Mostrando postagens com marcador Função de Onda. Mostrar todas as postagens
Dualidade Onda-Partícula e Função de Onda
Continuando nossa série de textos sobre Mecânica Quântica. No texto anterior abordamos uma introdução não histórica sobre o assunto e hoje vamos falar sobre a dualidade onda partícula e função de onda.
Sir Isaac Newton acreditava que a Luz era uma partícula, que podia colidir e ricochetear em um espelho ou uma superfície, assim como uma bolinha quando você a joga na parede. Entretanto na metade do século XIX, a partir de vários trabalhos no eletromagnetismo, pudemos demonstrar suas propriedades, como sua velocidade, polarização, etc., como manifestações de campos eletromagnéticos. Por exemplo, utilizando o eletromagnetismo clássico, podemos construir uma função matemática que rege ondas eletromagnéticas, da seguinte forma:
$\nabla^{2}E=\epsilon_{0}\mu_{0}\frac{\partial^{2} E}{\partial^{2} t}$
$\nabla^{2}B=\epsilon_{0}\mu_{0}\frac{\partial^{2} B}{\partial^{2} t}$
As equações acima são o que chamamos de equação diferencial de segunda ordem (e você pode ler sobre elas aqui), elas nos dão o comportamento dos campos elétricos e dos campos magnéticos, ou seja, como eles se propagam. Se as constantes $\epsilon_{0}$ e $\mu_{0}$ são bem conhecidas por nós desde o ensino médio como permissividade elétrica do vácuo e permeabilidade magnética do vácuo, respectivamente. Se olharmos com cuidado para essa equação vemos uma coisa importante, a $\epsilon_{0}$ possui dimensão dada por $\frac{s^{4}A^{2}}{m^{3}Kg}$, por sua vez $\mu_{0}$ possui dimensões dada por $\frac{N}{A^{2}}$, sendo $s$ segundos, $A $ Ampére , $m$ metros, $N=kgm/s^{2}$ Newton. Com isso vemos que o produto $\epsilon_{0}\mu_{0}$ possui a dimensão $\frac{s^{2}}{m^{2}}$, ou seja, é o inverso do quadrado da dimensão de velocidade, assim podemos escrever
$v=\frac{1}{\sqrt{\epsilon_{0}\mu_{0}}}$
Aqui vemos que a velocidade de propagação da onda eletromagnética depende apenas da constante de permissividade elétrica do vácuo, $\epsilon_{0}$, e a permeabilidade magnética do vácuo, $\mu_{0}$. Mas o ponto interessante é que o resultado da equação da velocidade bate muito bem com a velocidade da luz. Para verificar isso, vamos substituir os valores das constantes na equação, então
$v=\frac{1}{\sqrt{8.854187817x10^{-12} 1.2566370614x10^{-6}}}m/s$
$v= 2,997924580 × 10^{8}m/s$
fazendo o cálculo:
$v= 2,997924580 × 10^{8}m/s$
podemos concluir que
$v \cong c$
Esse resultado foi tão surpreendente que o próprio Maxwell concluiu:
Esta velocidade é tão próxima da velocidade da luz que parece que temos fortes motivos para concluir que a luz em si (incluindo calor radiante, e outras radiações do tipo) é uma perturbação eletromagnética na forma de ondas propagadas através do campo eletromagnético de acordo com as leis eletromagnéticas.
Ow, isso é óbvio para nós hoje em dia, mas na época foi um baita resultado, praticamente tínhamos provado que a Luz era uma onda eletromagnética.
“Mas então abandonamos a visão da luz como sendo uma partícula?”
Not so fast! Lembra-se do texto passado? Nele vimos que a teoria do eletromagnetismo não conseguia explicar a radiação de corpo negro e foi preciso quantizar a energia, ou seja, uma onda eletromagnética de frequência $\nu$ só poderia ter energia igual a múltiplos inteiros de $h\nu$ (constante de Planck vezes a frequência da onda). Em 1905 Einstein¹ generalizou essa ideia e trouxe de volta a interpretação da luz como partícula. Agora, a luz era vista como feixe de quantas, chamado de fótons, com energia $h\nu$. Vinte anos mais tarde, essa hipótese foi comprovada experimental por meio do efeito Compton.
De tudo isso podemos concluir que a interação de uma onda eletromagnética com a matéria ocorre por meio de processos indivisíveis elementares, em que a radiação parece ser composta por fótons.
Agora vamos focar nossos esforços em entender melhor essa dualidade onda-partícula a partir do experimento da Dupla Fenda de Young. Nossa meta é ver claramente que a descrição completa do fenômeno só pode ser dada se considerarmos os aspectos de partículas e ondulatórios da luz.
Veja abaixo essa imagem que furtei desse site:
Na imagem temos uma fonte de luz monocromática (uma cor só), que incide em uma barreira (pode ser uma chapa de metal) com duas fendas. Após parte da luz que passa pelas fendas ela irá atingir uma tela (screen) posta atrás da barreira. Inicialmente tapamos uma das duas fendas e obtemos o resultado abaixo:
![]() |
difração de ondas ao passar por uma fenda |
Na imagem acima podemos ver o claro padrão de difração de uma onda, semelhante ao padrão de ondas sonoras, por exemplo, ao contornar um obstáculo, ou mesmo a água, como é possível na imagem abaixo:
![]() |
difração na água |
Quando deixamos as duas fendas abertas iremos obter um padrão de interferência nas ondas, como na Imagem abaixo. Nela as regiões escuras na intersecção das ondas são os padrões destrutivos que ocorrem quando as ondas eletromagnéticas se sobrepõem.
![]() |
Padrão de interferência da luz forma as linhas escuras longitudinais |
A interpretação do fenômeno a partir do ponto de vista de partícula diz que se diminuirmos a intensidade da fonte de luz até que saia um fóton por vez, os padrões de interferência iriam desaparecer e teríamos apenas duas faixas de luz na tela (screen), uma atrás de cada fenda, pois um fóton iria sair e passar por apenas uma das fendas e atingir a tela, então depois viria um outro fóton, passaria por uma das fendas e também atingiria a tela. Porém a visão ondulatória do problema, diz que mesmo diminuindo a intensidade da fonte, a luz não deixa de ser onda e passa pelas duas fendas ao mesmo tempo e cria, ainda que fraco, um padrão de interferência. Esse ponto seria crucial para determinarmos se o correto seria visualizar a luz como partícula ou como onda. Mas a natureza gosta de nos sacanear e o que acontece na prática não concorda nem com a predição de partícula nem com a de onda.
Quando nós deixamos a tela exposta por um bom tempo a luz monocromática incidente, vemos que o padrão de interferência não desaparece quando diminuímos a intensidade da fonte para apenas um fóton por vez. Porém se deixamos a tela exposta por um curto intervalo de tempo, o que vemos são impactos localizados, sem nenhum padrão de interferência, e ainda mais, se colocarmos um contador de fótons atrás das fendas, veremos que o fóton emitido pela fonte irá passar por apenas uma das fendas, o que também corrobora para a interpretação de partícula. Isso soa muito paradoxal, pois temos comportamentos de partículas e de ondas que parecem mutualmente excludentes.
(se está confuso para você ainda, veja esse vídeo do dr Quantum, o que ele tem de bizarro, em contrapartida, tem de didático, mas ignore o final em que ele fala sobre o elétron saber que está sendo observado, isso não tem nada a ver).
(se está confuso para você ainda, veja esse vídeo do dr Quantum, o que ele tem de bizarro, em contrapartida, tem de didático, mas ignore o final em que ele fala sobre o elétron saber que está sendo observado, isso não tem nada a ver).
Espera lá, vamos enunciar os problemas que andamos tendo aqui:
1 – A luz parece se comportar ora como partícula ora como onda
2 – Ao passar pelas fendas, ela se comporta como partícula, já que ela passa por apenas uma das fendas por vez. Porém se esperarmos um certo tempo começaremos a ver um padrão de interferência, logo, precisamos que tenham fótons passando por ambas as fendas.
“mas como isso, cara? Se todos os fótons são emitidos de forma exatamente iguais eles não deveriam passar todos pela mesma fenda?”
Pois é, aqui temos um primeiro problema... a luz está passando por duas fendas diferentes, enquanto a física clássica diria que, como os fótons são emitidos exatamente iguais, eles deveriam sempre ter a mesma trajetória, e portanto, passar pela mesma fenda. Os dois itens acima quebram dois aspectos importantes da física clássica. O primeiro, quebra a visão de que onda e partícula são coisas distintas, o segundo quebra a visão de que condições iniciais iguais levam a trajetórias iguais (não havendo agentes externos), agora não podemos mais dizer por qual fenda a partícula irá passar, apenas podemos calcular a probabilidade dela passar pela fenda $S_{1}$ ou pela $S_{2}$.
Depois de muita relutância, o conceito de dualidade onda-partícula foi cunhado e bem estabelecido da seguinte forma:
- As características de onda e partícula são inseparáveis. A luz se comporta simultaneamente como uma onda e como um fluxo de partículas, a onda que nos permite calcular a probabilidade da manifestação de uma partícula.
- As previsões sobre o comportamento de um único fóton pode ser probabilística.
- As informações sobre um fóton (em um determinado tempo) são dadas por uma onda eletromagnética, que são soluções das equações de Maxwell. Dizemos que esta onda caracteriza o estado dos fótons no tempo e pode ser interpretada como a probabilidade de um fóton aparecer em algum lugar, num determinado instante de tempo.
Em 1924, o físico francês de Broglie generalizou esse comportamento de onda-partícula para demais objetos, como o elétron por exemplo (veja mais aqui).
Agora que sabemos que um fóton tem comportamento probabilístico e que ele pode ser tratado como onda e partícula, vamos entrar finalmente na mecânica quântica e ver como tratamos o fenômenos nessa abordagem.
Uma vez que para partículas subatômicas o caráter ondulatório é muito visível e importante, precisamos introduzir uma ferramenta matemática chamada de função de onda $\psi$. Essa função tem importância fundamental na mecânica quântica, uma vez que ela serve para descrever as principais características da partícula, como a energia, momento, posição, como eles se comportam e, a partir dela, ainda podemos calcular a probabilidade de se encontrar uma partícula (um fóton por exemplo) em uma fenda ou em outra.
Mas nada é tão simples, para se obter essa função de onda $\psi$, precisamos extrair soluções da famosa equação de Schrödinger (é versão hardcore do “encontre o $x$" da matemática do ensino médio). A equação abaixo é a equação de Schrödinger, ela é o que chamamos de equação diferencial parcial de segunda ordem em uma dimensão² ($x$) e existem vários métodos para se obter soluções de $\psi$, o interessante é que equações diferenciais não nos dão apenas uma resposta, mas sim um conjunto delas.
$ i\hbar\frac{\partial \psi}{\partial t}= \frac{-\hbar^2}{2m} \frac{\partial^2}{\partial x^2}\psi + V \psi$
Mas antes precisamos compreender o que ela significa termo a termo, vamos lá:
$i = \sqrt{-1}$, é um número imaginário. $ \hbar$ é a constante de Planck reduzida, e vale $6.582... \times 10^{-16}eV\ s$. $\frac{\partial \psi}{\partial t}$ é a variação da função de onda no tempo, ou seja, é como ela se comporta a medida que o tempo passa. $m$ é a massa da partícula que estamos descrevendo. $ \frac{\partial^2}{\partial x^2}\psi$ é a variação espacial da função de onda, ou seja como ela se comporta a medida que ela evolui no espaço. $V$ é um potencial que age sobre a partícula. Agora podemos voltar a solução da equação.
Ao resolvermos a equação acima encontramos a forma de $\psi$, veremos que ele pode nos dar um conjunto de funções de onda diferentes, com energias diferentes, e podemos chamar isso de "estados quânticos com energias diferentes".
O resultado mais simples da equação de Schrödinger é para uma partícula livre em uma dimensão:
$\psi (x,t)= A e^{i(kx -\omega t)}$
$A$ é uma constante que podemos obter por um processo de normalização, $e$ é a nossa exponencial, $i$ é um número imaginário ($i=\sqrt{-1}$), $k$ também é uma constante, $x$ é a variável espacial, $\omega$ é uma frequência angular da partícula, e $t$ é a variável temporal. Um ponto fundamental que devemos falar aqui é que uma função de onda como acabamos de ver não pode ser medida em laboratório. Na mecânica as quantidades passíveis de serem medidas são chamadas de observáveis e elas precisam ser terminantemente reais. Assim é possível medir as energias e os momentos relacionados a determinada função de onda, embora não seja possível medir a função de onda em si.
No próximo texto veremos como a função de onda nos fornece uma descrição probabilística do comportamento das partícula, uma vez que elas são muito pequenas, seu estado é dado pela interpretação estatística de Born, sobre a função de onda, em que $|\psi|^2$ é a probabilidade de se encontrar a partícula em um ponto $x$, no instante $t$. Também abordaremos alguns formalismos relacionado a isso.
Bibliografia:
- Cohen-Tannoudji - Quantum mechanics, vol 1. (onda partícula)
- Griffhtis - Introdução a Mecânica Quântica (função de onda)
- Toledo Piza - Mecânica quântica. (detalhes adicionais)
- Holzner - Quantum Physics For Dummies (detalhes adicionais)
1 - Por meio dessa nova abordagem, Einstein conseguiu explicar o efeito fotoelétrico, que lhe rendeu o prêmio Nobel.
2 - também temos a equação de Schrödinger em 3 dimensões, mas aqui queremos a mais simples, com as mais simples soluções.
segunda-feira, 21 de abril de 2014
Posted by
Thiago V. M. Guimarães
A Cura Quântica Possui Respaldo Científico ?
Como eu já disse nesse texto aqui, O Gato Zumbi de Schrödinger e o Colapso da Função de Onda, eu ODEIO escrever sobre mecânica quântica porque eu sempre tenho dor de cabeça com “místicos quânticos”. Eu descumpri minha promessa pessoal escrevendo sobre o gato de Schrödinger e agora estou descumprindo mais uma vez, porém de forma ainda mais grosseira. Hoje vou falar sobre Cura Quântica, esse tema é bem controverso e perigoso por dois motivos; primeiro que rola uma grana muito alta em cima disso, segundo que as pessoas defendem o assunto como se fosse religião e time de futebol, então já vou adiantando que não vou aceitar aquele “blablabla quântico”, isso aqui não é uma democracia, é meu blog e não darei espaço para esse tipo de coisa.
Vamos ao assunto. Há muito tempo que discuto sobre ciência e pseudociência, e esse assunto me desgastou tanto que eu resolvi colocar ele dentro de uma capsula de chumbo coberta com concreto e jogar no fundo da Fossa das Marianas. Porém essa semana a coisa ficou feia. Tudo começou com essa notícia da Folha: “Feira de medicina quântica tem desde 'essência de golfinhos' até água 'carinhosa'”, logo depois me deparo com isso nos meus feeds do facebook: “Medalhão Quântico - Cromado - Com Vídeo Teste De Qualidade”, aí eu não aguentei e resolvi escrever esse texto, não porque eu sou um físico dodoizinho, butthurt, NÃO! (tá, talvez eu seja um pouco), mas sim porque um enorme problema surge quando começam a usar um ramo sério da ciência para vender técnicas de curandeirismo e objetos “quânticos” que tratam desde mal olhado até ebola.
Como vocês que acompanham esse blog sabem, eu sou meio Jack Estripador, gosto de ir por partes para organizar o conteúdo. Então vamos começar olhando um pouco para o passado.
No século XIX, o eletromagnetismo estava em alta, havia muita discussão e dúvida acerca das propriedades eletromagnéticas da matéria, de onde elas vinham, porque exatamente existiam, além da concepção de éter muito presente na ciência desse período. Mais ou menos na mesma época dos trabalhos de Maxwell surgiu o espiritismo na Europa (ok, não me crucifique se você for espírita, só estou tratando de história), que por sua vez tinha a postura peculiar de querer se apoiar na ciência e com isso se apossou de alguns termos científicos, como o éter e o eletromagnetismo, que estava começando a ser entendido, mas era o grande mistério da época assim como foi com a quântica há pouco tempo atrás.
Com o caminhar da ciência, o eletromagnetismo foi desmistificado e ficou sem graça, a hipótese do éter foi derrubada no começo do século XX e na mesma época nos deparamos com um novo mistério: a Mecânica Quântica (MQ). Essa por sua vez era ainda melhor que o eletromagnetismo para se assimilar com espiritualidade, pois era mais difícil de entender e o adjetivo “Quântica” dava um ar de modernidade, complexidade e de "científico" ao assunto.
Por volta da década de 1970, o físico Frijot Capra, publicou o livro "O Tao da Física", que fez um paralelo entre a física moderna e conhecimentos orientais. Quando nossos queridos amigos místicos se depararam com isso logo abraçaram a ideia e passaram a implementá-la na forma de ver o mundo. Tivemos um surto de seitas quânticas, objetos quânticos, livros quânticos, chegando a absurdos como “direito quântico”, “sexo quântico”, “Marketing Quântico”, “Dieta Quântica” e “-insira-uma-palavra-aqui- Quântico”. A vantagem de se juntar o “Quântico” como adjetivo a qualquer coisa é que quase ninguém consegue contestar por falta de conhecimento, além de ser mais encantador aos olhos dos leigos.
Por volta da década de 1970, o físico Frijot Capra, publicou o livro "O Tao da Física", que fez um paralelo entre a física moderna e conhecimentos orientais. Quando nossos queridos amigos místicos se depararam com isso logo abraçaram a ideia e passaram a implementá-la na forma de ver o mundo. Tivemos um surto de seitas quânticas, objetos quânticos, livros quânticos, chegando a absurdos como “direito quântico”, “sexo quântico”, “Marketing Quântico”, “Dieta Quântica” e “-insira-uma-palavra-aqui- Quântico”. A vantagem de se juntar o “Quântico” como adjetivo a qualquer coisa é que quase ninguém consegue contestar por falta de conhecimento, além de ser mais encantador aos olhos dos leigos.
Tudo muito bem, tudo muito bom. Uma grande quantidade de físicos resolveu ganhar dinheiro e deixar de pesquisar para começar a vender livros de autoajuda. Surgiram filmes legais (SIC), como o “Quem Somos Nós” e “O Segredo”, mas agora o que temos que nos perguntar é: Sendo a quântica fruto da nossa ciência moderna, até onde essas “coisas” Quânticas são de fato ciência? Obviamente que a resposta é nada trivial, pois é quase impossível traçar uma linha clara entre ciência e pseudociência. Então vamos nos focar no que possui embasamento em pesquisas científicas séries.
Por pesquisa científica entenda que o que estamos procurando são publicações sérias em periódicos revisados por pares e de qualidade. Nós que trabalhamos na área temos acesso à uma plataforma de pesquisa de periódicos chamada de Web of Knowledge, lá estão as publicações do mundo inteiro, basicamente em todas as áreas da ciência. Resolvi fazer uma busca por palavras-chave associadas ao misticismo quântico, abaixo você pode ver os resultados:
Vou fazer questão de explicar direitinho o que eu fiz e comentar esses "artigos". Primeiramente eu fiz pesquisa pelas palavras-chave “Quantum Healing” e “Quantum Health”.
Primeira Busca – Quantum Health:
O Autor é: SCHMECK, HM. ( Sim, só um autor!)
Foi publicado no New York Times e não em um periódico.
Não teve nenhuma citação¹ e usou apenas UMA fonte.
Isso nem pode ser considerado um artigo, mas sim um texto!
Quantum wellness: A practical and spiritual guide to health and happiness
Novamente só tem um autor. Foi publicado na “LIBRARY JOURNAL”. Nenhuma citação, usou só uma fonte e, assim como o anterior, não tem um resumo e nem o texto completo em pdf para sabermos do que se trata. Isso também não pode ser considerado um artigo, muito menos ciência!
O mantra de sempre: Um autor, zero citações, blablablabla... Ah, o periódico que foi publicado tem fator de impacto² 1,6, para título de comparação a Nature possui fator de impacto maior que 30.
Na nossa primeira busca obtivemos apenas três textos que estão LONGE de ser artigos e mais longe ainda de serem pesquisas científicas. Os textos da imagem que não estão descritos aqui é por que não tem relação com cura quântica.
Segunda Busca – Quantum Healing;
Aqui tivemos resultados mais interessantes:
Theoretical Approaches on the Faith Element of Healing Under Traditional Medicine Psychosomatic Medicine, Placebo Effect, Quantum Healing
Novamente um autor, zero citações, a publicação foi feita em um jornal especializado em Cultura. Mas aqui tem resumo ao menos. Do que dá para entender parece que o autor enquadra a cura quântica em efeito placebo. Mas infelizmente não dá para concluir nada, pois o “artigo” não está disponível na integra.
Consciousness and nonlocality (Reprinted from Quantum Integral Medicine: Towards a New Science of Healing& Human Potential, 2005).
Finalmente um “artigo” com uma citação. Apenas um autor e a publicação foi feita na “ALTERNATIVE THERAPIES IN HEALTH AND MEDICINE”, que possui fator de impacto 1,77. Infelizmente não tem nem resumo nem “artigo” completo :(
Quantum transformation in trauma and treatment: Traversing the crisis of healing change
Aqui o nosso recordista de citações: 5, incríveis 5 citações em 7 anos de publicação. Novamente ele só tem um autor, foi publicado na JOURNAL OF CLINICAL PSYCHOLOGY que tem fator de impacto 1,66.
O resumo fala sobre uma suposta técnica, que NUNCA foi testada e por isso é chamada apenas de “ideia”. Como era de se esperar, tem maluquices quânticas como essa “particularly when occurring in quantum leaps, evokes, and illustrate the phenomenology of cascading transformations. They illustrate how the therapist's emotional engagement and attachment orientation”... (cadê o sentido disso?)
Randomized Expectancy-Enhanced Placebo-Controlled Trial of the Impact of Quantumbioenergetic Distant Healing and Paranormal Belief on Mood Distubance: A Pilot Study.
Até agora, essa é a única publicação com mais de um autor. Novamente tem zero citações e foi publicada no EXPLORE: The Journal of Science and Healing que por incrível que pareça pertence a Elsevier. Eu consegui o paper e logo abaixo tem um print dele (tente acessá-lo por aqui). Analisando o paper, vê-se que de fato se parece mais com uma pesquisa científica do que os outros, nota-se que ele possui método definido, análise, resultados... tem basicamente tudo!
Os autores são?
- Adan J. Rock – Trabalha com cognição e ciências sociais na University of New England, na Austrália
- Fiona E. Mermezel – Trabalha na escola de medicina na University of Melbourne, Austrália também
- Lance Storm – Trabalha na escola de Psicologia da University of Adelaide, também na Austrália
Ok, cadê os físicos? Tem quântica e não tem físico? Vou começar a escrever artigos na área de otorrinolaringologia...
O resumo está escrito aqui:
Previous research has demonstrated the effects of ostensible subtle energy on physical systems and subjective experience. However, one subtle energy technique that has been neglected, despite anecdotal support for its efficacy, is Quantum BioEnergetics (QBE). Furthermore, the influence of paranormal belief and experience (either real belief/experience or suggested belief/experience) on subtle energy effects remains unclear. (tradução)
Como vocês podem ver, eles trabalham com a existência da Energia BioQuântica (QBE), que por sua vez não possui comprovação científica. Como foi destacado no próprio "artigo":
É possível ver que a QBE, criada por Ms. Melissa Hocking que hoje é instrutora de QBE, foi publicado como livro de "métodos de cura alternativos" que é bastante divulgado no meio de publicações NewAge. Sendo assim a pesquisa acima parte do pressuposto de que essa "energia" existe de fato, mesmo ela nunca tendo aparecido em nenhum outro paper. Olhando para esse próximo print abaixo, vemos que eles alegam que o Quantum do nome apenas faz referência a um tipo de "emaranhamento" entre o paciente e o médico e que não possui nenhuma base empírica e/ou teórica para o uso da palavra, sendo assim não se encaixa exatamente em cura quântica:
É possível ver que a QBE, criada por Ms. Melissa Hocking que hoje é instrutora de QBE, foi publicado como livro de "métodos de cura alternativos" que é bastante divulgado no meio de publicações NewAge. Sendo assim a pesquisa acima parte do pressuposto de que essa "energia" existe de fato, mesmo ela nunca tendo aparecido em nenhum outro paper. Olhando para esse próximo print abaixo, vemos que eles alegam que o Quantum do nome apenas faz referência a um tipo de "emaranhamento" entre o paciente e o médico e que não possui nenhuma base empírica e/ou teórica para o uso da palavra, sendo assim não se encaixa exatamente em cura quântica:
Assim, podemos ver claramente que não existe publicação científica na área de cura quântica propriamente dita. Não estou dizendo que é mentira, estou dizendo que não é ciência! E esse ponto eu quero abordar com mais precisão, pois sempre que vejo pessoas falando sobre esse assunto é utilizado jargões científicos em larga escala, além de fenômenos como “salto quântico” (essa é a nova moda), propriedades dos elétrons, ondas, partículas, campos, incerteza, colapso da função de onda, etc. Mas quando são contestados de que a ciência não prova nada do que é afirmado e que estão fazendo uso indevido desses jargões, as respostas são sempre as mesma “você tem que abrir sua mente”, “nossa ciência ainda é atrasada”, “você é muito cartesiano”, “a ciência não é dona da quântica”, “ninguém aqui disse que é ciência”. E eu acho todo esse “argumento” uma enorme paralisia mental e um uso egoísta da ciência como objeto descartável.
A partir do momento que esses líderes de seitas se dizem baseados em ramos da ciência, usam os mesmos termos usados pelos cientistas e se dizem embasados por experimentos fica descarada a sua tentativa de vender a ideia como científica, como sólida. Nesses termos a ciência passa por um item de conveniência apenas; enquanto ela corrobora para o que se acredita é usada como propaganda, quando ela contradiz é rebaixada e criticada. A mística quântica é vendida como se fosse ciência e defendida como se fosse religião, o que para mim torna esse assunto irritante demais de se tratar.
Um ponto problemático e que ajuda a embasar esse "boom" de coisas quânticas é a visão estupidificante e absolutamente errada de que “A quântica é uma terra sem lei” (Estou olhando para você, Super Interessante!) ou que ninguém entende nada dela³. A Mecânica Quântica não é uma terra sem lei, não é a casa da mãe Joana, não é o bordel da luz vermelha. Embora ela seja probabilística, isso não a impede de ter leis claras que conseguimos compreender e trabalhar com elas em laboratório, além de conseguirmos aplicar em uma imensidão de tecnologias.
A quantização de propriedades como energia e momento angular por exemplo, são na realidade limitantes, pois com a quantização essas propriedades podem assumir apenas valores específicos e não valores contínuos como na mecânica clássica. Esse é apenas um panorama altamente superficial para que você possa notar que a mecânica quântica tem muitas leis, algumas delas são de fato difíceis de se observar ou compreender, mas elas existem e são rigorosamente cumpridas. Espero em próximo texto poder tratar isso de forma mais aprofundada.
Ilustrando melhor, quando trabalhamos com o átomo de hidrogênio, por exemplo, nós sabemos qual energia esperar para o elétron em sua eletrosfera, sabemos o spin do elétron e do próton que forma o núcleo, conhecemos o momento angular orbital total, etc. Nós podemos também calcular a probabilidade de encontrar o elétron em uma determinada região da eletrosfera, mas logo notaríamos que em alguns lugares essa probabilidade é zero. Ou seja, não existe possibilidade alguma de se encontrar o elétron em determinada regiões específicas da eletrosfera de um átomo de hidrogênio (veja o gráfico abaixo). Da mesma forma, para muitas
leis da mecânica quântica é possível calcular a probabilidade para
o que quisermos, como afirmam os textos que dizem que a MQ é uma
terra sem lei, porém em várias situações essa probabilidade
será zero, mostrando claramente que aquilo não é permitido!
![]() |
Os picos representam as regiões de maior probabilidade de se encontrar o elétron enquanto que as regiões mais baixas (que encostam no eixo inferior) possuem probabilidade zero de encontrar o elétron. |
A quantização de propriedades como energia e momento angular por exemplo, são na realidade limitantes, pois com a quantização essas propriedades podem assumir apenas valores específicos e não valores contínuos como na mecânica clássica. Esse é apenas um panorama altamente superficial para que você possa notar que a mecânica quântica tem muitas leis, algumas delas são de fato difíceis de se observar ou compreender, mas elas existem e são rigorosamente cumpridas. Espero em próximo texto poder tratar isso de forma mais aprofundada.
Para encerrar, eu acho que essa mística quântica vende tanto assim porque ela pega justamente na necessidade infantil de o ser humano se sentir importante para o universo. Para muita gente é difícil viver com a ideia de que ela não comanda tudo a sua vontade ou que o "cosmo" não conspira a seu favor, então obviamente que muitos irão adorar ler sobre isso e defender apaixonadamente. A vocês que pensam assim só tenho uma coisa a dizer: Sinto muito, mas quanto mais estudamos, mais vemos que quem manda no jogo é o universo, e ele está totalmente alheio as nossas necessidades infantis de satisfazer nosso ego.
Queria deixar claro também, que assuntos como consciência quântica, cura quântica e vários outros que se encaixam na categoria de pseudociências devem sim ser estudados com o rigor da ciência, mas não da forma apaixonada que é feita por alguns "pesquisadores" atualmente. Apenas com estudos sérios conseguiremos de fato enxergar mais longe sem nos deixar enganar.
O texto ficou enorme, mas espero que tenha ficado claro que não existe base científica para a cura quântica e nem para seus produtos. Também espero que tenha ficado claro que não existe "terra sem lei" se tratando da mecânica quântica.
-----
1 - "Citações" se referem a quantas vezes aquele artigo foi utilizado por outros pesquisadores em papers da área. No caso, a relevância de um paper pode ser vista também por sua quantidade de citações.
2 - "Fator de Impacto" mede a relevância dos periódicos, quando eles possuem um F.I baixo significa que quase ninguém a dá mínima para aquele periódico.
3 - Nem perca seu tempo vindo me dizer que o Feynman disse que "quem acha que entendeu quântica significa que não entendeu nada"....
Reforçando: não vou aceitar comentários falaciosos defendendo misticismo quântico e nem venha com aquele papo de que isso humaniza a ciência, pois isso demonstrar um puta desconhecimento de como as ciências naturais e humanas funcionam!
2 - "Fator de Impacto" mede a relevância dos periódicos, quando eles possuem um F.I baixo significa que quase ninguém a dá mínima para aquele periódico.
3 - Nem perca seu tempo vindo me dizer que o Feynman disse que "quem acha que entendeu quântica significa que não entendeu nada"....
Reforçando: não vou aceitar comentários falaciosos defendendo misticismo quântico e nem venha com aquele papo de que isso humaniza a ciência, pois isso demonstrar um puta desconhecimento de como as ciências naturais e humanas funcionam!
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
Posted by
Thiago V. M. Guimarães
Tag :
Cura Quântica
,
divulgação Científica
,
Energia
,
Equação de Schrödinger
,
erros
,
Função de Onda
,
Mecânica Quântica
,
Pensamento Quântico.
,
Periódicos
,
Pesquisa
,
teoria
O Gato Zumbi de Schrödinger e o Colapso da Função de Onda
Escrever
sobre ciência, em especial a física, é uma tarefa dura,
mas quando nós abordamos assuntos que gostamos é prazeroso escrever
textos, infelizmente esse não é o caso de hoje para mim. Porém é
uma tarefa necessária. Dia 12 desse mês foi aniversário do Físico
Erwin Schrödinger, um dos pais da mecânica quântica e o
idealizador de um dos experimentos mentais mais famosos de todos os
tempos, o maldito gato zumbi dentro de uma caixa. Com seu aniversário
várias páginas resolveram usar imagens do “gato de schrödinger”
para divulgar a data, inclusive o google fez um doodle super legal.
Nos comentários das páginas e no meu perfil pessoal vi perguntas,
várias delas, e notei que uma grande parte das pessoas acredita que
o experimento do gato realmente aconteceu e que o foco é o
gato dentro da caixa, então nosso texto de hoje será sobre isso; O
que de fato é o Experimento do Gato de Schrödinger e o que é que causa o colapso da função de onda.
Imagine
que você está afim de um(a) garoto(a), mas vocês mal se conhecem e
mesmo assim você quer chamar ele(a) para sair. Então antes de
convidá-lo para sair você resolve utilizar suas habilidades
matemáticas para tentar calcular qual a probabilidade dele(a) dizer
“sim” e “não”. Como você conhece pouco sobre essa outra
pessoa, você acha mais prudente dizer que a chance de receber um
“sim” é de 50% e a chance de receber um “'não” é
igualmente de 50%. Ok, antes de você perguntar existem duas
respostas para sua pergunta “sim” e “não”, então vamos
dizer que você se encontra num “estado” de resposta “sim-não”,
ou seja, um estado de dúvida, pois ambas respostas são possíveis.
Então você resolve perguntar para a pessoa se ela quer ou não sair
com você e (ao menos nesse texto) ela responde “Sim”, então a
sua probabilidade de receber um “sim” é agora de 100% e a do
“não” é 0%. Inicialmente você estava no estado “sim-não”,
agora seu estado colapsou para apenas “sim”. Simples, não?!
A idéia
do experimento do gato de Schrödinger é quase a mesma coisa. De forma simplória, imagine que você coloca um gato dentro de uma caixa, a qual está
devidamente lacrada (mas tem ar suficiente para o gato ficar lá
dentro), junto ao gato tem um dispositivo macabro que, de forma
aleatória, pode ou não quebrar um frasco de veneno dentro da caixa
e matar o coitado do gato. Digamos que existe novamente 50% de chance
de o dispositivo quebrar o frasco de veneno e matar o gato, e 50% de
chance do dispositivo não quebrar o frasco e o gato continuar vivo.
Enquanto não abrirmos¹ a caixa e vermos se o gato está vivo ou
morto, sabemos apenas que ele tem 50% de chance de estar vivo e 50%
de chance de estar morto, dizemos então que ele está no estado
“vivo-morto”. Assim que abrimos essa caixa devemos encontrar ele
ou vivo ou morto, ou seja, ou ele estará 100% vivo e 0% morto ou 0%
vivo e 100% morto. Exatamente da mesma forma que aconteceu no exemplo
de você convidando uma pessoa para sair. Mas note que nesse caso "abrir" a caixa representa uma medida do sistema, uma medida do gato vivo ou morto e não que é um observador (uma pessoa) forçando o gato a assumir um estado específico, o observador pode e deve ser substituído por algum aparelho como trataremos isso de forma mais correta no final desse texto.
Agora
que você tem uma ideia do assunto, vamos formalizar um pouco e
espero que você tenha paciência e vontade de ler.
Muito
antes da mecânica quântica surgir, Thomas Young já mostrava, por
meio do famoso experimento da dupla fenda, que um elétron poderia se
comportar como uma onda. Em 1926, a partir de trabalhos publicados
por Einstein e Planck, o físico francês Luis deBroglie introduz a
idéia da onda de matéria, em que se podia demonstrar
matematicamente as propriedades ondulatórias da matéria, um elétron
por exemplo.
Uma vez
que para partículas subatômicas esse caráter ondulatório é muito
visível e importante, foi introduzida uma ferramenta matemática
chamada de função de onda ψ.
Essa função tem importância fundamental na mecânica quântica,
uma vez que ela serve para descrever as principais características
de sistemas quânticos, como a energia, momento, posição e como
eles se comportam.
Para se
obter essa função ψ de onda, basta se extrair soluções da famosa
equação de Schrödinger, por exemplo. É como o "encontre o x" da matemática do ensino médio, mas um pouco mais complicado.
![]() |
Equação de Schrödinger. |
Como essa
partícula é muito pequena, seu estado é dado pela interpretação
estatística de Bhorn, sobre a função de onda, em que |ψ|²
é a probabilidade de se encontrar a partícula em um ponto x,
no instante t.
A probabilidade de se encontrar a partícula naquela região é a área do gráfico que está em vermelho. No gráfico acima é bastante provável encontrar a partícula em A e quase impossível em B. Mas vamos supor que conseguimos medir com exatidão a partícula no ponto C, dessa forma todas as medidas consecutivas deveriam ser iguais, fazendo nossa função de onda se tornar um pico em C, a isso damos o nome de colapso da função de onda.
Assim, vê-se que há dois tipos de processos físicos completamente distintos: Os “comuns” no qual a função de onda evolui lentamente regida pela equação de Schrödinger e as “medidas” em que ψ colapsa súbita e descontinuamente.
Esses
processos são importantes para mostrar o caráter ondulatório e
probabilístico da mecânica quântica. Além de que o processo do
colapso da função de onda é amplamente citado por indivíduos que
fazem uma abordagem mística/esotérica da mecânica quântica, que é
justamente o motivo pelo qual eu odeio escrever sobre esse assunto.
Nós não
conseguimos saber antes da medida, onde uma partícula se encontra,
podemos apenas conhecer a probabilidade dela ocupar certas regiões
do espaço, quando executamos uma medida e encontramos a partícula
dizemos que houve um colapso da função de onda, assim a função de
onda que conhecíamos antes já não existe mais, e a partícula
volta a evoluir no tempo a partir de novas condições iniciais. Isso
nos mostra a sensibilidade do sistema ao ser medido.
Pelo
caráter matemático da equação de Schrödinger, ela pode nos
prover várias soluções para a função de onda, ψ, ψ1, ψ2 e etc. Nós
podemos também somar duas dessas equações de onda e obter uma nova
função de onda, ψ=Aψ1 + Bψ2, A e B são
constantes. Quando fazemos essa soma, nós estamos sobrepondo dois
estados quânticos e é isso que nos interessa!
Cada uma
dessas funções de onda pode nos fornecer um valor diferente para
energia, por exemplo. Assim ao somar essas duas funções de ondas,
não obteremos mais apenas um valor para energia, mas sim dois. Dessa
forma a partícula regida pela soma dessas funções de onda pode ter
sua energia entre esses dois valores e não mais apenas um valor.
Mas como
entender isso fisicamente? Imagine que pegamos vários sistemas
quânticos exatamente idênticos, sem a superposição de estados,
quando medimos a energia em um desses sistemas ele nos dará a
energia E1 quando medirmos novamente a energia em qualquer outro
desses sistemas nos obteremos novamente E1. Quando temos a
superposição de estados quânticos, essa certeza desaparece. Ao
realizar a medida da energia no primeiro sistema quântico, podemos
obter E1 ou E2 quando fizermos a medida no segundo sistema,
novamente podemos ter E1 ou E2 e o mesmo ocorrerá na medida
de qualquer um dos outros sistemas identicamente preparados. E se
fizemos a medida em um primeiro sistema e obtivermos E1 nada
garante que a medida dos outros sistemas sejam também E1, pois
ainda existe a probabilidade de medir E2. Assim mesmo com sistemas
idênticos, podemos obter energias diferentes.
Com a
superposição, as medidas de propriedades dos sistemas passam a não
ser mais bem definidas, mas sim estatísticas. Enquanto nenhuma
medida é feita nós dizemos que os estados estão sobrepostos (ou
superpostos) e a única coisa que podemos fazer é calcular a
probabilidade de medir o sistema e encontrar um estado ou outro.
Foi nesse
sentido que surgiu o experimento mental do Gato de Schrödinger. Como
antes da medição não conseguimos saber em qual estado quântico
nosso sistema está, dizemos que ele está em uma superposição de
estados. Schrödinger trouxe esse fenômeno para um exemplo mais
palpável: Colocando um gato dentro de uma caixa junto a uma
armadilha que possa matá-lo, dizemos que o gato pode possuir dois
estados, vivo ou morto. Quando fechamos a caixa, não temos como
saber se a armadilha disparou e matou o gato, ou se a armadilha não
disparou e o gato continua vivo. A menos que a caixa seja aberta, nós
não poderíamos afirmar que o gato está vivo, nem que o gato está
morto, mas sim que ele ocupa uma superposição de estados, em que
existe uma probabilidade dele estar vivo e outra probabilidade dele
estar morto.
Agora
vamos ver como Schrödinger elaborou originalmente o experimento e
tentar tirar está besteira de que a consciência humana é quem
colapsa a função de onda.
Schrödinger
escreveu:
“Qualquer um pode mesmo montar casos bem ridículos. Um gato é trancado dentro de uma câmara de aço, juntamente com o dispositivo seguinte (que devemos preservar da interferência direta do gato): num tubo contador Geiger há uma pequena porção de substância radioativa, tão pequena que talvez, no decurso de uma hora, um dos seus átomos decaia, mas também, com igual probabilidade, talvez nenhum se decaia; se isso acontecer, o tubo contador liberta uma descarga e através de um relé solta um martelo que estilhaça um pequeno frasco com ácido cianídrico. Se deixarmos todo este sistema isolado durante uma hora, então diremos que o gato ainda vive, se nenhum átomo decaiu durante esse tempo. A função-Ψ do sistema como um todo iria expressar isto contendo em si mesma o gato vivo e o gato morto simultaneamente ou dispostos em partes iguais.”
No primeiro exemplo que dei lá no começo do texto sobre o experimento do gato de Schrödinger eu disse que você tinha que abrir a caixa para que o gato assumisse ou um estado vivo ou um estado morto, fiz isso apenas a título de simplificação, mas já aviso que isso é perigoso, pois pode dar interpretações erradas, para tanto fique muito atento as linhas abaixo!
Falamos em grande parte do texto sobre medições, mas o que afinal são essa medições? É consciência humana de quem realiza o experimento? NÃO! Na descrição correta do experimento mental que está aí acima, vemos que há uma fonte radiativa que pode emitir uma partícula ou não, que será registrada pelo contador Geiger. A medição é representada pelo disparo do contador Geiger ao registrar o evento da emissão da partícula e não a intervenção de um observador humano. O que chamamos de medição nesse caso é a interação entre o sistema microscópico e o macroscópico de forma a deixar um registro permanente, ou seja, é no momento que a mecânica quântica interage com a mecânica clássica. Pois o sistema macroscópico não pode ocupar uma superposição de estados da mesma forma que o sistema quântico. Alguns oportunistas gostam de pegar a palavra “medição” e dar um caráter totalmente humano e consciente a ela chamando-a de “observador”, quando na verdade não é! Heisenberg usava a palavra evento ao invés de medição, mas infelizmente a moda não pegou.
Para finalizar vejam esse vídeo e comparem com nossa explicação:
É isso pessoal, espero que tenha ficado claro para todo mundo que não tem nenhum gato de verdade dentro de nenhuma caixa, é tudo um experimento mental, no qual nosso interesse é apenas criar uma forma palpável de exemplificar a superposição de estados.
Algumas referências:
- Tales of Schrödinger's Cat
- Introdução a Mecânica Quântica - Griffiths
- Física em 12 Lições Fáceis e Não Tão Fáceis - Feynman
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Posted by
Thiago V. M. Guimarães