma sólida base sobre física de partículas bem além do que um leigo necessita para apreciar a ciência, uma vez que é extremamente profundo, preciso e abrangente. É um material indispensável para interessados que detestam divulgação científica superficial, além de ser excelente para professores do Ensino Médio (ou mesmo Ensino Superior) que estão com dificuldades em encontrar uma abordagem didática para esses temas da física moderna. Alunos de iniciação científica em partículas têm o dever de usar esse livro, pois nunca achei uma abordagem realmente didática nos livros usuais de física de partículas e campos, o que prejudica um pouco o entendimento do aluno quanto ao seu próprio projeto e ainda sobrecarrega os orientadores mais dedicados.
Tá, eu sei, é absurdo o título do tópico, mas acontece que eu achei essa pérola no site Jornal Ciência (que de primeira confundi com o Jornal da Ciência). Esse site pertence ao R7 e fez a proeza de publicar o seguinte texto: Você é canhoto? A culpa pode ser da 'gravidade quântica', afirma teoria
Nele você pode ver uma explicação bem legal (SIC), de o porquê a gravidade quântica faz a gente ser canhoto... isso tudo é um grande e verdadeiro “WTF?”.
Eu fiquei mais de 30 minutos tentando entender de onde o autor tirou essa relação entre grávitons e ser canhoto. Até que um colega deu um toque, muito aparentemente o autor estava lendo um texto em inglês sobre o assunto, e se deparou com left handed particles (ao pé da letra; partícula canhota), como muito provavelmente o texto deveria ser sobre o gráviton, então ele concluiu que cientistas estavam tentando saber se o gráviton era “canhoto” ou “destro”, o que não é errado. Mas eis que deve ter entrado a veia jornalística dele e ele concluiu que se o gráviton fosse “left handed” ele influenciaria você a ser canhoto.
Ser “canhota” ou “destra” é uma propriedade que chamamos de helicidade, e ela é a relação entre o spin e a direção do movimento de uma partícula. Veja abaixo a ilustração que furtei do Quantum Diaries:
Essa partícula possui helicidade direita (ou helicidade destra – sei lá como fica isso em português), pois você poderia colocá-la na palma da sua mão direita e ao fechar seus dedos, com exceção do indicador, eles ficarão sempre no sentido do spin, enquanto seu polegar ficará no sentido do movimento da partícula. Mesmo que invertamos o movimento da partícula essa regra contínua valendo.
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seu polegar indica o sentido do movimento, enquanto os dedos indicam o "sentido" do spin (Mão Direita) |
Para partículas com helicidade esquerda (ou helicidade canhota) você usa a mesma técnica de colocar a partícula na palma da sua mão e fechar os dedos, mas agora a sua mão tem que ser a esquerda, assim o seu polegar novamente dará o sentido e direção do movimento e seus outros dedos darão o sentido do spin.
partículas com mesma helicidade em sentidos opostos. |
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Mão esquerda |
NOTE que quando eu digo “colocar ela na sua mão” estou apenas ilustrando a situação para que você enxergue de maneira didática, obviamente não dá para você fazer isso na prática.
Resumindo, a helicidade das partículas nada tem a ver com o fato de você ser destro ou canhoto (eu sou ambidestro e aí?). Muito provavelmente o autor desse texto leu alguma coisa que falava sobre determinar a helicidade do gráviton, confundiu tudo e fez questão de dividir isso com você!
partículas com helicidades diferentes, note que mesmo que você coloque o movimento delas no mesmo sentido e direção o spin de uma será o oposto da outra |
É pessoal, a notícia impactante da semana foi sobre os dados obtidos pelo experimento de medição de matéria escura LUX. Eu, como adoro ver o circo pegar fogo, achei ótimo, minha namorada que tem pretensão de pesquisar na área, ficou triste.
Mas o que aconteceu foi o seguinte; quarta-feira, dia 30, a equipe do experimento em questão publicou esse artigo com dados obtidos em 3 meses de pesquisa: First results from the LUX dark matter experiment at the Sanford Underground Research Facility. Nesse artigo os dados mostram que na pesquisa anterior, usando um experimento menos sensível, obtivemos dados que não foram novamente observados nesse experimento mais preciso. Ou seja, não detectamos matéria escura na faixa de massa de 5-20 GeV / c ² que esperávamos. Tenha calma, isso não significa (ainda) que a matéria escura não existe, apenas estamos limitando as faixas de massa que ela pode ser encontrada.
Mas você deve estar se perguntando, porque um resultado negativo tem importância assim para todo mundo ter falado, é simples:
a) Não mostrar nada significa que naquela região, faixa de energia, aparentemente não tem nenhuma partícula de matéria escura
b) Mostra que nossas experiências antigas que deram resultados promissores nessa faixa de massa estavam erradas.
c) Limitamos ainda mais a possibilidade da existência de matéria escura, mas não acabamos com ela, pois ainda temos candidatos como as WIMPS.
d) Esses dados mostram que o experimento funciona bem, assim eles têm uma melhor chance de uma boa descoberta nas próximas medidas que serão realizadas.
Caso queira se informar um pouco mais sobre o assunto, veja esses textos:
- First LUX result negates previous possible dark-matter sighting.
Caso queira se informar um pouco mais sobre o assunto, veja esses textos:
- First LUX result negates previous possible dark-matter sighting.
domingo, 3 de novembro de 2013
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Thiago V. M. Guimarães
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Entrevista sobre o Bóson de Higgs - ou um duelo entre jornalismo e informação?
Olá pessoal, não ia escrever um texto antes de sexta, mas quero falar acerca da entrevista que o Rogério Rosenfeld, do IFT, deu à emissora Bandeirantes no domingo. Os vídeos estão logo abaixo (linkei só a parte 1 de 4) e também indico que primeiro vocês leiam esse texto do Daniel, que foi o "muso" inspirador desse texto (kkkkkk).
Assisti a entrevista ontem, pelo canal do youtube do qual linkei o vídeo acima. Como eu estava de mal comigo mesmo e queria me autoflagelar, resolvi ler os comentários. Então o contexto total me deu vontade de escrever um texto abordando a postura do Rosenfeld, dos jornalistas e do pessoal que estava assistindo e criticando.
A entrevista já começa com um vídeo legalzinho, mas cheio de imprecisões. Obviamente a emissora não iria querer gastar mais dinheiro pagando alguém que entendesse do assunto para dar consultoria no vídeo, já que qualquer estagiário de jornalismo pode ler meia dúzia de textos e entender tudo do assunto. Afinal, o Higgs é totalmente trivial, uma partícula gorda que gruda em todas as outras partículas e dá massa para elas, cria o universo, passa café e faz bolo de chocolate.
Tirando o bonito e desastroso início, começa a entrevista. Parecia que eu estava assistindo um duelo de repentistas; os jornalistas perguntavam algo e esperavam respostas imediatas, “sim”, “não”, “o bóson de Higgs é isso”, o “bóson de Higgs é aquilo”... Porém, como o Daniel deixou bem claro no texto dele, na Ciência as coisas não são bem assim, principalmente se tratando de um assunto tão recente e complexo. Como vocês devem ter notado no meu texto anterior, o bóson de Higgs não é trivial, não se formula uma resposta exata “o bóson de Higgs é isso” e todo mundo compreende sem problema algum. Infelizmente na “física de ponta” muitas coisas que parecem triviais já deixarem de ser simples há muito tempo, como o caso da massa, que eu também escrevi a respeito.
Outro exemplo é a própria definição do que é matéria ou o que é uma partícula. Se um físico me perguntasse agora o que é uma partícula, eu conseguiria dar uma resposta concisa: responderia “na lata” que é uma representação irredutível do grupo de Poincaré. Um físico compreenderia sem problema algum, mas e para você que sentido isso faria? Muito provavelmente não faria nenhum sentido, afinal o que é uma representação irredutível, o que é um grupo de Poincaré? Quem ou o que diabos é Poincaré? Obviamente, para explicar a um “não especialista”, eu precisaria pensar em uma forma mais didática de abordar o assunto e, ainda sim, sem muita imprecisão.
Isso, por si só, já é uma tarefa muito difícil se tratando de assuntos consolidados, que todo mundo conhece dentro da física. Imagine agora responder perguntas referentes a algo que acabou de ser sistematizado, que pode ter relação com mais coisas do que sabemos, que pode ter propriedades levemente diferentes do esperado. Uma resposta concisa seria um erro tremendo.
Outro problema contundente eram as perguntas que vinham de jornalistas leigos. Via-se que o pobre Rosenfeld tinha que entender a pergunta e tentar consertar ela para que, aí sim, pudesse formular uma resposta simples e didática de algo complexo que está na fronteira do conhecimento humano.
Nesse meio tempo entre a compreensão, correção e resposta à pergunta, os jornalistas já estavam interrompendo o entrevistado com novas perguntas e indagações que algumas vezes sequer havia relação com a pergunta que ele estava tentando responder.
Aí vem aquela máxima: “Ah Thiago, você está sendo injusto, os jornalistas são pressionados para escrever, por quantidade de conteúdo em um tempo apertado, mimimi...”. Sim eu sei disso, e gostaria agradecer a essas empresas de jornalismo que estão preocupadas unicamente com lucro e não com qualidade de informação passada, pelo desserviço muitas vezes prestado à divulgação científica. Embora eu ache que a atitude da Bandeirantes, em abordar o tema, tenha sido algo muito legal, notava-se que a emissora não tinha nem ao menos UM repórter capacitado para tal entrevista, o que jogava toda a responsabilidade nas costas do Rosenfeld.
Uma coisa que eu gostei muito foi o desanimo dos entrevistadores logo no começo quando receberam a resposta de que o Higgs não tinha aplicação prática no momento. Esse ponto é algo muito delicado, pois nossa atual sociedade sente uma enorme dificuldade em achar utilidade para o conhecimento que não desenvolva imediatamente tecnologia. O aperfeiçoamento da nossa forma de ver e compreender o universo, a evolução da nossa compreensão de mundo são totalmente inúteis se não der para fazer um Iphone com bateria que dure mais tempo.
Mas enfim, esse é o mundo que vivemos e muitas vezes temos que tentar “vender nosso peixe” e forçar a existência de supostas tecnologias que podemos construir com o Higgs.
Agora vamos ao nono ciclo do inferno... digo, ao comentários:
Tanto no facebook quanto no youtube as opiniões foram deprimentes, basicamente me deparei com a justiça do inferno:
1 – A Malícia
Comentários puramente maldosos, com única intenção de atacar o entrevistado que não correspondeu ao esperado; “de que adianta ter 50 diplomas e ser um mané que não sabe explicar nada” e coisas do tipo.
O Rogério soube sim explicar muito bem algumas coisas, o problema foi que ele nem ao menos teve tempo para pensar em respostas melhores e mais amplas, pois era sempre atropelado por um jornalista com uma pergunta quase sempre sem muito sentido.
2 – A incontinência
“O Gleiser é melhor, deveriam ter chamado ele”, “Ele é bom, mas preferia o Gleiser”.
Tá, aí é uma questão de opinião. Mas é justamente esse ponto que difere Rosenfeld de Marcelo Gleiser. Rosenfeld se enrolou um pouco, gaguejou, demorou a responder, mas percebi que ele fez isso diversas vezes na tentativa de dar a melhor resposta possível para a pergunta, muitas vezes sem sucesso, devido a falta de rivotril nos jornalistas.
O Marcelo Gleiser por sua vez, não é tão cuidadoso com as suas palavras, aí o pessoal gosta mais, pois você não precisa pensar muito para entender uma resposta dele. Mas isso é um problema, muitas vezes o Gleiser é impreciso a ponto de estar errado, mesmo a explicação dele sendo didática e legal. Então preste atenção, a resposta que você quer muitas vezes pode estar errada, principalmente se tratando de Ciência.
3 – A Bestialidade
Sem dúvida o maior reflexo dos comentário na internet, ninguém nunca conseguirá escapar deles. Mas como sempre, nesse caso só podemos sentir pena dessas pessoas que precisam se comportar como animais, ou como “vermes de comentário”.
Para fechar vou resumir exatamente o que eu achei de tudo isso: gostei bastante da entrevista, acredito que foi bastante válido a emissora ter aberto espaço para um assunto importante para a Ciência, e adoraria que as demais emissoras fizessem o mesmo. A postura dos jornalistas foi algo muito prejudicial para o desempenho do entrevistado, que não pode se expressar corretamente, ou a altura da capacidade que possui. As emissoras deveriam se preocupar mais com isso. Apesar dos pesares, as respostas do Rogério foram muito boas, algumas vezes não muito didáticas, mas ao menos ele não foi impreciso em alguns pontos que outros divulgadores como Gleiser e Kaku nem se importariam.
terça-feira, 15 de outubro de 2013
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Thiago V. M. Guimarães
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10 argumentos que você não deve usar em uma discussão sobre misticismo quântico
Estava aqui moscando, olhando para o Maple plotar umas
soluções numéricas para uns problemas em TQC que eu estou resolvendo, como isso
está demorando muito e basicamente o meu notebook fica tão lerdo que trava até
o navegador da internet (maldito Windows!), resolvi escrever esse texto como
apêndice para o texto anterior sobre cura quântica, pois pretendo pôr uma pedra
em cima disso.
Antes de tudo, esse texto tem a intenção de valer para
qualquer assunto pseudocientífico que envolva física, uma vez que ele será bem
genérico. Minha intenção é dar dicas de “como não discutir com um físico sobre
misticismo quântico”, então já aviso que esse texto é para ser assim mesmo,
sarcástico e nem um pouco informativo. Estou baseando as linhas a baixo nos
"argumentos" que já ouvi e li de pessoas que defendem o assunto, dessa forma se
você estiver em uma discussão relativa ao tema utilize esse texto para que você
não perca seu precioso tempo tentando discutir com os mesmo argumentos de
sempre. Mãos a obra:
10 + 1 Argumentos que você não deve usar ao discutir
assuntos sem provas científicas com físicos:
1 – Apelo à autoridade
Um dos argumentos
mais utilizados é uma falácia clássica do apelo à autoridade.
“Amit Goswami é (SIC) físico de Havard”
“Fulano de Tal, diretor do departamento de física de Cambridge, acredita no Capra”
“Laércio Fonseca tem mestrado na UNICAMP”
“O renomado físico do departamento de mecânica quântica de Skirym faz meditação transcendental”
“Walter White tomou homeopatia contra o câncer”,
“Einstein disse…”, “Heisenberg falou…”, "Homer Simpson provou…”....clap, clap.
Se você está discutindo com um físico/estudante/ser humano
normal e você pensa em usar um argumento parecido, semelhante ou que lembre alguma
dessas frases acima, nem perca seu tempo. O fato de qualquer pessoa acreditar,
ter falado ou “achar” algo não significa absolutamente NADA, não importando o
quão graduada seja essa pessoa, pois existe um abismo entre opinião pessoal e
uma evidência científica. A opinião não significa nada além de uma interpretação
baseada unicamente nas experiências de vida e preconceitos de uma pessoa, não
necessariamente passando por qualquer analise critica, o que é bem diferente de
uma evidência científica. Então não adianta colar frases de Einstein ou dizer que
fulano acredita nisso, se não existem evidências a respeito à opinião pessoal de
Einstein é tão relevante quanto à do seu padeiro.
Ah, pra falar a verdade seria legal se você não usasse esse
argumento nunca, não importa com quem ou o que você discuta, pois sem dúvida essa
é uma das falácias mais babacas que existem.
2 – A ciência provou.
Ahhh… esse é desesperador, quando eu leio isso tenho vontade
de jogar meu computador pela janela. Antes de dizer a “ciência provou”, que por
si só já não é epistemologicamente muito correto, você deve saber quais foram
os cientistas envolvidos nessa “prova”, onde o trabalho foi publicado, quantas
vezes ele foi citado, etc. Sair dizendo que a “ciência provou” algo é
simplesmente um argumento estúpido e vazio. Sem você mostrar como isso foi
"provado" é impossível discutir sobre o assunto, então, por favor, encontre as
publicações que "provem" o que você está dizendo, mas não vá pegar elas em livros
como “Alma Quântica”, “Xacra Quântico”, “Saúde Quântica da Madame Satan” e
muito menos em documentários. Documentários são simplesmente a mais baixa
categoria informativa sobre descobertas científicas¹. Então encontre
publicações científicas de verdade, se você não sabe como fazer isso é só
assinar os feeds desse blog que em breve vou escrever um texto sobre como
pesquisar por artigos.
3 – Apelo a Ignorância.
“Universo é muito complexo, nossa ciência é muito primitiva, portanto, tudo é possível e não sabemos nada”.
Novamente essa é uma falácia muito usada para defender
qualquer tipo de crença. Acho que sempre que posto algo relacionado à Mecânica
Quântica esse é o ponto que mais marcam em cima. Mas serei razoável, pois
realmente a mídia adora destacar que sabemos pouco do universo e que por isso
tudo é possível.
a)– O fato de não sabermos nada sobre um assunto não é prova
de que você está certo, é no máximo um motivo para não descartarmos o que você
está alegando.
b) – Antes de você afirmar que não sabemos nada, pare um
pouco e reflita. O que você sabe sobre a forma que a ciência agrega
conhecimento, como ela lida e aplica e ele? Olhe para esse monte de tecnologia
a sua volta, o que possibilitou isso tudo? Para construir essas tecnologias nos
precisamos entender “corretamente” como o universo funciona? Para mandar
corretamente nossas sondas para Marte, nossas teorias sobre gravitação têm que
estar corretas? Para fazer seu Iphone, Tablet, notebook, as leis da quântica
que descobrimos podem estar erradas?
Eu particularmente não gosto de atrelar a tecnologia como
justificativa para a ciência, mas acredito que no momento esse exemplo seja o
mais palpável. Para termos toda essa tecnologia precisamos que nossa
ciência esteja, com boa aproximação, correta. Nós compreendemos bem muitas leis
do nosso universo, muitas forças, muitas interações, muitas partículas. Você
pode ver isso facilmente, nós prevemos eclipses, máximos solares, prevemos a
existência de planetas e depois descobrimos de fato, conseguimos mandar sondas
para os mais diversos lugares e com grande precisão. Conseguimos fazer
tratamentos médicos baseados na física moderna e mais uma infinidade de coisas
que não seriam possíveis se nossas teorias estivessem erradas ou se nós não
soubéssemos nada sobre o universo. São as mesmas teorias que nos permitem levar
alta tecnologia a casa de vocês que também nos permitem, por exemplo, estudar
assuntos mais abstratos como o bóson de higgs, teoria do big bang, matéria
escura. Felizmente existem muitos e muitos mistérios no universo a serem
descoberto ainda, mas nós estamos trabalhando nisso e sabemos como prosseguir,
não somos um bando de macacos em um laboratório fazendo coisas aleatórias para
saber seus resultados.
Por favor, não use nossa ignorância para tentar
corroborar assuntos que nem sequer a ciência trata. Nossa ignorância existe e é
muito grande, porém existem muitas coisas que sabemos e são justamente essas
coisas que sabemos que nos permite, com prudência, descartar hipóteses absurdas.
4 – Humanização da Ciência.
Essa é até um pouco nova pra mim, mas me deparei com um
argumento desse tipo há pouco tempo aqui no blog.
“Considerar temas como “a mente colapsa a função de onda” são importantes porque humanizam a ciência e assim a gente não vai sair por aí jogando bombas nas cabeças uns dos outros.”
Ok, pra mim não faz sentido, mas se pensa em usar alguma
coisa nessa linha argumentativa mude de idéia. A ciência por si só já é uma
coisa humana e ela não vai deixar de ser menos humana por não aceitar hipóteses
sem evidência alguma. O mau uso da ciência em nada tem a ver com a forma que
procedemos em aceitar alguma hipótese, têm a ver com ética profissional tanto
de cientista, engenheiros, políticos, etc.
Eu enquadraria facilmente esse tipo de argumento em uma
falácia “non sequitur”, pois não faz sentido associar o mau uso da ciência com
uma suposta “não humanização” da mesma que nem ao menos existe. Afirmar uma desumanização
da ciência é não ter conhecimento algum sobre como ela funciona, dê uma lida
nesse breve texto: A Ciência Exata é Social.
5 – Nós não conhecemos nada da mecânica quântica e ela
permite tudo.
Esse argumento é muito semelhante ao terceiro, mas ele tem
um adicional. Geralmente as pessoas acham que a física quântica é naturalmente sem leis,
ou que apenas a estatística a rege. Os argumentos mais comuns nessa linha de
pensamento são:
“Ninguém compreende a mecânica quântica de verdade, pois as leis são muito bizarras”
“Feynman falou que se você acha que entendeu mecânica quântica é porque você não entendeu nada”
“A mecânica quântica é uma terra sem lei.”
“A mecânica quântica dá margem a tudo”
Esses argumentos não procedem, e o segundo ainda vem com
um adicional de apelo a autoridade. A mecânica quântica é uma teoria muito
bonita que não funciona pra tudo, tem leis bem definidas que nós conhecemos
muito bem, mas claro que existem alguns paradoxos ou efeitos que não
conseguimos ainda explicar com perfeição, como o emaranhamento
quântico, por exemplo. Em alguns casos nós até conhecemos bem as leis e sabemos
como trabalhar com elas, mas não entendemos direito o porquê delas existirem
exatamente. Ainda sim nada disso dá
margem a interpretações místicas ou embasa afirmações de que a Mecânica
Quântica é incompreendida, ou que tudo pode acontece.
A quântica menos ainda dá margem a “tudo”, na verdade ela
até restringe algumas coisas bem mais do que a física clássica. Quantizar
significa atribuir valores discretos a algo, e por valores discretos compreenda
como “não contínuos”. Assim se na mecânica clássica uma partícula pode ter
momento angular (a,b,c,d), quanticamente pode ser que a partícula só possa ter momento
(a,b), por exemplo. De forma mais palpável, imagine que a física clássica seja
nossas leis de trânsito², por lei você sabe que em determinados lugares você
deve atravessar sobre a faixa de pedestre apenas. Uma versão quântica das nossas leis
de trânsito poderia dizer que você só pode atravessar na faixa de pedestre e
pisando apenas sobre as faixas brancas. Dessa forma a nossa “lei quântica de
transito” restringiu ainda mais as possibilidades de atravessar a rua, agora
além de ser apenas na faixa de pedestre você só pode pisar na faixa branca. Da
mesma forma acontece na quântica, muitas vezes ela é mais limitante do que a
própria mecânica clássica.
6 – Opinião pessoal.
Muitas vezes quando estamos discutindo com alguém sempre
caímos em um impasse legal, de um lado nós defendendo um ponto de vista que é
um consenso na ciência e do outro a pessoa defendendo o que ela acha que é verdade. Aí surgem
os argumentos:
“Ah, mas essa é a minha opinião”
“Eu acho que é assim”
Serei categórico e mal educado: Foda-se sua opinião! Se você
não sabe nada de física, nada de ciência e quer discutir um assunto tão complexo
quanto esse, a sua opinião simplesmente não tem peso algum. Se você se matou de
estudar mecânica quântica e descobriu que o pensamento cura quanticamente as
pessoas, então pare de perder seu tempo com discussões, escreva um paper e o
submeta a uma revista científica que possua revisão por pares, que tenha um bom
fator de impacto, espere ser citado muitas vezes e que comprovem ou refutem
o que você está alegando.
7 – Tipo diferente de ciência
Esse é ótimo e vem em várias versões. Tem a versão:
“Colchão quântico é uma ciência nova desconhecida”
E também a famosa:
“Ah, crochê quântico é um tipo de ciência milenar chinesa/indiana que nasceu no Tibet” (que?)
É até complicado tentar começar a falar sobre isso, pois é
muito absurdo. Tipo, os caras pegam todo nosso jargão científico, falam de
experimentos que fizemos, misturam isso em uma salada com misticismo oriental e
vem falar que é outro tipo de ciência. Gostaria muito de saber que tipo de
ciência é essa que não produz nada além de livros de auto-ajuda e quinquilharias
quânticas que você pode comprar por um preço absurdo no Ebay.
Resumindo, um tipo misterioso de ciência oriental que não
segue os mesmo métodos da ciência ocidental se apossa dos nossos jargões,
aplicam em outro contexto que não tem relação nenhuma e a coisa ainda está
certa?! É tipo como recortar a peça de outro cabeça para fazer ela se encaixar
no seu?! Vou aproveitar para inventar um tipo diferente de misticismo que considera isso tudo um embuste!
8 – A Ciência não é dona da quântica nem da ciência.
Esse me faz chorar de rir:
“A Ciência não é dona da quântica”
“A Ciência não é dona da Ciência”
Que? Como assim? Alguém poderia explicar isso direito? A ciência constrói a teoria quântica e ela não é “autoridade” no assunto? Se um grupo de cientistas provarem algo e um monge lá do Tibet baseado em sua filosofia de vida disser que está errado, ou se o grande mestre Samael Aun Weor, em seu veículo astral, for até o Sol e os habitantes de lá disserem a ele que os cientistas estão errados então nós teremos que levar isso em consideração? é isso?
Esse argumento é altamente estúpido, pense bem antes de usar
ele.
9 – Argumento da paralisia mental filosófica.
Esse é péssimo por inúmeros motivos. O principal deles é que
uma conversa com uma pessoa que usa esse tipo de argumento simplesmente não
chega a lugar nenhum. Pois não importa o que você diga, essa pessoa nunca vai mudar de ideia e você
sempre será o cartesiano positivista da história. Então argumentos do tipo:
“Ah, mas a dialética….”, “Filosoficamente tudo pode existir”, “defina definir”, “Você está com um pensamento muito atomista"
Aqui a minha dica vai para o físico/estudante que está na
discussão; não perca seu tempo, vá estudar que você ganha mais.
10 – A evidência anedótica e o placebo
Um clássico que deve ter nascido com a humanidade. Em um
belo momento da discussão a pessoa resolve usar ela própria como prova:
“porque eu senti, então existe”
“porque uma vez um ET quântico massageou minhas costas”
“Porque a cura quântica me curou”
Esses argumentos são
clichês a máxima potência e não podem simplesmente ser levados em consideração, pois
a forma que interpretamos experiências pessoais está diretamente relacionada há
muitos fatores que ponderamos com extrema dificuldade. Duas pessoas que passam
pelas mesmas experiências de vida nunca possuem exatamente os mesmo pontos de
vistas e interpretações. Outro problema são os diversos efeitos que nosso
psicológico causa na nossa percepção de mundo, mais intrigante ainda são efeitos
que podem acometer até grupos inteiros de pessoas, como a histeria coletiva. Por si
só, esses efeitos psicológicos e sociopsicologico já são suficientes para
enfraquecer esse tipo de argumento, fazendo que ele caia no problema do ponto do vista que já
falamos. Nem vou tocar no ponto de que você pode ter algum tipo de
esquizofrenia ou outro transtorno social/neurológico que dificulta um
julgamento mais conciso e lúcido de suas experiências.
Se você foi curado ou não pela cura quântica, vodu
relativístico ou qualquer outra dessas coisas, simplesmente é impossível dizer,
pois não podemos distinguir se foi efeito placebo ou não. A forma mais segura de
verificar se realmente a cura quântica funciona é fazendo testes sérios com
vários grupos, comparando placebos controles, etc. Então não adianta você falar
o quão maravilhosa é a cura quântica, o ativismo quântico, ou qualquer coisa
assim baseado apenas em sua vida, portanto não use esse argumento.
11 – Comparação com teorias físicas ou.... "É só uma teoria"
De brinde, você ganha essa assustadora falácia. Ela funciona
mais ou menos assim:
“A teoria do Big Bang também era absurdo”
“A mecânica quântica parecia pseudociência”
“A teoria das cordas….”
"É só uma teoria"
Esse tipo de argumento geralmente me faz encerrar a conversa
na hora, pois demonstra o total desconhecimento da pessoa de como a ciência é
feita. Todas essas teorias vieram de bases solidas e de interpretações
científicas e matemáticas de outras teorias bem sucedidas que já tínhamos, não foi
algo tirado do chapéu ou misturado com misticismo oriental. Esse argumento é
bullshit total, evite isso!
Podemos resumir tudo que foi dito acima com “aprenda a
discutir e a julgar racionalmente as informações, evitando ao extremo usar suas
paixões”. Obviamente que esse assunto deve sim ser discutido, mas se estamos
falando de ciência então devemos fazer isso de forma séria e responsável,
sempre dando respaldando as nossas afirmações.
E para me despedir, gostaria de dizer que agora vai demorar um pouquinho para nosso próximo texto, mas prometo que ele será no máximo em novembro e sobre o tema "vácuo quântico".
Até breve.
1 - Documentários cumprem sim sua função de divulgação científica, o que é bem diferente da função de um periódico. Então note essa leve diferença no que falei.
2 - É, acho que acabei de criar a legislação quântica de trânsito, se alguma editora tiver interesse podemos publicar algum livro de auto-ajuda ensinando as pessoas a serem felizes quando estão dirigindo usando as leis quânticas de trânsito.
Até breve.
1 - Documentários cumprem sim sua função de divulgação científica, o que é bem diferente da função de um periódico. Então note essa leve diferença no que falei.
2 - É, acho que acabei de criar a legislação quântica de trânsito, se alguma editora tiver interesse podemos publicar algum livro de auto-ajuda ensinando as pessoas a serem felizes quando estão dirigindo usando as leis quânticas de trânsito.
terça-feira, 1 de outubro de 2013
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Thiago V. M. Guimarães
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NÃO É "Só" Uma Teoria!
Sempre vejo em comentários no facebook uma coisa que me irrita
um pouco, o famoso “é só uma teoria”. O assunto é de fato de uma complexidade
extrema, pois aqui não existem precisões de definições e escrever um texto sem
abordar diretamente aspectos históricos e epistemológicos de grande profundidade,
se torna um desafio impar. Vamos tentar, mas antes me deixe tentar te situar um
pouco.
O que me aflige é que em textos, comentários de facebook,
blogs, vlogs e na TV, é corriqueiro encontrar alguém que diga “é apenas uma
teoria” se referindo à Teoria da Relatividade, à Mecânica Quântica, à Teoria da
Evolução, à Teoria de Big Bang entre muitas outras. Para alguém envolvido de
certa forma com a ciência isso é quase um soco no estomago, mas para o resto da
sociedade é difícil de fato distinguir uma “teoria científica” e de uma “idéia pessoal”,
pois essa visão de “teoria” ser uma idéia sem muito fundamento, baseado no que
uma pessoa acha, é a forma mais usada para a palavra.
Mas afinal essas teorias são “apenas teorias”? O que de fato
é uma “teoria”? O lado pessoal tem muita ou pouca influência nessas teorias?
Vamos começar esse texto tratando de alguns aspectos sobre o que é “ciência”
e como ela é feita (você já se perguntou sobre isso?), mas isso é algo complexo
que me renderia não um texto, mas sim livros e mais livros. Por esse motivo vou
dar uma definição funcional e concisa (um pouco cartesiana), mas deixarei no final
do texto links para livros que vocês deveriam ler para de fato entender o
assunto – Não se limite a esse pequeno texto!
Para nosso propósito, compreendemos Ciência como uma ferramenta a qual agregamos conhecimento sobre a sociedade, seres vivos, átomos, planetas e tudo mais que está contido no universo a nossa volta. A partir do conhecimento científico podemos explicar desde fenômenos corriqueiros como a chuva, eventos cosmológicos como buracos negros ou microscópios como elétrons saltando de suas órbitas. Podemos também entender nossa sociedade, como ela funciona, se relaciona, se desenvolve. Descrever o desenvolvimento da vida, a interação entre os seres vivos, a evolução e muito mais.
De forma geral, a construção desse conhecimento segue regras comuns, as quais constituem o método científico¹.
Para uma informação ser aceita pela ciência, ela deve passar pelos seguintes
processos:
Primeiro se observa o fenômeno em
questão que se quer estudar, a observação pode ser direta ou não. Na observação
podemos utilizar microscópios, telescópios, olho nu e etc. Após isto,
formulamos uma pergunta sobre o que observamos para poder estreitar nosso foco
da investigação e especificar o problema.
Então damos mais um passo, que é a formulação de uma hipótese, ou seja, propor uma explicação lógica em forma de hipótese que descreva o fenômeno observado e preveja novos fenômenos.
Depois, realizamos experiências
controladas para testar nossa hipótese e então recolhemos e analisamos os
dados, se eles condizem com o esperado temos a comprovação da nossa hipótese,
caso contrário, temos que reformulá-la. Porém, ainda não podemos dizer que isso
é ciência, ainda nos falta dois aspectos importantíssimos e que jamais podemos
deixar de lado, são eles: a causalidade e a falseabilidade.
Apesar dos nomes um tanto
complexos elas são relativamente simples de se compreender, a primeira nos diz
a relação entre causa e efeito², ou seja, como um fenômeno primário acarretaria
um fenômeno secundário. A segunda nos diz algo interessantíssimo: toda hipótese
precisa ser testada, garantindo a sua verificação como verdadeira ou falsa,
podendo assim ser contestada.
Com isso tudo temos uma teoria recém nascida que irá acumular, ao longo do tempo, evidências diretas e indiretas que consolidam. Mas mesmo depois desse longo caminho ainda não temos uma verdade absoluta e nem nunca teremos, o que teremos é apenas uma modelo que descreve aproximadamente bem o observado, tal modelo pode no futuro ser substituído por um modelo melhor que abranja mais fenômenos e os explique com maior precisão.
Com isso tudo temos uma teoria recém nascida que irá acumular, ao longo do tempo, evidências diretas e indiretas que consolidam. Mas mesmo depois desse longo caminho ainda não temos uma verdade absoluta e nem nunca teremos, o que teremos é apenas uma modelo que descreve aproximadamente bem o observado, tal modelo pode no futuro ser substituído por um modelo melhor que abranja mais fenômenos e os explique com maior precisão.
Resumindo, para termos uma teoria científica precisamos ter um modelo consistente com a realidade, que explique fenômenos observados, que preveja corretamente outros fenômenos, que tenha provas diretas e indiretas, que possa ser verificado por qualquer cientista.
Na visão leiga, uma “teoria” é
nada mais do que uma dedução, nem sempre lógica, a partir de fatos observados. Agora compare as duas, a “teoria”
na visão de um leigo e a “teoria” na visão da ciência. Qual delas é de fato
mais sólida? Uma “teoria científica” é apenas uma “teoria”?
Outras Teorias e Alguns Problemas
Acima eu fui um tanto cartesiano
(detesto usar esse termo, pois é um dos xingamentos pseudointelectuais da moda universitária
tupiniquim, principalmente em cursos como psicologia… hahahaa) e por esse
motivo aqui vou tentar tratar de uma forma um pouco diferente.
Primeiramente, nem toda teoria
científica vem daquela forma. Por exemplo, eu trabalho com Teoria Quântica de
Campos (TQC), ela nasceu basicamente da união de duas teorias altamente consolidadas,
a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade Restrita. Partindo de elementos provenientes dessas duas teorias, estrutura-se novos modelos científicos, que nos levam a criação de uma nova teoria, mais abrangente que funciona como um Framework de teorias, é basicamente uma grande
teoria em que outras teorias são criadas. Como filhos da TQC, temos a Eletrodinâmica
Quântica, que é uma das teorias mais precisas e sólidas que temos hoje, e a
Teoria de Cordas que está em fase de comprovação.
Se a Teoria de Cordas ainda não foi comprovada, porque ela recebe o nome de teoria? Por um motivo simples, ela tem seu berço bem consolidado, é um produto de uma grande “teoria” e por isso ela acaba herdando o título. Mas existem outras teorias que saem desse berço esplendido que não são boas, ou foram descartadas por não condizerem com a realidade. Então existe uma plasticidade da palavra “teoria”. Mas o que tem que se ter em mente é que uma “teoria científica” tem uma base sólida e não é uma idéia maluca inconsistente, feita por um velho descabelado e solitário em uma sala empoeirada.
Mas dando um pouco de advogado do
diabo; essas nossas teorias consolidadas são infalíveis e imutáveis?
Nossas teorias são os melhores
modelos que temos até o momento para descrever fenômenos da natureza, algumas
teorias são ótimas, outras nem tanto. Por esse motivo nossas teorias vão sempre
falhar em alguns momentos e é a partir dessas falhas que ela evolui. Sem esses erros/falhas
a ciência seria um conhecimento estático e sem graça.
Você que é uma pessoa esperta vai
dizer: se é assim tão simples, por que não vemos teorias evoluindo com tanta
facilidade ou mesmo sendo abandonadas?
Essa pergunta toca no cerne da
teoria científica, em uma coisa que chamamos de Paradigma. O paradigma é como a
viga mestra da teoria. Quando encontramos observações e dados experimentais que
não condizem com nossas teorias, a primeira coisa que fazemos não é abandonar a
nossa teoria, mas sim criar forma de a teoria se encaixar naqueles
dados/observação, é como se fizéssemos um remendo na teoria e botássemos ela de
volta na estrada. Com o tempo vamos percebendo se o nosso remendo foi uma
melhoria ou se foi uma tentativa inútil de melhorar uma teoria que não condiz
muito com a realidade. Quando a teoria é ruim, com o tempo surgem tantos
remendos (explicações adhocs) que a teoria rui e temos que formular uma nova,
a esse ponto damos o nome de “quebra de paradigma”, ou seja, nossa teoria que
servia de sustentáculo para o nosso conhecimento naquela área ruiu e temos que
formular uma nova. É mais ou menos assim que a ciência normal funciona.
Resumindo: Nossas teorias
têm bases sólidas, entretanto, a ciência é fruto do conhecimento humano, e como
tal, não apresenta verdades absolutas, dogmas (caso contrário, deixa de ser
ciência), de forma que evolui. Logo, esse conhecimento é de extrema importância
e nos permite aprofundar constantemente nossa interpretação da realidade.
Vou parar por aqui, pois acho que
com essa introdução vocês já podem ter uma pequena idéia sobre o assunto e quem
sabe se sintam motivados(as) a ler os livros abaixo. Caso você seja epistemólogo da ciência, adoraria que nos ajudasse postando nos comentários pontos pertinentes sobre o assunto que eu não abordar no texto.
Lista de livros que acho de suma importância sobre o assunto:
- O que é Ciência - Chalmers
- O que é Ciência - Chalmers
- A estrutura das revoluções científicas - Kuhn
- A lógica da pesquisa científica - Popper
- Mathematics, Science and Epistemology: Philosophical Papers Volume 2 - Lakatos
- Contra o método - Feyerabend.
- Explaining Science; A cognitive Approach - Ronald Giere
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1 – Existe sim na ciência
conhecimento que foi adquirido sem seguir o método científico a risca, mas que
com o tempo esse conhecimento foi aos poucos passando por constantes análises,
confirmações e interpretações. O Método Científico também está longe de ser
infalível e para tratar esse assunto recomendo a leitura de Contra o Método – PaulFeyerabend (mas não leia esse livro sem antes ter lido os livros da lista que
deixei no final desse texto).
2 – Existe
na Mecânica Quântica algumas quebras de causalidade, por isso o método
científico não deve ser tido como absoluto nem infalível, embora ele seja uma maneira
de sermos menos parciais na busca por conhecimento.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Posted by
Thiago V. M. Guimarães