Posted by : Thiago V. M. Guimarães segunda-feira, 21 de abril de 2014


Continuando nossa série de textos sobre Mecânica Quântica. No texto anterior abordamos uma introdução não histórica sobre o assunto e hoje vamos falar sobre a dualidade onda  partícula e função de onda.

Sir Isaac Newton acreditava que a Luz era uma partícula, que podia colidir e ricochetear em um espelho ou uma superfície, assim como uma bolinha quando você a joga na parede. Entretanto na metade do século XIX, a partir de vários trabalhos no eletromagnetismo, pudemos demonstrar suas propriedades, como sua velocidade, polarização, etc., como manifestações de campos eletromagnéticos. Por exemplo, utilizando o eletromagnetismo clássico, podemos construir uma função matemática que rege ondas eletromagnéticas, da seguinte forma:

$\nabla^{2}E=\epsilon_{0}\mu_{0}\frac{\partial^{2} E}{\partial^{2} t}$
$\nabla^{2}B=\epsilon_{0}\mu_{0}\frac{\partial^{2} B}{\partial^{2} t}$
 
As equações acima são o que chamamos de equação diferencial de segunda ordem (e você pode ler sobre elas aqui), elas nos dão o comportamento dos campos elétricos e dos campos magnéticos, ou seja, como eles se propagam. Se as constantes $\epsilon_{0}$ e $\mu_{0}$ são bem conhecidas por nós desde o ensino médio como permissividade elétrica do vácuo e permeabilidade magnética do vácuo, respectivamente. Se olharmos com cuidado para essa equação vemos uma coisa importante, a $\epsilon_{0}$ possui dimensão dada por $\frac{s^{4}A^{2}}{m^{3}Kg}$, por sua vez $\mu_{0}$ possui dimensões dada por $\frac{N}{A^{2}}$, sendo $s$ segundos, $A $ Ampére , $m$ metros, $N=kgm/s^{2}$ Newton. Com isso vemos que o produto $\epsilon_{0}\mu_{0}$ possui a dimensão $\frac{s^{2}}{m^{2}}$, ou seja, é o inverso do quadrado da dimensão de velocidade, assim podemos escrever
 
$v=\frac{1}{\sqrt{\epsilon_{0}\mu_{0}}}$

Aqui vemos que a velocidade de propagação da onda eletromagnética depende apenas da constante de permissividade elétrica do vácuo, $\epsilon_{0}$, e a permeabilidade magnética do vácuo, $\mu_{0}$. Mas o ponto interessante é que o resultado da equação da velocidade bate muito bem com a velocidade da luz. Para verificar isso, vamos substituir os valores das constantes na equação,  então


$v=\frac{1}{\sqrt{8.854187817x10^{-12} 1.2566370614x10^{-6}}}m/s$

fazendo o cálculo:

$v= 2,997924580 × 10^{8}m/s$

podemos concluir que

$v \cong c$

Esse resultado foi tão surpreendente que o próprio Maxwell concluiu:

Esta velocidade é tão próxima da velocidade da luz que parece que temos fortes motivos para concluir que a luz em si (incluindo calor radiante, e outras radiações do tipo) é uma perturbação eletromagnética na forma de ondas propagadas através do campo eletromagnético de acordo com as leis eletromagnéticas.

Ow, isso é óbvio para nós hoje em dia, mas na época foi um baita resultado, praticamente tínhamos provado que a Luz era uma onda eletromagnética.

“Mas então abandonamos a visão da luz como sendo uma partícula?”

Not so fast! Lembra-se do texto passado? Nele vimos que a teoria do eletromagnetismo não conseguia explicar a radiação de corpo negro e foi preciso quantizar a energia, ou seja, uma onda eletromagnética de frequência $\nu$ só poderia ter energia igual a múltiplos inteiros de $h\nu$ (constante de Planck vezes a frequência da onda). Em 1905 Einstein¹ generalizou essa ideia e trouxe de volta a interpretação da luz como partícula. Agora, a luz era vista como feixe de quantas, chamado de fótons, com energia $h\nu$. Vinte anos mais tarde, essa hipótese foi comprovada experimental por meio do efeito Compton.

De tudo isso podemos concluir que a interação de uma onda eletromagnética com a matéria ocorre por meio de processos indivisíveis elementares, em que a radiação parece ser composta por fótons.

Agora vamos focar nossos esforços em entender melhor essa dualidade onda-partícula a partir do experimento da Dupla Fenda de Young. Nossa meta é ver claramente que a descrição completa do fenômeno só pode ser dada se considerarmos os aspectos de partículas e ondulatórios da luz.

Veja abaixo essa imagem que furtei desse site:




Na imagem temos uma fonte de luz monocromática (uma cor só), que incide em uma barreira (pode ser uma chapa de metal) com duas fendas. Após parte da luz que passa pelas fendas ela irá atingir uma tela (screen) posta atrás da barreira. Inicialmente tapamos uma das duas fendas e obtemos o resultado abaixo:

difração de ondas ao passar por uma fenda

Na imagem acima podemos ver o claro padrão de difração de uma onda, semelhante ao padrão de ondas sonoras, por exemplo, ao contornar um obstáculo, ou mesmo a água, como é possível na imagem abaixo:

difração na água

Quando deixamos as duas fendas abertas iremos obter um padrão de interferência nas ondas, como na Imagem abaixo. Nela as regiões escuras na intersecção das ondas são os padrões destrutivos que ocorrem quando as ondas eletromagnéticas se sobrepõem.


Padrão de interferência da luz forma as linhas escuras longitudinais
Na figura (a) vemos um raio de luz incidente em duas fendas ($s_{1}$ e $s_{2}$) que atinge uma tela (screen) ao fundo. Na figura (b) vemos o padrão de ondas e as interferências. Na figura (c) vemos uma foto real do padrão de interferências.


A interpretação do fenômeno a partir do ponto de vista de partícula diz que se diminuirmos a intensidade da fonte de luz até que saia um fóton por vez, os padrões de interferência iriam desaparecer e teríamos apenas duas faixas de luz na tela (screen), uma atrás de cada fenda, pois um fóton iria sair e passar por apenas uma das fendas e atingir a tela, então depois viria um outro fóton, passaria por uma das fendas e também atingiria a tela. Porém a visão ondulatória do problema, diz que mesmo diminuindo a intensidade da fonte, a luz não deixa de ser onda e passa pelas duas fendas ao mesmo tempo e cria, ainda que fraco, um padrão de interferência. Esse ponto seria crucial para determinarmos se o correto seria visualizar a luz como partícula ou como onda. Mas a natureza gosta de nos sacanear e o que acontece na prática não concorda nem com a predição de partícula nem com a de onda.

Quando nós deixamos a tela exposta por um bom tempo a luz monocromática incidente, vemos que o padrão de interferência não desaparece quando diminuímos a intensidade da fonte para apenas um fóton por vez. Porém se deixamos a tela exposta por um curto intervalo de tempo, o que vemos são impactos localizados, sem nenhum padrão de interferência, e ainda mais, se colocarmos um contador de fótons atrás das fendas, veremos que o fóton emitido pela fonte irá passar por apenas uma das fendas, o que também corrobora para a interpretação de partícula. Isso soa muito paradoxal, pois temos comportamentos de partículas e de ondas que parecem mutualmente excludentes.

(se está confuso para você ainda, veja esse vídeo do dr Quantum, o que ele tem de bizarro, em contrapartida, tem de didático, mas ignore o final em que ele fala sobre o elétron saber que está sendo observado, isso não tem nada a ver).


Espera lá, vamos enunciar os problemas que andamos tendo aqui:

1 – A luz parece se comportar ora como partícula ora como onda
2 – Ao passar pelas fendas, ela se comporta como partícula, já que ela passa por apenas uma das fendas por vez. Porém se esperarmos um certo tempo começaremos a ver um padrão de interferência, logo, precisamos que tenham fótons passando por ambas as fendas.
“mas como isso, cara? Se todos os fótons são emitidos de forma exatamente iguais eles não deveriam passar todos pela mesma fenda?”

Pois é, aqui temos um primeiro problema... a luz está passando por duas fendas diferentes, enquanto a física clássica diria que, como os fótons são emitidos exatamente iguais, eles deveriam sempre ter a mesma trajetória, e portanto, passar pela mesma fenda. Os dois itens acima quebram dois aspectos importantes da física clássica. O primeiro, quebra a visão de que onda e partícula são coisas distintas, o segundo quebra a visão de que condições iniciais iguais levam a trajetórias iguais (não havendo agentes externos), agora não podemos mais dizer por qual fenda a partícula irá passar, apenas podemos calcular a probabilidade dela passar pela fenda $S_{1}$ ou pela $S_{2}$.

Depois de muita relutância, o conceito de dualidade onda-partícula foi cunhado e bem estabelecido da seguinte forma:

- As características de onda e partícula são inseparáveis. A luz se comporta simultaneamente como uma onda e como um fluxo de partículas, a onda que nos permite calcular a probabilidade da manifestação de uma partícula.

- As previsões sobre o comportamento de um único fóton pode ser probabilística.

-  As informações sobre um fóton (em um determinado tempo) são dadas por uma onda eletromagnética, que são soluções das equações de Maxwell. Dizemos que esta onda caracteriza o estado dos fótons no tempo e pode ser interpretada como a probabilidade de um fóton aparecer em algum lugar, num determinado instante de tempo.

Em 1924, o físico francês de Broglie generalizou esse comportamento de onda-partícula para demais objetos, como o elétron por exemplo (veja mais aqui).

Agora que sabemos que um fóton tem comportamento probabilístico e que ele pode ser tratado como onda e partícula, vamos entrar finalmente na mecânica quântica e ver como tratamos o fenômenos nessa abordagem.

Uma vez que para partículas subatômicas o caráter ondulatório é muito visível e importante, precisamos introduzir uma ferramenta matemática chamada de função de onda $\psi$. Essa função tem importância fundamental na mecânica quântica, uma vez que ela serve para descrever as principais características da partícula, como a energia, momento, posição, como eles se comportam e, a partir dela, ainda podemos calcular a probabilidade de se encontrar uma partícula (um fóton por exemplo) em uma fenda ou em outra. 

Mas nada é tão simples, para se obter essa função de onda $\psi$, precisamos extrair soluções da famosa equação de Schrödinger (é versão hardcore do “encontre o $x$" da matemática do ensino médio). A equação abaixo é a equação de Schrödinger, ela é o que chamamos de equação diferencial parcial de segunda ordem em uma dimensão² ($x$) e existem vários métodos para se obter soluções de $\psi$, o interessante é que equações diferenciais não nos dão apenas uma resposta, mas sim um conjunto delas.

$ i\hbar\frac{\partial \psi}{\partial t}= \frac{-\hbar^2}{2m} \frac{\partial^2}{\partial x^2}\psi + V \psi$

Mas antes precisamos compreender o que ela significa termo a termo, vamos lá:

$i = \sqrt{-1}$, é um número imaginário. $ \hbar$ é a constante de Planck reduzida, e vale $6.582... \times 10^{-16}eV\ s$. $\frac{\partial \psi}{\partial t}$ é a variação da função de onda no tempo, ou seja, é como ela se comporta a medida que o tempo passa. $m$ é a massa da partícula que estamos descrevendo. $ \frac{\partial^2}{\partial x^2}\psi$ é a variação espacial da função de onda, ou seja como ela se comporta a medida que ela evolui no espaço. $V$ é um potencial que age sobre a partícula. Agora podemos voltar a solução da equação.


Ao resolvermos a equação acima encontramos a forma de $\psi$, veremos que ele pode nos dar um conjunto de funções de onda diferentes, com energias diferentes, e podemos chamar isso de "estados quânticos com energias diferentes".

O resultado mais simples da equação de Schrödinger é para uma partícula livre em uma dimensão:

$\psi (x,t)= A e^{i(kx -\omega t)}$

$A$ é uma constante que podemos obter por um processo de normalização, $e$ é a nossa exponencial, $i$ é um número imaginário ($i=\sqrt{-1}$), $k$ também é uma constante, $x$ é a variável espacial, $\omega$ é uma frequência angular da partícula, e $t$ é a variável temporal. Um ponto fundamental que devemos falar aqui é que uma função de onda como acabamos de ver não pode ser medida em laboratório. Na mecânica as quantidades passíveis de serem medidas são chamadas de observáveis e elas precisam ser terminantemente reais. Assim é possível medir as energias e os momentos relacionados a determinada função de onda, embora não seja possível medir a função de onda em si.

No próximo texto veremos como a função de onda nos fornece uma descrição probabilística do comportamento das partícula, uma vez que elas são muito pequenas, seu estado é dado pela interpretação estatística de Born, sobre a função de onda, em que $|\psi|^2$ é a probabilidade de se encontrar a partícula em um ponto $x$, no instante $t$. Também abordaremos alguns formalismos relacionado a isso.


Bibliografia:

- Cohen-Tannoudji - Quantum mechanics, vol 1. (onda partícula)
- Griffhtis - Introdução a Mecânica Quântica (função de onda)
- Toledo Piza - Mecânica quântica. (detalhes adicionais)
- Holzner - Quantum Physics For Dummies (detalhes adicionais)

1 - Por meio dessa nova abordagem, Einstein conseguiu explicar o efeito fotoelétrico, que lhe rendeu o prêmio Nobel.

2 - também temos a equação de Schrödinger em 3 dimensões, mas aqui queremos a mais simples, com as mais simples soluções.

{ 7 comentários ... Abandone toda a esperança aquele que aqui entrar }

  1. Excelente texto, gostei da forma gradual a qual você introduziu o conceito da dualidade, que inclusive o próprio Feynman afirmava que pra ele nenhuma peculiaridade da física era tão fascinante e ao mesmo tempo misteriosa como a dualidade. Só queria fazer um comentário aqui, de minha total responsabilidade, caso queira descordar entenderei perfeitamente, mas na minha opinião a solução mais simples da equação de onda seria a do problema relacionado ao poço de potencial infinito, apesar da solução ser muito idêntica, temos que no poço de potencial infinito temos o vetor de onda já é discretizado naturalmente da geometria do problema e na partícula livre ele é continuo, o que nos obriga a recorrer a uma transformada de Fourier pra expressarmos a função de onda( pra ser mais preciso o pacote de onda), exatamente por causa do "pau" que dá na normalização da função, exigindo um pouco mais de trabalho eu diria. Mas foi apenas uma observação, excelente texto, parabéns pela inciativa!!

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    1. Olá Unknown. Obrigado pelo elogio. E sim você tem razão, do ponto de vista matemático também acho que o caso do poço de potencial infinito é mais simples, eu usei o exemplo da partícula livre apenas porque se não eu teria que introduzir outros conceitos, como o próprio potencial, o que poderia acabar desviando um pouco.

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  2. Muito bom, sempre dou uma lida nesses textos. Mas tem um problema, meu curso não tem equações diferenciais, ou como eles chamam: EDO. Faço Eng. Cartográfica e de Agrimensura e fiquei revoltado em saber que meu amigo do Ensino médio vai pagar EDO porque cursa Eng. Civil e eu não. Eu até tento aprender, mas não dá. Eu abri o link que você deixou para elas mas na hora que eu vejo aquele formalismo matemático... não dá, acho que algumas coisas só dá pra aprender com um professor. Enfim, não vou conseguir apreciar a equação de Schrödinger, simplesmente não entendo. E pelo jeito, vou continuar sem entender. Por outro lado eu já leio sobre física moderna a tanto tempo que qualitativamente acho que compreendo tudo. No dia em que vi a distribuição dos elétrons após passarem pela fenda dupla, acho que no segundo ano do Ens. médio, eu logo associei com a curva normal, pois já tinha visto ela no livro de biologia (só o desenho da curva) associando a quantidade de pessoas com as suas alturas. Quase chorei quando vi que duas coisas nada a ver se relacionavam por uma função matemática. Eu enchi muito o saco de vocês lá naquele ask perguntando sobre ela por causa disso kkkkkk. Queria ter certeza que era a mesma curva.

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    1. Rubens, seu comentário me lembrou que esqueci de fazer exatamente isso, explicar o que significa a Eq. Schrödinger termo a termo... vou editar lá

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  3. Excelente Texto, principalmente aos amantes de Física Moderna que estão iniciando.

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  4. Eu terminei de pagar cálculo 2 agora. Eu não tinha nota suficiente pra passar, mas o professor não me reprovou. Pelo o que eu li sobre equações diferenciais, a diferença fundamental entre elas e uma equação simples é que a solução de uma ED é uma outra equação. Ou seja, a incógnita é uma função que satisfaz uma determinada condição dadas pelas suas derivadas primeiras ou segundas. Me corrijam se eu estiver errado, ou pelo menos me deem uma luz. Desculpa ai se me confundi com os nomes, acho que tá errado pois equação e função não são a mesma coisa.

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