- Back to Home »
- Um passo de cada vez
Posted by :
Daniel Vieira
domingo, 7 de junho de 2015
Sobre estudantes de ciências que curtem a vibe científica, mas não querem se dedicar o mínimo para realmente entender algo.
Na minha recente experiência como professor universitário, tenho me deparado com diversos alunos que adoram fazer piadas "nerds", compartilham constantemente nas redes sociais referências aos seus estudos, passam a imagem (externa) de que são exímios estudantes daquele campo. Mas quando tentamos descobrir o que esses alunos realmente sabem, deixam muito a desejar.
A física é popular. Dá status. Quem sabe física ganha fama de sabichão. Pessoas inteligentes são Einsteins, Hawkings. Todo mundo quer ser fã de Cosmos, de Big Bang Theory. Saber sobre quântica, múltiplos universos, relatividade. Por um lado, isso é muito bom. Atrai atenção. Enquanto a vibe existir, jovens serão atraídos aos montes para os estudos de ciências. Desses, um bom número pode se tornar bons físicos, que farão contribuições impotantes para o avanço científico. Como eu acredito que conhecimento científico enriquece o indivíduo e a sociedade, não tenho como achar a popularidade da física algo ruim.
Num nível do deslumbramento científico, Tysons, Sagans, Hawkings e Gleisers fazem um trabalho muito bom. Fazem com que as pessoas leigas em ciência admirem o campo, mesmo que não entendam muita coisa. A divulgação tem esse papel também.
O que noto, no entanto, é que alunos parecem não querer passar desse nível amador. Querem falar de galáxias, compartilhar vídeos sobre buracos negros, falar os nomes das disciplinas legais que cursarão no próximo semestre, querem se sentir parte do show. Mas não dedicam o mínimo do tempo suficiente para o básico. Cálculo e as físicas básicas, por exemplo. Não dá pra saber sobre relatividade geral sem saber o que são vetores direito. Não dá pra falar de quântica se não souber o que é a equação de onda. E o que é uma equação diferencial. Muitos querem saber falar algo sobre o Bóson de Higgs e o LHC sem saber descrever o movimento de um bloco preso a uma mola, ou um lançamento de um foguete.
"Ah, mas essa física é chata", alguns podem dizer. Não, amigo. Se você acha isso, então você acha física, como um todo, chata. O movimento de um projétil por exemplo, por mais bobo que possa parecer num primeiro momento, carrega tanta reflexão sobre a natureza que se torna absolutamente fantástico. O movimento pode ser decomposto em direções independentes (horizontal e vertical), e cada componente é descrita por equações extremamente simples. Pode ser descrito utilizando o conceito de força ou de energia, e as duas descrições, aparentemente bem diferentes, são equivalentes para prever toda a trajetória futura do projétil. Podemos ir mais além, e procurar as simetrias do fenômeno e interpretar essas simetrias como leis de conservação de algumas grandezas físicas.
Sem compreender esses conceitos para eventos cotidianos (pêndulos, projéteis, colisão de bolas de bilhar, etc) não há como entender coisas mais avançadas. Movimento de galáxias, buracos-negros e todas essas coisas hype não pertencem a uma ciência diferente. É física, é a mesma física. E não há como compreendê-los sem passar pelo básico. Assim como não há como querer aprender gramática formal sem conhecer a escrita, ou saber cálculo diferencial sem saber somar.
Então, jovens estudantes de física e ciências em geral, se vocês querem a hype e só a hype, nem percam tempo. Há diversos sites e livros divertidos, que te darão respostas prontas e mastigadas sobre todas as coisas fantásticas que são estudadas por aí. Você não vai entender muito bem, mas vai se divertir, eu garanto. Mas se você quer saber não só sobre buracos-de-minhoca e big-bang, não só pagar de nerd, mas quer saber sobre a física que descreve a natureza como um todo, do menor ao maior, saber explicar tanto sobre como o Sol produz luz, como um arco-íris se forma, como uma bola quica, como a água esquenta, e como tudo isso está relacionado de maneira simples e bela, então você vai precisar se dedicar. Se dedicar muito mais do que o tempo de um episódio de Cosmos. Vai precisar ler muito mais do que uma Scientific American, e vai precisar principalmente fazer e refazer aqueles exercícios chatos que seu professor passou, até que se tornem belos e todos os exercícios e exemplos de todos os livros estudados de assuntos diferentes se tornem parte de um único grande panorama, o despertar de uma compreensão ampla da Natureza.
Olá,
ResponderExcluirLer o simetria de gauge não conta um pontinho a mais? rsrsrsrs
Parabéns pelo texto!
Abraço!
Bom, como aluno de graduação no último ano do curso eu não posso deixar de concordar contigo no ponto central do texto. Essa sensação de que física básica era "chata" me ajudou a ser bastante irresponsável nesse período da minha formação, o que me deixou com várias concepções estranhas até muito recentemente. Mas hoje eu penso que o motivo que mais me incentivou a ser relapso nessa época foi uma sensação de desconforto muito grande com relação a maneira que os cursos eram ministrados. Não falo de uma birra qualquer com um professor por razões de avaliação, mas de um "feeling" de que existe alguma coisa errada com o curso de alguma maneira. Só mais tarde eu percebi que os cursos de formato tradicional de física básica que eu fiz me deixaram com vários questionamentos, sobre a própria validade da ciência, em aberto.
ResponderExcluirPor exemplo, vamos falar como um curso de física básica aborda a mecânica. Normalmente se começa dividindo a mecânica entre a cinemática e dinâmica e introduzindo as definições matemáticas de distância, posição, deslocamento, velocidade e etc... O que eu percebi ao fazer o curso foi que em nenhum momento paramos para discutir, por exemplo, qual é a realidade que existe na definição de uma grandeza física. Como é que se realiza uma grandeza física em termos práticos. Ora a resposta é muito simples, uma grandeza física é definida através de uma processo, chamado processo de medição, que como produto final nos dá um número que dizemos ser o valor da grandeza. É a tal da "definição operacional" de uma grandeza.Bom, na verdade é mais complicado do que isso, visto que existem processos diferentes que resultam números diferentes mas que gostaríamos de dizer que estão associados a mesma grandeza (usar réguas com escalas diferentes no caso de distância, posição e etc...) e que o mais correto seria dizer que uma grandeza é definida por todos os processos que geram medidas a ela associadas, assim como aos processos que podemos usar para traduzir os resultados de um processo em termos de outro processo que gera a mesma grandeza (por exemplo ver qual é a razão entre a contagem de oscilações de um pêndulo e a contagem de um relógio d'água).
Mas se pararmos para pensar bem vemos que energia não é uma grandeza física definida dessa maneira. Em todas as instâncias onde energia é usada para fazer algum tipo de inferência sobre o comportamento de um sistema, ela é tradada como uma quantidade que é calculada a partir de outras grandezas (que são definidas operacionalmente) e que é sempre a mesma não importa o processo (isso, é claro levando em conta a análise do que acontece com a energia perdida em processos dissipativos). Porque uma grandeza assim é útil para a física? Bom depois nós vemos que podemos interpretar várias situações genéricas usando esse conceito e que em outros formalismos ele tem interpretações muito profundas sobre como explicar e ver a natureza. Bom talvez pudéssemos argumentar que tal coisa deveria ser de conhecimento prévio, mas me atrevo a dizer que é bem possível passar por todo ensino médio quiçá quase toda a graduação sem prestar atenção nas implicações dessas afirmações que são básicas para o entendimento da física como uma ciência, e não só como uma coleção de modelos matemáticos. (continua...)
(continuação)
ResponderExcluirAliáis, outra coisa que pode enbananar a cabeça dos calouros é se perguntarmos pra eles algo do tipo: O que um físico desses que aparece na TV quer dizer com afirmações do tipo, "Nós descobrimos o bóson de Higgs!" ou coisa parecida? Os físicos vem o bóson de higgs, seja lá o que ele for, como uma coisa real, ou como uma ferramenta de explicação? Talvez se o cientista tivesse dito algo como "Nós descobrimos que a luz viaja em linha reta" essa resposta seria diferente? Intuitivamente não pensamos na luz como "algo que viaja" ainda mais em linha reta, para ver isso basta perguntar para qualquer pessoa na rua: "Descreva tudo o que está se movendo na sua frente", acho muito difícil que a palavra "luz" esteja nessa resposta. Claro ela poderia incluir na sua resposta ás sombras das nuvens no céu, mas não é isso que um físico que intuir quando ele fala sobre a luz se mover em linha reta. Qual é o significado de tudo isso? Qual é o papel da experimentação em física? Existe diferença entre uma observação de um fenômeno e um experimento do mesmo fenômeno? Que critério usamos para descartar a teoria da intromissão em favor ao princípio da propagação retilínea da luz?
Enfim, o meu ponto é que várias coisas importantes e básicas que poderiam ter sido exploradas nos meus cursos de física básica foram veementemente ignoradas, ou postergadas para um curso mais avançado que acabou assumindo essas coisas como informações dadas, dando a impressão de que a ciência é algo feito na base do achismo, ou da imaginação iluminada de pessoas que dominavam essa linguagem que para o homem comum beira ao contraditório. (imagino que para um leigo pensar em "superfícies tridimensionais" é uma sensação parecida com duplipensar em 1984) e que isso não é algo que só acontece nos cursos de física básica que eu fiz. Além disso a sensação que eu tenho é que no fundo, os calouros são cientes dessas estranhezas e isso torna tudo mais difícil e incompreensível.
Reiterando, não discordo contido em momento algum, mas senti vontade de escrever isso aqui e achei que estava relacionado com o tema de uma certa forma. Peço desculpas por ser tão prolixo mas acho que se eu escrevesse de maneira mais direta eu não me faria entender.
Bom trabalho com o blog, que venham mais post, com mais regularidade XD
Gostei da sua resposta, acho um ponto de vista extremamente válido. Posso publicar como um post do blog?
ExcluirEscrevi meu comentário 2 vezes. Era bem grande, mas quando cliquei em comentar o maldito google apagou, pois me direcionou para a tela de login. Desculpa, mas não vou escrever aquilo tudo de novo pela terceira vez.
ResponderExcluirSó queria dizer que isso também acontece muito na engenharia. Temos muitos alunos que dizem aos 4 ventos que "amam" engenharia, mas que não gostam de química e física. É triste. a outra parte do texto referia-se ao quanto um professor de ensino superior é pedagógico, porque tem muitos que sabem, mas alguns poucos conseguem ensinar realmente bem.
Muito bom. O seu texto está cheio de verdades, e provavelmente vou ver com outros olhos os exercícios "chatos" que o professor passa.
ResponderExcluir