Posted by : Thiago V. M. Guimarães segunda-feira, 22 de julho de 2013

Estou adiando esse texto há anos e entre os pesquisadores esse assunto está batido, mas acredito que leigos e estudantes do início da graduação não tenham tanta familiaridade com ele. Então a idéia desse texto é trazer o assunto para perto de vocês, leigos e graduandos.

Bom, tudo começa com “Você sabe o que um pesquisador faz?”

“Ele faz pesquisa! ÓóÓóÓóÓóÓóÓó”… sim, isso mesmo, ele passa o dia dele estudando um assunto e tentando descobrir coisas novas por meio de matemática, experimentos, outras pesquisas, etc (no caso da física óbvio), essa é uma resposta razoável para nosso propósito. Mas e aí, como um cientista conta para todos os outros sobre os resultados de sua pesquisa? É no boca-a-boca, é no jornal, é no Discovery Channel, é por livros ? Não, nada disso, um pesquisador divulga seus resultados por meio de artigos que são publicados em periódicos ("revistas"). E funciona mais ou menos assim:

O cara está lá pesquisando algo, obtém resultados e escreve seu artigo mais ou menos dessa forma : (clique para aqui para ver um artigo do grupo de pesquisa do qual pertenço). Ao escrever esse artigo ele é enviado para uma revista (existem muitas com diversas especializações e diversos fatores de impacto). Então sua pesquisa tem que passar por uma banca que irá examiná-lo para saber se ele está correto e se é de interesse da revista publicá-lo, se for de interesse eles publicam e você ganha... NADA (!), isso mesmo eles não te pagam um centavo, em alguns casos é você quem tem que pagar. Mas tudo bem, parece algo interessante você submeter seu trabalho a uma revista em que ele será analisado e aprovado por outros profissionais antes de ser divulgado para a comunidade científica. O problema começa com o fato de que você tem que pagar para ter acesso a esses artigos, ou seja, você não ganha NADA por ele ser publicado e as pessoas tem que pagar para essas revistas para ter acesso ao seu trabalho. 

Meio estranho não?! 

Mas e aí, a gente gasta nosso suado dinheiro comprando artigos para poder pesquisar? Sim é exatamente isso que fazemos, mas não fique com dó de nós, vocês também nos ajudam nessa grande vaquinha! O Brasil, assim como muitos outros países, assina uma plataforma online chamada Isi Web of Knowledge que nos dá acesso á cerca de 400 periódico por ano, pela bagatela de 5 milhões ao ano. Sim, essas empresas que não pagam UM centavo para nós, vendem a divulgação dos artigos por cerca de 20 mil reais ao ano para cada periódico. Não é muito, é até que pouco na verdade, pois representa apenas 0,5% do nosso investimento em ciência e tecnologia.

Resumindo é algo assim: Nós não recebemos NADA por publicar nossos trabalhos, não recebemos nada por citar os artigos dessas revistas, não recebemos nada para ser revisores dessas revistas e ainda temos que pagar para ter acesso ao seu material que também foi produzido gratuitamente por outros pesquisadores e foi analisado gratuitamente. Lindo isso!

Mas e aí, porque se submeter a isso? Masoquismo?!
  
O problema atual da ciência é que quase todo nosso trabalho tem se resumindo a “Fornecimento de material” para esses periódicos. Vou explicar com calma como isso funciona, espero que você tenha paciência para ler. :)

Você sabe como um cientista é reconhecido como o bonzão na sua área? Pasme…. é pelo número de publicações nesses periódicos, sim, simplesmente isso “número”, não qualidade. Publique 10 receitas de bolo em um periódico que você será, do ponto de vista dos nossos órgãos de fomento, um pesquisador muito mais foda e receberá mais recursos que outro pesquisador que publicou apenas um trabalho, mas que revolucionou a sua área de pesquisa. Se Einstein ou qualquer outro emérito cientista de sua época trabalhasse hoje no Brasil, eles seriam pesquisadores medíocres, pois eles possuem baixo número de publicações, mas de impacto enorme. Se não me engano Einstein teve apenas 4.

Com isso nem preciso falar que a Ciência mudou de nome para “fábrica de artigos”. A única coisa que se quer é publicar, publicar e publicar… 

Na minha primeira reunião quando entrei na pós graduação, a segunda coisa que a coordenadora falou, logo após o “boa tarde”, foi “Vocês precisam publicar!”.

Para ilustrar ainda mais a situação, quando ainda estava na graduação eu ouvi uma conversa épica nos corredores do DFI. Eles tinham publicado um artigo e acabou rolando uma sobra desse artigo, foi nada mais que um problema experimental impar que eles tiveram,  eis que um professor surge com a idéia genial: “Remete à revista, diz que é um problema geral e muito importante, dá uma enrolada, vamos tentar publicar isso também…”. Logo depois descobri que isso ocorria em praticamente todos os departamentos, não apenas na física.

A maioria esmagadora dos pesquisadores está nem aí para a qualidade de suas publicações, eles querem apenas um grande número publicações para engordar seu Currículo Lattes. Isso está causando um enorme contingente de publicações sem relevância alguma, pois a preocupação com qualidade acabou ficando em segundo plano. 

Mas a ciência fastfood não é um problema só do Brasil, mas sim mundial. Tanto que por volta de 2011 começou a surgir na Alemanha um movimento chamado Slow Scence, que já vinha sendo discutido há muito a tempo. A proposta é simples: desacelerar, a ciência deve ser feita de forma lenta para que possamos pensar, rever os estudos, analisar de forma consistente nossos próprios dados, conhecer melhor os artigos nos quais nos apoiamos, a qualidade precisa sobrepujar a quantidade! O grupo de neurocientistas que encabeçou o movimento criou um manifesto (que você pode ler aqui) convocando os cientistas para o Slow Science. Mas infelizmente ninguém está pensando em desacelerar até o momento, e o movimento está bem apático.

Bom, deixe eu encerrar por aqui que eu também preciso por mais carvão nessa máquina de artigos!


Adendo aos anticiência:

Não tente usar esse texto ou mesmo o assunto pra desacreditar a ciência, pois mesmo que tenhamos trabalhos ruins por aí, erros sendo divulgados, etc no conjunto total a coisa é diferente, estamos constantemente corrigindo esses erros e construindo conhecimento solido à muitas mãos.

{ 9 comentários ... Abandone toda a esperança aquele que aqui entrar }

  1. "Na minha primeira reunião quando entrei na pós graduação, a segunda coisa que a coordenadora falou, logo após o “boa tarde”, foi “Vocês precisam publicar!”. "

    Eu larguei a minha iniciação científica (faço engenharia) quando eu entendi que aquilo era basicamente publicar e quando eu vi que a maioria dos meus professores tava mais interessado em quantidade de publicações do que em qualidade.

    E nisso eu já perdi o interesse em carreira acadêmica (tanto é que até hoje tem gente que tenta me convencer a fazer um mestrado, e eu sou categórico ao afirmar que não) e acabei indo pra indústria, onde a qualidade importa mais do que a qualidade. Sad, but true.

    A voracidade, o desespero de publicar, levam a muitas publicações de péssima qualidade, feitas de qualquer jeito, falsificando resultados (falsificações essas que nunca serão descobertas) etc...

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  2. Isso também deve-se aos nossos 'queridos' CNPq e Fapergs (RS)... Eles cobram resultados massivos, ou seja, publicações o mais rápido possível (chamam-nos de bolsista produtividade não por acaso), pois temos prazos para publicar constatações no trabalho o quanto antes (e quanto mais melhor)! Isso que não entendo... Ao invés do incentivo à pesquisa (apenas para parâmetro no caso do meu orientador e meu trabalho de pesquisa), ela quer cobrar resultados (papers) de forma quase que espontânea... Muito bem colocado nesse seu texto! Abraços

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    1. Exato, eu tentei englobar todos esses órgãos no "órgãos de fomento", mas dá pra fazer um (se não uma série) texto só reclamando da postura da Capes e do CNPq em relação a isso. Fora as avaliações de currículo nos concursos para professor, na maioria dos lugares ele olham o seu número de publicação, estão nem aí para a qualidade, se você participou de um grande colaboração na pós graduação você estará feito!

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  3. parabens pelo texto.
    eu sou leiga e nao tinha conhecimento desse problema da area cientifica,agora vou tratar de me informar sobre o assunto.

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  4. Gostei do texto, Thiago.

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  5. Tive um professor indiano que sempre reclamava disso e também das teses de doutorado que "davam" título de doutor por qualquer "porcaria" publicada, mas que são necessárias, pois sem título de Dr. você perde a vaga pra um "desqualificado" que tenha o título. Não tenho a menor ideia se ele tem razão no que diz, só estou dizendo o que ele dizia, não me crucifiquem.

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    1. Waldir, não há porque te crucificar, você tem razão! Parte da culpa disso vem da capes. Talvez eu escreva sobre esse assunto em breve.

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  6. Já sabia disso, mas não tinha muita noção desse ponto de vista.
    Sou dessas que compra essas revistas e sempre quis publicar nelas também, mas conforme os anos iam passando, fui reparando no aumento constante de artigos parecidos, iguais, com a mesma base, estilo receita, só que de autores diferentes. As revistas andam vendendo tanto a mesma coisa que eu cansei de comprar.
    Tenho aquela sensação de comprar uma e ter, na verdade, todas.

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    1. O foco real não foi bem essas revistas que você pode comprar em bancas, como a Scientific American, New Scientist e etc. Mas sim periódicos internacionais que são focados em áreas específicas e a população não consegue ter acesso direto. Mas você tem razão no que disse, essas revistas realmente estão bem iguais...

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